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A construção de conhecimentos sobre o agroecossistema O método aqui proposto para abordar o agroecossistema – o

nosso objeto de estudo – parte da constatação de que as teorias eco- nômica, sociológica e agronômica que fundamentam o projeto de modernização agrícola contradizem largamente os fenômenos so- ciais e ambientais relacionados ao desenvolvimento da agricultura e do mundo rural em geral. Podemos dizer que são teorias que proje- tam mais sombra do que luz sobre a realidade. Não obstante, essas mesmas teorias permanecem exercendo grande influência sobre a organização e a orientação de instituições públicas que incidem di- reta ou indiretamente sobre as dinâmicas de desenvolvimento agrí- cola e agrário, com reflexos amplamente negativos para a natureza e para a sociedade.

O objetivo central do método é lançar novas luzes sobre os pro- cessos de desenvolvimento rural e as formas de organização dos sistemas agroalimentares, dando visibilidade a um conjunto expres- sivo de fatores e relações deixadas à sombra pelas teorias científicas dominantes e pela cultura patriarcalista que estrutura as relações de poder na sociedade. Desse ponto de vista, seu emprego no estudo de agroecossistemas contribuirá para revelar contradições entre a teoria da modernização agrícola e os resultados práticos de sua apli- cação em diferentes contextos. Por outro lado, contribuirá para dar

visibilidade a efeitos positivos de trajetórias de desenvolvimento de agroecossistemas orientadas segundo o paradigma agroecológico.

Ao tomar como referência os fundamentos teórico-conceituais an- tes apresentados, o método articula um conjunto de procedimentos para obtenção e análise de informações e dados sobre os agroecossis- temas. Além de determinar o universo de informações a ser levantado a campo, o método propõe um ordenamento específico para relacioná-los de forma coerente com as perspectivas da economia ecológica, da economia política e da economia feminista.

Ao contrário da teoria econômica convencional, que aborda o mun- do social e o mundo natural como sistemas mecanicistas explicados e manipulados a partir de relações causais lineares36 e politicamen- te neutras, essas perspectivas críticas da ciência econômica partem da compreensão da complexidade envolvida no funcionamento da socie- dade e da natureza e, sobretudo, da relação orgânica entre sociedade e natureza.37 Consideram igualmente a influência nas relações de poder entre classes sociais e entre gêneros na organização do trabalho e na distribuição da riqueza socialmente produzida.

Como resultado da interação dinâmica entre o mundo social e o mundo natural, o agroecossistema é apreendido como um ecossis- tema cultivado, socialmente gerido. Seu desenvolvimento no espaço e no tempo resulta de processos de coprodução entre a natureza viva e o trabalho humano, sendo este último diretamente condicionado pelas relações sociais vigentes. Trata-se, portanto, de um sistema eco-

36 A simplicidade do tratamento estatístico, tendo a amostragem ao acaso e a estimativa de médias e variância como

enfoque principal na pesquisa científica, dirige o processo mental para indicadores predeterminados, fazendo com que sejam desconsiderados fatores imprevistos, mas sempre presentes nas complexas relações ecológicas e socioeconômicas no agroecossistema. Essa perspectiva simplificadora do processo analítico leva à perda de abrangente acervo de dados e informações essenciais para o entendimento do agroecossistema (PETERSEN; SILVEIRA, 1999).

37 Elaborações teóricas mais recentes ligadas a essas correntes de pensamento crítico insistem na necessidade da superação

do dualismo cartesiano responsável pela segregação analítica entre sociedade e natureza, chamando a atenção para o fato de as relações do capital, do trabalho e de poder se moverem através da natureza e não ao seu redor (MOORE, 2012).

sociológico (RESENDE, 1997). Para abordar esse complexo multi- variável, complexo e de difícil sistematização, o método toma como referência duas ideias básicas do pensamento sistêmico aplicado à Ecologia (ODUM, 1988):

1) As propriedades do todo não podem ser reduzidas à soma das partes. Quando as partes interagem entre si, geram processos de auto- -organização sistêmica (propriedades emergentes) não previstas a partir do estudo dos componentes isoladamente.

2) Não é necessário o conhecimento prévio de todas as partes para que o todo seja compreendido.

A combinação desses dois enunciados em um processo lógico de produção de conhecimentos exige a compreensão simultânea da es- trutura do agroecossistema e de seus processos funcionais. Para dar conta desse desafio, a elaboração de modelos38 tem sido um instru- mento metodológico utilizado na Ecologia. Os modelos permitem o entendimento da complexidade de um objeto porque produzem uma representação simplificada de suas propriedades. Essa simplificação se faz por meio da seleção de componentes e processos particulares, mas determinantes na explicação do conjunto. Por meio da elaboração de modelos, torna-se possível passar de um rol de informações genéricas e dispersas sobre os agroecossistemas para uma estrutura conceitual na qual as informações são condensadas e ordenadas de forma coerente.

Sendo por natureza parciais e simplificadores, os modelos podem ser permanentemente aprimorados e refinados com base na verifi- cação de novos aspectos relacionados à estrutura e ao funcionamento dos agroecossistemas. O grau de envolvimento subjetivo é de tal or-

38 Na linguagem cotidiana o termo modelo tem ao menos três acepções. Como substantivo, o modelo implica uma repre-

sentação; como adjetivo, implica um ideal; como verbo, modelar significa demonstrar. No uso científico os três significados são incorporados. Na construção de modelos, criamos uma representação idealizada da realidade a fim de demonstrar algumas de suas propriedades (SANTOS, 1996). Como produtos conscientes de um distanciamento em relação à reali- dade, os modelos permitem a volta à realidade através de questionamentos e indagações indefinidamente renováveis (BOURDIEU e outros, 1999).

dem e o método tão empírico que não deve deixar dúvidas quanto à provisoriedade das análises realizadas a partir dessa abordagem de construção do conhecimento.

Um método de construção coletiva de conhecimentos