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1. Rangel, Sonia, 1948 Crítica e interpretação 2 Criação (Literária, artística, etc.) 3 Poesia

2.7 A CONSTRUÇÃO DOS BONECOS

Tomando a ideia de periferia do mundo e tendo a imagem do Nordeste como referência, dois bonecos foram confeccionados. Para tanto, um morador de rua serviu de inspiração para a construção da personagem do cego, que ganhou um tom de pele mais escura. Para a confecção do boneco cadeirante, a inspiração veio da consulta a imagens de modelos com anorexia, expondo um corpo esguio e ossos salientes.

As partes componentes dos corpos dos bonecos foram moldadas primeiramente em argila. Depois de seca, a argila foi recoberta por papel alumínio e, finalmente, foi revestida utilizando a técnica da papietagem. Após a secagem, as peças foram recortadas para retirar a argila, substituída por uma fibra leve, de miriti, uma palmeira originaria do estado do Pará, região norte do Brasil.

Figura 14 Rosto do boneco moldado em argila.

Figura 15 Técnica de papietagem sobre o molde de argila.

Para as articulações dos bonecos, três materiais diferentes foram utilizados: madeira, tecido e elástico. A madeira foi utilizada na confecção das dobras dos joelhos e cotovelos, permitindo que os bonecos pudessem manter a postura retilínea das pernas e dos braços.

Figura 17 Peça em madeira, articulações dos joelhos e cotovelos dos bonecos. Figura 18 Peça para as articulações dos bonecos.

Figura 19 Peças montadas.

Para as articulações de pescoço, ombros, pulsos, coxas e calcanhares, foram utilizados pedaços de tecido ou lona, colados à madeira de miriti presente no interior das partes de cada boneco.

Para criar o movimento de cintura e, ao mesmo tempo, manter o eixo do corpo dos bonecos em cena, eles foram divididos em duas partes pela cintura, ganharam uma placa de madeira em cada extremidade que foi unida por elásticos.

Figura 21 Elásticos e placa de madeira no interior dos bonecos (cintura).

Figura 22 Elásticos e placa de madeira no interior dos bonecos (divisão entre cintura e quadril).

Após estudos de textos do dramaturgo Irlandês Samuel Beckett, foi verificado que, muitas vezes, o autor faz uso da palavra para expressar a inabilidade de comunicação das personagens. A esse respeito, é possível citar Celso de Araújo Oliveira JR. (2005), que se aproxima da noção de estupor como a impossibilidade de reprodução de fluxo narrativo, para aferir que Beckett coloca seus personagens em estado de letargia e inércia, inaptos e sujeitos ao eterno retorno. Para Luiz Marfuz (2013), Beckett fala da inutilidade da linguagem para exprimir uma opção artística: “Ele se aproxima dos abismos para investir contra a linguagem afirmando-a e negando-a, em uma sucessão de autocancelamentos na qual a justaposição entre o caos e a ordem torna-se elemento de sua poética.” (p. 02).

Partindo deste pressuposto, foi decidido que os personagens-bonecos seriam confeccionados sem a presença da boca. Diante disso, ficou definido que os olhos dos personagens-bonecos deveriam apresentar mais expressividade. Para tanto, foi necessário torná-los móveis, inclusive as pálpebras. Para tornar os olhos

móveis, a cabeça foi confeccionada com a técnica da papietagem sobre um molde de argila, tornando-se oca, para permitir a instalação do mecanismo que auxiliaria no movimento dos olhos e das pálpebras.

O mecanismo de articulação dos olhos e pálpebras foi confeccionado com o auxílio do artista plástico Lico Ferreira, que trabalha com a técnica de serralheria.

Para a confecção dos globos oculares, foram utilizadas esferas de madeira; para as pálpebras, foram empregadas ligas metálicas de latão (cobre e zinco). Devido à dimensão das cabeças dos bonecos, de 11 cm de altura por sete cm de largura, foi instalado um extensor para fora da cabeça do boneco, que auxiliava na movimentação dos olhos e das pálpebras pelo ator-manipulador.

Para auxiliar no movimento de piscar os olhos, foi instalado um fio de nylon que, ligado a um peso, ao ser puxado, movimentava os olhos e as pálpebras do boneco e, quando solto, os olhos e pálpebras voltavam ao estado de origem, com o boneco de olhos abertos. Esse mecanismo emperrava algumas vezes e, para resolver o problema, o peso foi substituído por outro fio de nylon, a ser controlado também pelo ator-manipulador.

Figura 23 Cabeça, protótipo para o estudo do mecanismo de movimento dos olhos e pálpebras.

Terminada a confecção de todas as partes dos bonecos, foi necessária a inserção dos extensores que auxiliariam na manipulação direta dos bonecos. Seis extensores foram utilizados no boneco cego, em cada mão e nos pés, na cabeça e na parte superior das costas do boneco; o segundo boneco, por estar em uma cadeira de rodas, foi dispensado dos extensores dos pés.

Todas as partes dos bonecos receberam um tratamento com anticupim, com o intuito de preservar as partes de madeira da infestação desses insetos. Com todas as peças secas, iniciou-se a fase de junção, fechamento e montagem definitiva dos

bonecos. Materiais com isopor foram usados para enchimentos, massa plástica e mais papietagem foram utilizadas para dar liga, sustentabilidade e durabilidade às peças nessa última fase de confecção.

Assumindo a temática regionalista, os bonecos foram pintados com uma paleta de cores num tom de pele mais escuro, ressaltando a influência do sol nordestino sobre a pele de seu povo, como também a influência genética resultante da fusão de indígenas, africanos, mouros e portugueses. No final, receberam uma demão de verniz fosco para diminuir a luminosidade das peças.

Adotamos o caminho de buscar uma acepção “ampla” de periferia, inspirada e evocada como Nordeste, em sua secura e pobreza, ou como um lugar periférico da América Latina, assim, o tratamento destes personagens, inclusive, o nome “Neca”, que foi escolhido entre muitas sugestões, era, em duas sílabas, ritmicamente parecido com o original, e mantinha essa ideia do “resto”, do “fragmento”, esse quase nada, esse “neca” de gente. Essas acepções para interpretação do tempo-espaço-lugar-personagens foram discutidas longamente e socializadas em grupo, o que deu suporte ao aspecto físico, a forma, a aparência, a cor, a luz, as imagens criadas e adotadas na cena. A repetição que adotamos na composição dramatúrgica da cena já faz parte da estética fragmentária do teatro do absurdo. (Informação verbal ).8