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Construção de Belo Horizonte e Histórico de Transformações da Paisagem

3. ANÁLISE HISTÓRICA, POLÍTICA E GEOGRÁFICA DE BELO HORIZONTE

3.2. Construção de Belo Horizonte e Histórico de Transformações da Paisagem

Belo Horizonte foi desenhada para uma população de 200.000 habitantes. Entretanto, foi inaugurada, em 1897, com apenas 11.252 habitantes e experimentou, ao longo de sua história, um constante “ultrapassar das projeções”, o que teve implicações, inclusive, nos diversos planos de saneamento básico (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1997). O rápido crescimento populacional e da malha urbana, já

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nas primeiras décadas de sua existência, gerou uma constante corrida do poder público no sentido de suprir os diversos serviços e infraestruturas demandadas (MESQUITA, 2010).

Esse crescimento urbano e populacional, em partes, é associado ao fortalecimento da indústria na região metropolitana de BH e obrigou os gestores públicos a providenciarem intervenções estruturais em caráter emergencial. O trânsito foi se tornando caótico com o passar dos anos e diversos fatores levaram ao crescimento das ocupações irregulares e com infraestrutura precária. O plano proposto para Belo Horizonte é considerado, desde sua origem, segregacionista e em virtude disso o déficit de infraestruturas foi maior, também, nas periferias da cidade. Dessa maneira, o atendimento a essas carências sempre ocorreram depois da consolidação da ocupação, o que gerou “quadros de situações caóticas, como acúmulo de lixo e derramamento de efluentes e vias públicas e córregos da cidade” (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1997, p. 278).

Diante desse contexto crítico, os gestores públicos iniciaram uma série de intervenções emergenciais para sanar os problemas, mas sem atuar sobre a causa dos mesmos, a exemplo do Prefeito Souza Lima (1967-1971) que considerou a canalização dos cursos d’água como a solução mais eficaz para a crise do saneamento em BH. E, mesmo em época que a Europa preconizava a despoluição dos cursos d’água e a conscientização do uso da água, valorizando a importância histórica dos canais na formação das cidades, Belo Horizonte andou na contramão dessa tendência (MESQUITA, 2010). Nesse momento, iniciou-se um processo que levou à criação de uma política de canalização, retificação e fechamento dos cursos d’água na cidade, alterando definitivamente a paisagem sob o argumento de mobilidade urbana e higienização.

Essas alterações não afetaram apenas os cursos d’água do município. A cobertura vegetal da cidade, historicamente, também foi suprimida para viabilizar processos de expansão urbana e tentativa de melhoria da mobilidade. O projeto inicial de arborização de Belo Horizonte foi proposto com espécies floríferas e, principalmente, frutíferas, como o exemplo dos fícus presentes na Avenida Afonso Pena, as mangueiras da Avenida Alfredo Balena, jenipapos na Praça da Estação. Caju, Araticum, Mangaba, Cagaiteira, Jatobá, Gabiroba e Araçá também eram encontrados na capital (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 1992).

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A grande presença de árvores e jardins fez com que a cidade ficasse conhecida como “Cidade Jardim” em seus primeiros anos de existência. Entretanto, ao longo dos anos observa-se que houve um corte sistemático de árvores para abertura de novos loteamentos, implantação de edificações e infraestrutura urbana em geral o que promoveu a redução das áreas verdes e dos espaços livres de edificações disponíveis no município. Ou seja, houve uma significativa perda das características naturais da região e uma grande perda no montante das áreas verdes, restando, atualmente, poucos fragmentos remanescentes com significativa massa vegetal de porte arbóreo.

No percurso histórico do município, podem-se citar vários fatos que registram os processos de alteração da paisagem por intervenção antrópica. Dentre eles apresentam-se dois momentos marcantes no tocante à perda da cobertura vegetal no município. O primeiro deles remonta ao período de fundação da cidade. O Plano de Construção da Nova Capital, proposto pela equipe de Aarão Reis, previa um total de 952.651 m² de áreas verdes preservadas. Além disso, era previsto um cinturão externo destinado a chácaras e sítios que, aliado à arborização viária, salientaria, ainda mais, as qualidades ambientais da nova Capital de Minas. Contudo, de acordo com Fonseca (1997, p. 34) “das 17 áreas previstas, apenas seis foram implantadas nos primeiros anos da urbanização da cidade e algumas com áreas reduzidas” em relação ao projeto original. Conforme com os dados organizados pela autora, do montante inicial de áreas verdes previstas no plano original, apenas 248.566m² (~26,1% do total) foram criados naquela época. Os outros espaços não chegaram a ser implantados ou foram sendo gradativamente ocupados por outros tipos de uso, no decorrer do processo de urbanização. De acordo com a autora:

Aos poucos Belo Horizonte – a ‘Cidade Jardim’ – foi cedendo espaço aos edifícios altos. Desde a década de 50, os prefeitos vinham procurando elaborar planos de urbanização, buscando soluções para os problemas decorrentes do tráfego intenso de automóveis. Neles incluíram a derrubada de dezenas de árvores centrais das principais avenidas e ruas da cidade, sob o argumento de que o alargamento das suas pistas facilitaria o já conturbado tráfego de veículos e daria melhores condições ao cidadão urbano (FONSECA, 1997, p. 28).

