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A Consolidação da Terminologia Acordo

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CAPITULO IV OS CAMINHOS BRASILEIROS DO ACORDO

4.2. A Consolidação da Terminologia Acordo

Os tipos de instrumentos jurídicos internacionais estão regulamentados pelo direito, enquanto ciência, e pelas Convenções Internacionais:

Regulados pela Convenção de Viena, de 22 de maio de 1969, com vigência a partir de 27 de janeiro de 1980, os tratados internacionais são definidos SHORDUWžGRUHIHULGD&RQYHQomRFRPR³XPDFRUGRLQWHUQDFLRQDOFRQFOXtGo por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de XPLQVWUXPHQWR~QLFRTXHUGHGRLVRXPDLVLQVWUXPHQWRVFRQH[RV´$VVLP tratados, pactos, protocolos, acordos, convenções, concordatas, estatutos, convênios, modus vivendi, ajustes, atos e outros, todos são espécies do gênero tratado internacional (CUNHA, 106, p. 119).

O autor cita um elenco de possíveis instrumentos jurídicos sem explicar as nuances de cada um, nem suas origens históricas, o que também não é o interesse desta pesquisa. Queremos citar o caso brasileiro, a preferência pela terminologia Acordo, no rol dos possíveis tratados internacionais. O elenco dos possíveis instrumentos jurídicos é encabeçado pela terminologia tratado, dando alguma precedência? Cunha destaca o seguinte sobre tratados:

Segundo definição estabelecida pela Convenção de 1969, o tratado realizar- se-ia somente entre Estados. Entretanto, em 1986, na mesma cidade de Viena, tem-se a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, em complementação à Convenção de 1969, e dispondo sobre o direito dos tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou somente entre Organizações Internacionais. Esta Convenção reconhece, em seu art. 2º, a possibilidade de realizar tratados internacionais entre um ou vários Estados e uma organização internacional e também, exclusivamente, entre organizações internacionais, sem a participação de Estados (CUNHA, 2016, p. 119).

Quando a questão legal é aprofundada, compreende-se melhor a Igreja Católica, num mundo com claros sinais de secularização, precisa ter soberania e estabilidade jurídica, considerando sua missão universal. No Tratado de Latrão, estão escritas 9 vezes as expressões soberania ou soberano, ainda que aquela nunca esteve em dúvida, como descrito no capítulo anterior. Mas esta

50 Comentário de Dom Geraldo Lyrio Rocha na Conferência Memórias do Acordo, na PUC MG, no dia 29 de agosto 2017, durante o Seminário Acordo Brasil - Santa Sé.

soberania/independência precisa de suporte jurídico reconhecido internacionalmente.

Ademais, o Tratado não está apenas encabeçando o elenco dos possíveis instrumentos jurídicos:

[...] a vida internacional funciona quase que principalmente com base em tratados, os quais exercem, no plano do Direito Internacional, funções semelhantes às que têm no Direito interno as leis (caso em que se fala estar diante dos tratados normativos) e os contratos (dizendo-se, neste caso, tratar-se dos assim chamados tratados-contrato), regulamentando uma gama imensa de situações jurídicas nos mais variados campos do conhecimento humano (MAZZUOLI, 2010, p. 146).

A opção de não adotar a terminologia Tratado tem sempre explicações de caráter mais nacional e histórico, como veremos no caso brasileiro. Desde o início das negociações com o governo Provisório, já se falava da realização de um instrumento jurídico com nome diferente de concordata:

Leão XIII agia coerentemente com a postura diante das relações internacionais que influenciaria a política externa da Santa Sé ao longo do século XX: em nome da defesa da sua missão evangelizadora e dos seus interesses institucionais, a Santa Sé adotou posturas realistas e pragmáticas em sua política externa. Firmar o caráter transnacional da Igreja Católica, abrir novas áreas para a ação evangelizadora, recuperar ou consolidar os espaços tomados à Igreja pelo liberalismo e pelo laicismo eram os principais propósitos dessa postura. De acordo com o autor Dermi $]HYHGR HP VHX DUWLJR ³'HVDILRV HVWUDWpJLFRV GD ,JUHMD &DWyOLFD´ HVVH realismo político se caracterizou pela participação dos Pontífices e seus representantes no jogo de xadrez estratégico, buscando firmar a Santa Sé como mediadora e negociadora nas questões políticas mais complexas. No caso brasileiro foi essa a postura assumida pelo Papa [Leão XIII] diante da nova composição política brasileira. Por isso, o tom do documento51 era de negociação, com vistas a deixar as portas abertas para um Acordo, mesmo que não oficial, mas de caráter bilateral, no qual ambos os lados fizessem concessões e se beneficiassem mutuamente (ROSA, 2015, p. 84-85). Mais uma vez fica claro que a política adotada pela Santa Sé para o Brasil estava alinhada com o projeto internacional de Leão XIII (1878-1903), no final do século XIX, o que influenciará os pontificados posteriores. Isto implica colocar a

