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3 METODOLOGIA DE PESQUISA

3.4 Descrição dos procedimentos protocolo de leitura

Nosso estudo se trata de um trabalho com textos que, a princípio, já devemos salientar de que não é a mesma coisa de uma pesquisa bibliográfica. Esta se caracteriza como uma etapa de toda pesquisa, independente do método que seja utilizado. Grosso modo, podemos compreender a pesquisa bibliográfica como um levantamento do que existe de produção acerca de determinando tema. Geralmente serve como uma introdução teórica ao tema porque condensa conhecimentos importantes para o prosseguimento da pesquisa. Já um estudo teórico se caracteriza pela realização de um trabalho com textos; o objeto de pesquisa é um específico corpus textual, o que também pede, de certo modo, uma estratégia de leitura.

Como já antecipamos, o corpus textual da nossa pesquisa é precisamente composto pelos textos de Freud e Melman. O principal texto de Freud foi os Estudos sobre a Histeria e de Melman foi os Novos Estudos sobre a Histeria. Os textos secundários dos referidos autores como, por exemplo, as Publicações Pré-psicanalíticas de Freud e o Homem sem gravidade de Melman, também foram imprescindíveis para que atingíssemos certo nível de compreensão acerca do tema e nos ajudar a elaborar com mais propriedade as ideias que decorressem do estudo.

Seguimos uma sequência cronológica para escrever nossa leitura, isto é, primeiro Freud e depois Melman. O movimento de escritura também prescindiu do arranjo dos textos. De modo que, os Estudos sobre a Histeria, por se tratar de um texto escrito e claramente organizado para se tornar um livro, dividido em partes que dialogam entre si, nos possibilitou um sequenciamento mais delimitado. Já os Novos Estudos, por se tratar de uma compilação de pequenos textos independentes, apresentados num seminário, acarretaram um movimento de escrita menos linear do que o movimento antecedente.

Ambos os textos foram lidos no mínimo duas vezes. A princípio fizemos uma leitura ingênua e em seguida uma leitura próxima e atenta. As leituras que ocorreram no espaço entre uma e outra foram as leituras sistematizantes que implicam na leitura de outros autores que leram Freud e/ou Melman, ou mesmo os que, de alguma forma, nos remeteram ao que o texto principal nos despertou. As leituras sistematizantes funcionam para abrir portas para a escritura do novo texto. O terceiro passo que corresponde à aproximação atenta e desconstrutiva do texto é o que resulta na produção do nosso próprio texto.

No processo de leitura-escritura apreendemos o texto como um contexto material que interage com o leitor; que interfere no pensamento e produz algo novo a partir de então. Barthes (1988) nos ajuda a compreender esse movimento quando sugere que escrever a leitura é escrever o que produzimos quando levantamos a cabeça. Esse gesto determina o que está surgindo ou sendo transformado pelo contato com o texto, além de ser um gesto que simboliza a expansão do pensamento, a abertura do olhar, a recriação de novos horizontes a partir da leitura.

Sem pretende retornar ao mérito da discussão sobre existir uma verdade contida no texto, é perceptível no movimento de escrever a leitura que cada texto produz uma verdade que nasce a partir da relação entre os contextos do próprio texto e de quem está lendo. Referente a isto lembramos uma colocação de Barthes (1988, p.42), na qual ele explica que ler um texto nos leva a reconhecer uma verdade que não é nem objetiva, nem subjetiva, mas lúdica; faz parte de um jogo e um trabalho que envolve até o corpo.

A maneira como lemos os textos de Freud e de Melman certamente proporcionou interferências específicas. O texto de Freud por ser um texto escrito exibe a elaboração linear e contínua de ideias. Por vezes chega a parecer uma narrativa com todos os elementos de ida e volta de um pensamento, mas funciona como se fosse para descrever o caminho percorrido para se chegar a uma determinada ideia. Esta característica nos parece tão marcante na escrita de Freud que mesmo com a suposição de que ele intencionava atingir as cátedras da ciência, não é um texto isento de subjetividade. Em muitos momentos, tem-se a impressão de que Freud está ao nosso lado; seu texto dialoga com o leitor.

O texto de Melman, por sua vez, tem uma característica bastante peculiar, pois não são textos que, em termos de estrutura, não parecem nascer de um minucioso trabalho de escrita cujo resultado seja uma publicação intencional. São textos que na maioria das vezes

nascem de uma fala: ou uma fala para apresentação em público (palestras em seminários, encontros, etc), ou um diálogo (entrevistas, discussões em encontros psicanalíticos). Demos, basicamente, a descrição dos textos de Melman que foram trabalhados nesta pesquisa. Por esta razão o movimento do nosso processo de leitura-escritura acompanhou essa estrutura intercortada, mas que possui uma fluidez própria de quem está conversando. O fato de apresentar esse tipo de estrutura não é um atributo negativo. Ao contrário, imprime uma certa fluidez que reflete a seguinte expressão da “palavra acompanhando o pensamento”. Podemos extrair dessa característica que Melman, assim como Freud, parece dialogar com o leitor, com a diferença de que o diálogo em Melman é a própria estrutura do texto.

Enfim, consideramos necessário figurar as características dos principais textos componentes do corpus deste estudo para possibilitar uma visibilidade do processo de construção do nosso próprio texto.