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Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação A década de 1980 foi marcada pela deterioração social da

CAPÍTULO II REFORMA DO ESTADO: AS PROPOSTAS DE MODERNIZAÇÃO DA GESTÃO PÚBLICA E DA GESTÃO

2.3 GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA NOS DOCUMENTOS OFICIAIS BRASILEIROS

2.3.1 Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação A década de 1980 foi marcada pela deterioração social da

grande maioria da população brasileira, originando a miséria com o agravamento dos índices de pobreza, de falta de escolarização, de analfabetismo funcional, de desnutrição e de desemprego urbano, demonstrando que o desenvolvimento econômico do nosso país não possibilitou melhoria de qualidade de vida para a população, mas pelo contrário, foi um desenvolvimento excludente e perverso.

Esse período considerado de transição de um período de regime ditatorial para outro de normalidade democrática, consubstanciando-se com a promulgação da oitava Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988. A Constituição veio redefinir o papel do Estado em relação à sociedade brasileira como um todo. Em face dessa realidade, a Constituição teve como objetivo colocar-se diante das profundas mudanças ocorridas na economia, nas relações de poder e nas relações sociais globais, o que, de acordo com Neves (1994, p. 101), fez com que o Estado redefinisse alguns papéis e incorporasse a algumas instituições sociais segmentos historicamente marginalizados, sem contudo, caracterizar uma mudança nas relações sociais estabelecidas. Ou seja, o Estado assumiu o papel de “agente normativo regulador da atividade econômica”, ao mesmo tempo em que eram consideravelmente ampliadas suas funções sociais. Como funções sociais do Estado, a autora destaca os direitos trabalhistas e previdenciários, a educação, a saúde, o lazer, a segurança, a proteção à maternidade, à infância e a assistência aos desamparados.

Em termos históricos a Constituição representou, mais uma vez, uma conciliação das forças combatentes, o que, segundo Neves (1994), significou simultaneamente conservação e mudança, preservando aspectos determinantes dessas forças sociais. Mas o que se deve ressaltar é que essa Constituição, como afirma Leite e Di Giorgi (2008, p. 15) “[...] traz como elemento marcante a presença do povo e a valorização da cidadania e da soberania popular, e foi, ao longo do tempo, modificando-se através de Emendas Constitucionais. Comparada às outras Constituições, apresenta o mais longo capítulo sobre educação. No que tange à gestão da escola o primeiro marco normativo que definiu a gestão democrática da escola pública no Brasil foi instituído um pouco antes da posse do Presidente Fernando Affonso

Collor de Mello (1990-1992), pelo seu antecessor José Sarney de Araújo Costa (1985-1990) com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Foi a partir desse momento a organização escolar ganhou um novo perfil – destituída dos princípios da administração, passou a reger a escola com base nos princípios da Gestão – que anunciava naquele momento um caráter mais democrático para o processo. Este encaminhamento aparece no Capítulo III do Título VIII (da Ordem Social) que trata da Educação, da Cultura e do Desporto – e especificamente da Seção I Da Educação; Art. 206, que estabelece: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios […] VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei” (BRASIL, 1988, p. 142).

Neste período (1980 a 1990) os movimentos populares intensificaram-se e lutaram contra os problemas sociais e de interesse da maioria da população e, de certa forma, de acordo com Neves (1994), fizeram-se presentes nessa Constituição com um título exclusivo para a ordem social, em separado da ordem econômica, alargando assim os instrumentos da democracia clássica. Segundo Carreira e Pinto (2007, p. 21), tem início nesse período, [...] a transposição da lógica de mercado para a área social, estimulando a competição entre escolas; a remuneração de professores e professoras por resultados; a famílias como “consumidoras” ou “clientes”.

Entram em cena os grandes sistemas de avaliação, baseados em testes padronizados que não consideram o contexto das escolas. O produto agora é o principal (notas em exames padronizados, alunos aprovados no vestibular, fluxo escolar), e os cálculos são feitos com base no custo versus retorno econômico, tendo como referência os postulados da Teoria do Capital Humano disseminados pelos técnicos do Banco Mundial. Nessa concepção, os direitos sociais perdem força, pois a política do Banco Mundial induz ao encolhimento do Estado brasileiro e a transferência dos serviços sociais, dentre eles os educacionais, para o setor privado. A educação pretendida é a que estabelece uma relação direta com o mercado de trabalho. Por conseguinte, na década de 1990, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) – LDB, que regulamenta o sistema educacional brasileiro (público e privado) reuniu elementos para reforçar o que estava previsto na Constituição de 1988, e com o mesmo objetivo, assegura em seu texto o “princípio da Gestão Democrática do Ensino Público”. Isto representou um grande avanço para a gestão democrática da educação e também para a gestão democrática da escola. Uma vez promulgada, contemplou em seus

artigos 14 e 15 os princípios norteadores da gestão democrática, nestes termos:

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público. O art. 15 contempla o princípio da autonomia delegada, pois esta lei decreta a gestão democrática com seus princípios vagos, no sentido de que não estabelece diretrizes bem definidas para delinear a gestão democrática, apenas aponta o lógico, a participação de todos os envolvidos78” (BRASIL, 1996).

Para Chauí (1989), as incursões do Banco Mundial e os pressupostos teóricos da LDB no plano político brasileiro tiveram pretensões objetivas e interferências significativas no plano da participação popular na gestão do que é entendido como “público”. Segundo a autora, “as demandas participativas do Banco Mundial e da nova LDB estão mais atreladas à concepção tecnocrata [...]” usam de um discurso de autonomia para depositar no sentimento do povo uma ideia de busca pela autogestão “[...] na produção e como modelo de gestão descentralizada para vencer a crise da centralização burocrática, com o planejamento “democrático”, incentivando a participação dos executantes. Contudo, a aprovação das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, redirecionou o foco e os encaminhamentos dados às formas de organização e gestão, o que desencadeou propostas de implementação de gestão democrática nas escolas públicas e de processos de participação da comunidade local e escolar. A indicação nos documentos oficiais é de que havia substancialmente a necessidade efetiva da gestão escolar acontecer por meio de processos coletivos envolvendo a 78Grifos nossos.

participação. Pressupondo dai a garantia de um processo democrático na gestão.

A partir do momento em que a “gestão democrática” passou a constar formalmente na legislação e foi colocada como um dos princípios constitucionais do ensino público (segundo Art. 206º da Constituição Federal de 1988) passou também, e ser contemplada na maioria dos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas. Essas sinalizações foram decisivas nas mudanças das políticas educacionais. No entanto, todos esses encaminhamentos em forma de registros não garantiram (e ainda hoje não garantem) a legitimação na concretude de uma gestão democrática na escola79.

Para que essas políticas de democratização da gestão escolar sejam efetivadas, é preciso ter claro que uma lei ou uma norma somente será sustentada se ela estiver na intencionalidade das ações. Se ela se materializar na consciência e na prática dos sujeitos envolvidos. E mais que isso, que esses sujeitos estejam livres de amarras, de sistemas que os oprimem e exploram. O que coloca em xeque a possibilidade de uma escola vir a ser plenamente democrática – porque a questão está na (im)possibilidade real, material, da escola vir a ter uma gestão democrática nesta forma de sociabilidade onde o capital é quem comanda as regras e controla o poder.