51 O documento mencionado aqui é a Carta que Leão XIII escreveu ao Governo Provisório em 28 de outubro de 1890, graças à qual Dom Macedo Costa conseguiu que a República não confiscasse os bens temporais da Igreja Católica no Brasil. O Governo Provisório impôs esta condição: o reconhecimento, por parte do Papa, do Governo Provisório do Brasil, como contra-partida do não confisco dos bens eclesiásticos. Para Dom Macedo Costa, HUD LPSRUWDQWH ³D ,JUHMD FRPHoDU FRP TXDVHQDGDGRTXHFRPRQDGDDEVROXWR´2TXDVe nada se refere ao péssimo estado do patrimônio usado pela Igreja, mas que de direito era propriedade da Coroa Brasileira. Procurei por todas as partes possíveis por esta Carta, mas só encontrei fragmentos. Todas as referências remetem para o Arquivo Secreto Vaticano. Estou seguro que na Nunciatura Apostólica, em Brasília, há uma cópia, no entanto, foi-me negado acesso a este ambiente. Lilian Rosa cita alguns fragmentos em sua tese, mas não há o texto completo em anexo. Cf. Leão XIII. Al. Sgr. Maresciallo Deodoro da Fonseca Capo Del Governo provisório del Brasile, 28 de outubro de 1890. Tradução de Lilian R. O. Rosa e Antonio Alfieri. A.S.V., Brasile, ´ps. 308-311 (II), ff. 14-77.

Igreja Católica numa mesa de negociação para garantir-lhe um lugar neste novo e irreversível mundo. Outro aspecto que merece atenção no trecho acima é o fato de TXHMiQRVSULPHLURVSDVVRVGD5HS~EOLFDVHIDODYDGHUHODo}HVµQmRRILFLDLVPDVGH caráter bilateral, no qual ambos os lados fizessem concessões e se beneficiassem PXWXDPHQWH¶ SRLV QD DFDGHPLD HVWDPRV KDELWXDGRV D IDODU GD ³FRQFRUGDWD QmR HVFULWD HQWUH 'RP /HPH H R 3UHVLGHQWH *HW~OLR 9DUJDV´ FRPR XP IHLWR extraordinário quer da capacidade diplomática de Dom Leme, quer do pragmatismo do Presidente Vargas.

Nos atos jurídicos na história entre o Brasil e a Santa Sé, a terminologia Acordo se consolidou pela primeira vez na era Vargas:

O Brasil celebrou em 2008 seu terceiro Acordo com a Santa Sé. O primeiro deu-se em 2.12.1935, Acordo Administrativo entre o Brasil e o Estado Cidade do Vaticano, para a troca de correspondência diplomática em malas especiais52. Publicado no Diário Oficial em 10.1.1936. O segundo53 deu-se em 3 de outubro de 1989, sobre a assistência religiosa das forças armadas e a criação do Ordinariato Militar do Brasil (XAVIER, 2017)54.

Sobre a preferência, para o caso brasileiro, pela terminologia Acordo, o próprio embaixador da Santa Sé explica:

A escolha do nome Acordo atendeu ao intuito de evitar qualquer conotação imprópria que uma visão superficial da história pudesse insinuar, em desarmonia com o evidente sentido de que o Tratado supõe clara distinção e autonomia entre Estado e Igreja e de laicidade daquele. Quiseram as Altas Partes no Acordo obviar toda e qualquer perplexidade que as reminiscências despertadas pelo termo concordata, em outras épocas de mais acentuada confluência entre Igreja e Estado pudessem sucitar. As Altas Partes buscaram, ainda, evitar a associação do verdadeiro pacto de direito internacional que celebraram com o termo tradicionalmente ligado, no Brasil, a instituto falimentar (BALDISSERI, 2011, p. 91).

52 É de estranhar que num documento oficial haja o equívoco entre Estado Cidade do Vaticano e Santa Sé. Os atos jurídicos internacionais dão-se com a Santa Sé. Algumas poucas informações sobre este Accôrdo de 1935 podem ser encontradas em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo- pessoal/OA/impresso/acordo-administrativo-entre-o-brasil-e-o-estado-da-cidade-do-vaticano-para- troca-de-correspondencia-diplomatica-em-malas-especiais. Acesso em 04.09.2017, às 17:01h. 53 Uma análise deste Acordo sobre a assistência às Forças Armadas e a Criação do Ordinariato Militar do Brasil não é objeto desta pesquisa. O estudo mais detalhado que encontrei foi a análise do Art. 20 do Acordo Brasil ± Santa Sé feita por: BARROS, José Francisco Falcão de. IN: BALDISSERI, Lorenzo; FILHO, Ives Gandra Martins, (coord). Acordo Brasil ± Santa Sé Comentado. São Paulo: LTr,

2012, p. 403-448. Texto completo disponível em:

http://www.vatican.va/roman_curia/secretariat_state/archivio/documents/rc_seg- st_19891023_santasede-brasile_po.html. Acesso em 04.09.2017, às 17:47h.

