• Nenhum resultado encontrado

O Estado da Cidade do Vaticano

No documento Download/Open (páginas 99-101)

CAPÍTULO III A IGREJA CATÓLICA, A SANTA SÉ E O ESTADO DA CIDADE

3.3. O Estado da Cidade do Vaticano

Outro aspecto importante para nossa pesquisa é ter claro do que se trata quando falamos de Cidade Estado do Vaticano ou o Estado da Cidade do Vaticano. O termo é, nos meios de comunicação de massa, usado, às vezes, como sinônimo de Igreja Católica, outra vezes, como sinônimo de poder político da religião católica.

Na estrutura de governo da Igreja Católica, o Estado da Cidade do Vaticano é a instituição mais jovem, se consideramos a história da instituição em um bloco compacto. Ele é fruto do Tratado de Latrão (1929):

O Preâmbulo do Tratado Lateranense diz explicitamente que a Santa Sé precisa de um sinal visível de autonomia para realizar sua missão no campo internacional com total independência. Em vista disso, julgou-se necessário reconhecer a plena soberania da Santa Sé sobre o Vaticano. O Vaticano, de fato, é uma área em Roma além do Rio Tibre onde se localizam a residência e a Cúria do Papa, os Dicastérios ou Ministérios da Sé Apostólica, a Basílica de São Pedro e os apartamentos, museus e jardins ao UHGRU (VWH WHUULWyULR FKDPDGR µ(VWDGR GD &LGDGH GR 9DWLFDQR¶ p XPD realidade jurídica com todos os direitos e prerrogativas de um Estado, cuja finalidade é assegurar para a Santa Sé, mediante as garantias de seus limites territoriais, o exercício livre e independente de sua missão espiritual universal (BALDISSERI, 2011, p. 25).

Desta forma, o Estado da Cidade do Vaticano é a materialização territorial da soberania espiritual universal da Igreja Católica e do seu Chefe, o Papa. Essa concretização territorial era uma realidade que vinha se arrastando desde 1870 com a unificação italiana e o consequente fim dos Estados Pontifícios, mas o Papa de então, Pio IX (1846-1878), não quis aceitar a realidade que se impunha, a Igreja Católica não era mais senhora de terras. Ela precisava descobrir outro lugar de estar no mundo, mas Pio IX (1846-1878) enxergava noutra perspectiva, mais distante do

mundo real. O seu sucessor, Leão XIII (1878-1903), tentou concretizar essa materialização territorial, mas sua missão foi estabelecer uma doutrina de diálogo com o mundo que se afastava da Igreja. Sua preocupação era mais ampla do que resolver uma questão de terra que, de fato, foi-se impondo tacitamente.

A cláusula do Tratado de Latrão (1929) que reconhece o território independente do Vaticano como propriedade independente da Igreja Católica dirime o conflito que se arrastava desde 1870 e projeta a Igreja para o futuro:

O estado da Cidade do Vaticano é, portanto, um verdadeiro Estado, enquanto reúne, embora de maneira peculiar, os requisitos tradicionais exigidos pelo Direito dos povos para que determinado ente seja considerado como tal, isto é, que conta com um território, uma população, um governo e uma capacidade jurídica para relacionar-se com outros sujeitos do Direito Internacional, gozando a soberania que lhe garanta, com plena liberdade, o exercício de sua missão (ACCIOLY, 2010, p. 419).

Enquanto Pio IX (1846-1878), na segunda metade do século XIX, não aceitava a perda das terras pontifícias, o Papa Pio XI (1922-1939), nos trâmites com o governo italiano para que este reconhecesse a independência do Vaticano, DUJXPHQWDYD³SUHFLVDPRVRPtQLPRGHFRUSRSDUDFRQWHURPi[LPRGHHVStULWRR território material reduzido a tão mínimas proporções que se possa e deva ser FRQVLGHUDGRFRPRHVSLULWXDOL]DGR´ /(%(& 35. Ou seja, a Igreja chegou à

compreensão de que não precisava de muita terra para garantir sua independência e respeitabilidade internacional. No entanto, o Núncio Baldisseri relativiza essa garantia territorial:

Naquele tempo (1870) não existia a Cidade do Vaticano. Porém, é importante sublinhar, e isso foi fundamental nas tratativas entre ambas as altas partes (em 1929), que o reconhecimento internacional da Sé Apostólica, apesar de perda dos Estados Pontifícios, continuava ininterruptamente, mostrando claramente que os Estados e os Governos não olhavam para a Santa Sé, principalmente, como uma entidade territorial, embora necessária, mas como uma entidade jurídica internacional, cuja finalidade era manter a soberania espiritual da Igreja pelo ministério do Papa. Os fundamentos dessa soberania encontram-se

35 Éric Lebec, em sua obra História Secreta da Diplomacia Vaticana, adentra em detalhes sobre o longo caminho que levou ao Tratado de Latrão. Assim lemos: Foi em Paris, em 1922, que o ministro italiano Orlando e Mons. Ceretti tiveram um primeiro intercâmbio concreto, que conduzirá aos Acordos do Latrão. Francesco Pacelli, irmão do futuro Pio XII (1939-1958), é um dos advogados da Santa Sé perante a Itália. O tratado territorial poderia ter sido muito mais vantajoso. Ao longo dos cento e dez encontros que prepararam os textos, Mussolini propôs uma extensão incomparavelmente maior do que os 44 hectares cercados pelos muros do Vaticano. Oferecia a Villa Borghese e um corredor até o mar (LEBEC, 1999, 25). Para o papa Pio XI (1922-1939) estava claro que resolver a

Questão Romana era mais do que marcar limites territoriais, era abandonar definitivamente o carácter bélico do romano pontífice. Pio XI (1922-1939), na linha de Leão XIII (1878-1903), quer um plano para o futuro. O papa concentrado exclusivamente em sua missão evangélica.

nos válidos argumentos jurídicos e sociais de um Organismo que tem perdurado durante muitos séculos (BALDISSERI, 2011, p. 26).

Aqui é preciso relativizar a postura do Núncio quando se apoia no argumento de que DVREHUDQLDGD,JUHMD&DWyOLFDµtem perdurado durante muitos séculRV¶. No cenário internacional, há soberanias que desaparecem de um século para outro. O mundo mudou bastante nos séculos XIX e XX e a Igreja precisava encontrar um lugar, inclusive geográfico para exercer sua missão e a territorialidade da Cidade do Vaticano codificada no Tratado de Latrão foi importante nesta descoberta de um novo lugar.

No documento Download/Open (páginas 99-101)