Outro momento historicamente marcante no que concerne à supressão de vegetação na capital ocorreu na década de 1960, quando os fícus que compunham a paisagem da Avenida Afonso Pena e adjacências foram cortados para ampliação viária. “Os fícus sucumbiram vítimas de uma visão míope de desenvolvimento

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urbano que edificava um altar para o automóvel à custa da qualidade ambiental. Assim, perdeu a cidade a sua maior identidade” (op.cit., p. 82). Tal fato causou profunda indignação a alguns moradores da capital, como ao ilustre Carlos Drummond de Andrade que registrou, em 1964, seu protesto contra o descuido dos administradores públicos para com o patrimônio vegetal do município da seguinte maneira:

Em meu repertório de imagens queridas, a Avenida Afonso Pena continuará sendo aquela massa de verdura que, do alto, separava a cidade em duas partes e, cá embaixo, era túnel sem angústia do túnel (...) Ora, fabricação de ruínas não sugere festas. E como isso de acabar com árvore na capital mineira parece uma constante das administrações, pois não é de hoje que ouço falar na guerra dos prefeitos contra o patrimônio vegetal legado pelos que fizeram do Curral d’El Rey uma cidade com cara própria e gentil, com jeito pessoal de cidade (um jeito tão chamativo e repousante ao mesmo tempo), eu lhe pergunto: que aniversário vamos comemorar, o da antiga Belo Horizonte, doçura dos olhos, com suas figueiras amoráveis, ou da árida pista de trânsito, igual a milhares de outras neste vasto Nordeste que é hoje o Brasil de Norte a Sul? Nenhum (ANDRADE, Carlos Drummond, 1964. Disponível em <http://www.descubraminas.com.br/> Acesso em 12 abr. 2012).

O que se percebe nessas passagens é que o processo de transformação urbana ocorrido nesse período de pouco mais de 100 anos em Belo Horizonte não seguiu as tendências contemporâneas de planejamento que consideram os espaços verdes como parte integrante da paisagem urbana. Conforme apresentado nos trabalhos de Macedo (1999), Ahern (1995), Falcón (2007) e outros, esses espaços quando projetados dentro da malha urbana podem assumir “funções” sociais, ambientais ou estéticas. Mas, independentemente da funcionalidade associada ao mesmo, considera-se consensual a noção de que a manutenção dos mesmos em quantidade proporcional à população e ao tamanho da cidade gera benefícios para o ambiente urbano.

Analisando o histórico de ocupação e crescimento urbano e populacional de Belo Horizonte e Região nota-se, nitidamente, que os espaços verdes sucumbiram aos problemas de ordem infraestrutural, que podem traduzir falhas da gestão pública no tocante ao patrimônio natural. Essas perdas estão materializadas na atual escassez de espaços verdes disponíveis, sobretudo aqueles de uso público, que por

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sua vez dão lugar a uma extensa e monótona mancha de urbanização que já ultrapassou em muito os limites políticos-administrativos do município10.

Portanto, é necessário conhecer as características da paisagem a qual se trata para que sejam propostas soluções viáveis para essa carência. Uma das possibilidades é a conservação dos remanescentes de vegetação e, a partir de suas características físicas e de sua localização, propor usos que contribuam para manutenção da qualidade ambiental aliada com a possibilidade de uso pela população. Nesse sentido, destaca-se a utilização das métricas para análise da paisagem, pois possibilitam uma avaliação estrutural da mesma tanto a partir da espacialização dos dados em mapas, quanto na utilização dos valores quantitativos de cobertura vegetal do solo.

Vários estudos já foram elaborados na capital no intuito de apresentar dados científicos que comprovem essas observações. Além daqueles já referenciados, destaca-se que trabalhos como o de Guimarães (2010) que, a partir de análise de imagens de satélite do ano de 1986 e de 2010, comprovam que houve uma redução da cobertura vegetal no município na ordem de 30% no período – 117,32km² de área vegetada em 1986 contra 82,95km² de área vegetada em 2010. Além desses, trabalhos como de Brandão (1992); Brandão; Araújo (1992); Kamino (2002); Schimidt (2007), Jacobi; Carmo (2008); Félix (2009); Oliveira (2010); Mesquita (2010); Bomtempo et. al (2012); Simão (2012), dentre outros, são consensuais ao afirmar a importância da preservação dos recursos naturais remanescentes na região e, também, da necessidade de ações no sentido da conservação dos espaços verdes, dos espaços livres e da adoção de um planejamento integrado desses espaços para melhoria do ambiente urbano.

