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4 A NECESSIDADE DE UM REGIME JURÍDICO DO TRABALHO ENCARCERADO

4.1 Constitucionalização do Direito

O termo “Constitucionalização do Direito” comporta diversos significados. Luís Roberto Barroso leciona que (2013, p. 473) a expressão pode significar um ordenamento jurídico no qual vigore uma Constituição dotada de supremacia; uma Constituição formal que incorpore em seu texto temas tradicionalmente tratados pelos ramos infraconstitucionais; ou, com mais profundidade, “um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico”.

A partir deste efeito expansivo, a validade e o significado de todas as normas infraconstitucionais ficam condicionadas ao respeito aos valores, princípios e regras revelados na Lei Fundamental.

Com constitucionalização do direito quer-se aqui fazer menção, em linhas gerais, que serão desenvolvidas no decorrer do trabalho, à irradiação dos efeitos das normas (ou valores) constitucionais aos outros ramos do direito.

Uma das consequências desse efeitos expansivo diz respeito à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, pelo qual tais direitos, apesar de historicamente previstos como forma de proteção do indivíduo em face do Estado, passam a produzir efeitos também nas relações entre particulares.

Não é essa a principal preocupação deste trabalho. O efeito expansivo da constitucionalização do direito também significa que, ainda que uma norma infraconstitucional não viole, à primeira vista, a Lei Fundamental, ela não será válida se estiver em desacordo com os princípios constitucionais.

Ademais, a Constitucionalização do Direito também repercute na esfera de atuação dos poderes estatais. Com isso, o Poder Legislativo recebe limitações na sua atuação típica de legislar, sendo impostos deveres de legislar a este Poder como forma de concretizar os programas constitucionais.

Ricardo Marcondes Martins (2010, p. 31) entende que esta restrição à discricionariedade do legislador é plenamente compatível com a democracia, representando nada mais do que a negativa da “existência de campos da política imunes ao Direito” e da “incompatibilidade entre a vinculação dos direitos fundamentais e a democracia”.

O Poder Judiciário também fica condicionado à Constitucionalização do Direito na medida em que recebeu a missão de controlar a constitucionalidade das normas, bem como interpretá-las de acordo com o disposto na Lei Maior.

De maior relevância é a condicionante imposta à atuação da Administração Pública, que, além de ter a sua discricionariedade limitada, recebe diversos deveres de atuação, como forma de concretizar o conteúdo da Constituição.

No Brasil, pode-se dizer que o marco da Constitucionalização do Direito foi a promulgação da Constituição de Outubro de 1988. A atual Constituição, em um movimento que Luís Roberto Barroso (2013, p. 478) chama de “constitucionalização das fontes do Direito”, incluiu em seus dispositivos formais diversos temas de direito infra constitucional dispondo sobre princípios e regras de Direito Administrativo, Civil, Penal, Processual, Tributário etc.

Mas a Constituição Cidadã foi além. Com ela, o constitucionalismo brasileiro transladou a Lei Fundamental para o centro do ordenamento jurídico. Assim, a Constituição deixou de ter apenas supremacia formal para também ser dotada de supremacia material, com evidente força normativa.

Sobre o tema, são preciosas as lições de Konrad Hesse (1991, p. 5):

A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social. Determinada pela realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relação a ela, não se pode definir como fundamental nem a pura normatividade, nem a simples eficácia das condições sócio-políticas e econômicas. A força condicionante da realidade e a normatividade da Constituição podem ser diferençadas; elas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou confundidas.

A força normativa da Constituição é elemento essencial da Constitucionalização do Direito. O que hoje é visto com naturalidade, representou, em realidade, uma quebra de paradigma. O centro do sistema jurídico (e, consequentemente, a rota de fuga da argumentação jurídica) classicamente se identificava com o Código Civil, que, nos dizeres de Luís Roberto Barroso (2013, p. 478), desempenhava “o papel de um direito geral, que precedeu muitas áreas de especialização, e que conferia certa unidade dogmática ao ordenamento”.

Passou-se, assim, à defesa da ideia de filtragem constitucional na interpretação e aplicação do Direito. Paulo Ricardo Schier64 ensina que esse

fenômeno implica a “atualização do direito infraconstitucional à luz da axiologia constitucional”, sintetizando da seguinte forma:

Por fim, especificamente em relação à adoção de um conceito de sistema constitucional pressuposto à idéia de filtragem constitucional, ainda se defendia a possibilidade de extração de importantes conseqüências no plano da dogmática constitucional. Em primeiro lugar, falando-se de uma unidade formal inerente ao sistema, teriam

64 SCHIER, Paulo Ricardo. Novos desafios da filtragem constitucional no momento do

neoconstitucionalismo. Disponível em:

<http://www.ebah.com.br/content/ABAAABfwoAA/filtragem-constitucional-clemerson-cleve>. Acesso em: 21 maio 2016.

os operadores do Direito que laborar na dogmática jurídica a partir da noção de unidade hierárquico-normativa da constituição, assumindo as conseqüências daí decorrentes (como a impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade de normas constitucionais, a não hierarquização dos princípios constitucionais etc.). Em seguida, seria necessário laborar-se a partir da idéia de unidade material, ou seja, unidade axiológica, unidade de sentido, de modo que não se poderia compreender um instituto qualquer do direito infraconstitucional a não ser sob a luz da constituição toda.

Assim, a leitura de qualquer norma infraconstitucional deve passar pela filtragem constitucional, ou seja, deve-se verificar a compatibilidade de tal norma com os valores insculpidos na Lei Fundamental.

Desta característica decorre o fato de que, ainda que uma norma infraconstitucional não viole diretamente a Lei Fundamental, ela não pode dispor em sentido contrário aos valores empregados na Constituição.

Exemplificando e já adentrando na discussão do presente capítulo, o já mencionado §2º do art. 28 da LEP diz que “o trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho”. Ora, a Constituição não diz que o trabalho encarcerado deve seguir as regras de uma Lei específica, como, por exemplo, a CLT. No entanto, a exclusão do trabalhador preso do regime de proteção celetista sem qualquer medida de compensação viola os princípios e valores constitucionais, não passando, por conseguinte, da filtragem constitucional.