54 Excerto da Conferência do Frei Evaldo Xavier, O. carm, secretário da Comissão Central da CNBB, para implementação do Acordo, presidida pelo cardeal Dom Raymundo Damasceno Assis, no Seminário Acordo Brasil-Santa Sé, realizado em Florianópolis-SC, nos dias 4 e 5 de julho de 2017. Pedi e xerografei a conferência. No texto da conferência não há referência às fontes

Numa pesquisa rápida nas plataformas da internet, encontra-se um número não desprezível de referências DR TXH FHOHEUDUDP µDV $OWDV 3DUWH¶ FRP R WHUPR concordata. Ouvir a clara explicação por parte de uma das pessoas mais envolvidas no Acordo, o embaixador da Santa Sé, dispensa maiores comentários. Em muitos trechos do Acordo faz-se referência à laicidade do Estado, no entanto, foi o primeiro governo laico mais de mãos dadas com a Instituição Católica55. O núncio ainda acrescenta outras explicações:

Na realidade, o Acordo não visa salvar de qualquer aspecto de crise as relações do Estado brasileiro com a Santa Sé. O pacto não responde a nenhum conflito que oponha o Brasil à Santa Sé, muito menos em termos que prenunciem uma falência dessas relações56. De fato, o Acordo

singulariza-se por surgir num clima pacífico e perfeitamente respeitoso e cordial entre a Igreja e o Estado brasileiro, sem que nada se apresente como indicador de alguma aproximação de distúrbios políticos. O que se quer é documentar esse momento de correto relacionamento e apresentá-lo como modelo para um futuro venturoso. Por isso mesmo, o Acordo Brasil ± Santa Sé foi saudado, por especialistas e autoridades na Igreja, como exemplo de registro normativo para as boas relações entre o Estado e a ,JUHMD ³TXH SURYDYHOPHQWH DSRQWDUi R FDPLQKR SDUD IXWXURV DFRUGRV FRP RXWURVJRYHUQRV´ 6$/9,1, (BALDISSERI, 2011, p. 92).

De fato, num período mais pacífico das relações entre o Estado brasileiro e a Santa Sé, as Altas Partes tiveram o tempo necessário para amadurecerem as cláusulas do Acordo e serenidade para esperar os trâmites legais/constitucionais. Em seguida, o Núncio esclarece o porque do abandono da nomenclatura

Concordata:

Além disso, o termo concordata é tradicionalmente orientado para designar documentos que regulam todos os aspectos da situação jurídica da Igreja num determinado Estado. O Acordo Brasil ± Santa Sé, por motivos de conveniência, não espelha essa total abrangência, por exemplo, no texto não se fala dos feriados e festas religiosas. [...] No âmbito das relações internacionais, não é raro que se pactuem tratados com este exato objetivo ± de compendiar e consolidar normas esparsas, às vezes de conteúdo consuetudinário, num todo orgânico e acessível. No caso do Acordo em questão, as normas que estatui e que, em boa parte, já eram observadas

55 As afinidades entre os operários e a Igreja católica começaram pelo fato de haver pessoas da Pastoral Operária da diocese de Santo André dentro do movimento sindical. Quando o Partido dos Trabalhadores foi fundado havia muitos católicos que apoiavam a proposta. Sobre a trajetória de Lula e o PT ver: MENDES, Candido. Lula: a opção mais que o voto. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. 56 As relações diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé nem sempre foram pacíficas. No século XVIII, quando o primeiro ministro de D. João V, o Marques de Pombal, rompeu as relações diplomáticas com a Santa Sé, o Brasil era uma colônia portuguesa. Depois que o Brasil conquistou a independência de Portugal (1822) e houve a proclamação da República (1889), nunca houve período de rompimento de relações diplomáticas. Houve sim, períodos tensos entre a Igreja Católica no Brasil e algum regime de governo, como foi o caso do tempo de exceção iniciado em 1964. Sobre as relações diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé, há uma pesquisa bem fundamentada: REIS, Bruno Cardoso. Vaticano e Portugal uma visão de muito longo prazo. ICL-UL. Pode-se acessá-la em: https://idi.mne.pt/images/docs/conferencias/concordata/003.pdf. Acesso dia 20.11.2017, às 15:25h.

internamente como preceitos de direito doméstico, ganham força redobrada ao assumirem, agora, dimensão internacional, robustecendo-se por causa da responsabilidade internacional de que também se revestem (BALDISSERI, 2011, p. 92).

Considere-se que os bispos do Brasil, desde a primeira Constituição republicana (1891), optaram por garantir direitos para a religião católica no texto Constitucional e não em instrumentos jurídicos entre o governo brasileiro e a Santa Sé57. Aliás, este sempre foi um dos principais impasses, em todas as tentavias da Santa Sé, na negociação de uma eventual concordata.

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