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Para uma clara compreensão dos processos de expansão metropolitana em Belo Horizonte, bem como das atuais ações para o planejamento urbano e ambiental em escala metropolitana, recomenda-se a leitura dos Volumes 1, 4 e 5 do relatório final do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ver:

MINAS GERAIS, SEGEM – Secretaria Extraordinária de Gestão Metropolitana. UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais, PDDI-RMBH - Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Belo Horizonte: SEGEM. 2011, 281 p., v.1. Disponível em: <http://www.rmbh.org.br/>.

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3.2.1. Espaços Verdes Planejados

O histórico do crescimento urbano e das ocupações em Belo Horizonte nos mostra que há uma forte tendência de supressão da vegetação em detrimento à construção de novas edificações. Entretanto é preciso destacar que houve algumas iniciativas importantes no sentido da construção e conservação de espaços verdes e áreas verdes no município. Dentre elas cita-se a criação e conservação dos diversos parques municipais que, atualmente, são geridos pela Fundação de Parques Municipais (FPM), que administra em torno de 70 parques urbanos, cemitérios e Centros de Vivência Agroecológica (CEVAE).

Além desses, é importante frisar o Plano de Urbanização da Pampulha, que pode ser considerado como a principal intervenção paisagística na história do município que valorizou a manutenção de espaços livres e áreas verdes no planejamento das edificações. Os resultados da análise realizada por métricas de paisagem neste estudo mostram a região da Pampulha como uma imensa massa de área vegetada de porte rasteiro que traduz o padrão das edificações e a disponibilidade de áreas verdes livres de edificações.

Pensada inicialmente para ser ocupada por pequenos agricultores no entorno de uma represa para fornecimento de água, a Pampulha foi transformada em uma grande área de lazer. O descuido com os mananciais de abastecimento da represa e com a ocupação dos vales dos córregos alimentadores, transformaram os canais e o reservatório em esgoto a céu aberto. Assim, a administração de Juscelino Kubitscheck (1940-1945) retomou o projeto de Otacílio Negrão (de 1935) e investiu na criação de um complexo paisagístico destinado ao lazer, focando na recuperação da imagem de Belo Horizonte como uma cidade moderna.

O lago artificial tornou-se o cenário para construção de casarões de luxo e casas de diversões, moldadas pela arquitetura de Oscar Niemeyer e da contribuição de outros artistas, como Portinari, Burle Marx, Ceschiatti, Paulo Werneck (Figuras 16 e 17). Em 1942 o conjunto arquitetônico e paisagístico da Pampulha se tornou marco da arquitetura moderna no Brasil e referência dessa arquitetura em todo o mundo (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1997).

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Figura 16: Museu de Arte da Pampulha

Disponível em: http://leonardocoelho.blogspot.com.br/2011/04/museu-de-arte-e-casa-do-baile- pampulha.html. Acesso em 07 dez. 2012

Figura 17: Lagoa da Pampulha

Disponível em:

http://www.cmbh.mg.gov.br/sites/default/files/imagecache/LightBox/imagens/destaques/pampulha.jpg. Acesso em 07 dez. 2012

O Plano de Urbanização da Pampulha impulsionou a ocupação da região norte do município que foi favorecido, também, pela criação de novas vias de ligação, como a Avenida Antônio Carlos. Esse processo de adensamento da ocupação resultou na supressão de grande massa vegetal no município, na abertura de vias e loteamentos, reforçando sobremaneira a importância da região do entorno da lagoa da Pampulha como área verde destinada ao lazer.

A estruturação da paisagem na região da Pampulha é marcada por uma grande concentração de vegetação, com o predomínio do estrato rasteiro, que são

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as gramíneas dos quintais dos casarões, localizadas na orla da lagoa, nas praças, nos sítios, nos clubes e parques ali presentes. Esse tipo de configuração é passível de ser interpretado com auxílio de imagens de satélite e caracterizado a partir de sua morfologia, por meio das métricas de paisagem. Essas áreas apresentam morfologia específica que são próprias de áreas com maior disponibilidade de espaços livres de edificações, predominantemente cobertos por vegetação, comuns em áreas residenciais de alto padrão e que receberam algum tipo de ação de paisagismo. Assim, a forma da dispersão e a quantidade de vegetação na região da Pampulha podem ser analisadas como uma referência para interpretação das métricas de paisagem sobre os fragmentos de vegetação existentes no município.

3.3. Leis e Instituições Ligadas ao Planejamento e à Conservação dos