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Construção de um fluxograma de atuação em situações de suspeita de

4. IMPLEMENTAÇÃO DAS ATIVIDADES E ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.2. Desenvolvimento de competências das equipas de enfermagem e sensibilização

4.2.7. Construção de um fluxograma de atuação em situações de suspeita de

Partindo do conhecimento adquirido através da revisão scoping, das reuniões com diferentes parceiros da comunidade (nomeadamente PSP e diretoras das IPSS) e dos momentos de discussão na equipa interdisciplinar da ECCI/ECSCP, foi construído um fluxograma de atuação em situações de suspeita de violência doméstica contra a pes- soa idosa (Apêndice XXVI). Foi seu objetivo espelhar as diretivas gerais preconizadas pela DGS, após a realização das necessárias adaptações inerentes ao contexto co- munitário ao qual se destinava, de acordo com o proposto pela DGS (2016), indo ao encontro das boas práticas internacionais relativamente à problemática da violência contra a PI (Perel-Levin, 2008; Phelan, 2010; Caceres & Fulmer, 2016).

A elaboração deste fluxograma foi, desde o início, identificada como uma neces- sidade desta equipa. Por um lado, porque não basta rastrear, é também necessário estar preparado para intervir quando se deteta um caso de suspeita de violência

(Perel-Levin, 2008), e, por outro, porque o fluxograma de atuação geral proposto pela DGS (2016) não estava adaptado à realidade da PI.

Seguindo o referencial técnico de violência interpessoal proposto pela DGS (2016), estabeleceram-se no fluxograma diferentes etapas: Rastreio; Deteção / Avali- ação; Hipótese de diagnóstico; Registo; Atuação; Sinalização. Os registos foram con- siderados como fazendo parte de uma etapa transversal a todo o processo de inter- venção, dado que estes poderão servir de meio de prova no caso de processo judicial.

Para a fase RASTREAR, tendo em conta o trabalho que já era realizado pela equi- pa, nomeadamente a avaliação inicial que realizavam aquando da primeira visita, promoveu-se a reflexão em conjunto sobre o modo como seria ou não exequível ras- trear as situações de violência. Preconizou-se que no primeiro contacto os enfermei- ros identificassem a presença de fatores de risco e/ou observassem a presença dos sinais e sintomas sugestivos de violência, e/ou sinais subjetivos de violência (Cohen, Levin, Gagin & Friedman, 2007; Cohen, 2013), e complementassem com algumas questões de abordagem geral (Gonçalves, 2006). A complementaridade das avalia- ções efetuadas permite rastrear de forma mais eficaz as situações de violência (Cohen et al., 2007).

Para a fase DETETAR/AVALIAR, partindo do que já estava instituído no serviço, pen- sou-se no que poderia ser acrescentado de forma a obter uma avaliação mais abran- gente e pertinente, tendo em conta a complexidade do fenómeno da violência. Uma vez que a identificação dos sinais de alerta não traça por si só o diagnóstico de violên- cia (DGS, 2016) mas obriga a indagar e a procurar mais informação, nesta fase reco- menda-se uma avaliação mais aprofundada nas diferentes dimensões da pessoa: físi- ca, psicológica, social, espiritual (avaliação multidimensional), realizada através da observação física mais detalhada, entrevista (à PI e ao cuidador em separado) e da aplicação de vários instrumentos de avaliação entre os quais de avaliação de risco de violência. O Modelo de Parceria (Gomes, 2009, 2013), que investe no conhecimento recíproco enfermeiro/PI, apresenta-se como um importante modelo de intervenção nestes contextos de suspeita, uma vez que preconiza a escuta da narrativa, que é geradora da relação empática (Gomes, 2013). Constitui, por isso, uma mais-valia, na medida em que, através da relação de proximidade em que a PI se sente valorizada, apoiada, sendo assim possível um rastreio e uma avaliação mais eficaz.

A avaliação multidimensional, preconizada como essencial nesta fase, permite clarificar a existência de violência e identificar os recursos internos e externos da PI (APAV, 2010; South West Regional Elder Abuse Network [SWREAN], 2011). Em

determinadas tipologias mais subtis de violência, como é o caso da negligência e da violência psicológica, ela pode ser essencial (Paixão Jr. & Reichenheim, 2006). Sempre que possível, a avaliação multidimensional pode e deve ser realizada pela equipa multidisciplinar (Gonçalves, 2006). Esta cooperação multiprofissional permite uma conjugação de saberes e de domínios de intervenção essenciais para a recolha de provas de prática de crime e adoção de medidas que garantam a segurança e a proteção das PI enquanto vítimas (Fernandes & Carvalhas, 2016; Anetzberger, 2017), contribuindo, não só para um cuidado integral e holístico, mas permitindo também a partilha das responsabilidades (DGS, 2016). É necessário, no entanto, ter em conta que neste processo de avaliação a presença de determinadas doenças crónicas mimetiza indícios de violência (Paixão & Reichenheim, 2006; Santos & Viei- ra, 2014; Mosqueda & O’Toole, 2016), como exponho no apêndice XXX.

De acordo com a evidência disponível, o instrumento EAI é uma opção válida para a avaliação de risco de violência, por ser breve e de fácil aplicação, estando recomen- dado para ambientes clínicos e da comunidade, permitindo também a avaliação da PI sem competência cognitiva (Fulmer, Guadagno, Bitondo Dyer & Connolly, 2004). Por outro lado, está devidamente traduzido e validado para a população portuguesa por Fernandes & Gonçalves (2015).

Para a fase HIPÓTESE DE DIAGNÓSTICO, a DGS (2016) afirma a necessidade de o profissional, “após avaliação global da situação, fundamentada na observação da atitude da vítima, entrevista clínica, dados disponíveis e, quando necessário, no exame físico, (…) colocar hipóteses de diagnóstico de forma a decidir qual o melhor plano de intervenção a seguir” (DGS, 2016, p. 181). Deste modo, em função da ava- liação realizada à PI, preconizou-se a definição de um plano de intervenção, de acordo com quatro possíveis cenários: PI com capacidade cognitiva, que não reco- nhece e/ou não aceita; PI com capacidade cognitiva, que reconhece e aceita inter- venção; PI sem capacidade cognitiva em risco; PI com perigo iminente.

Para a fase ATUAR, tendo em conta as hipóteses de diagnóstico, para cada uma das situações foram propostas atuações específicas, a ser implementadas de forma flexível, de preferência pela equipa interdisciplinar (Phelan, 2010; Lachs & Pillemer, 2015; Caceres & Fulmer, 2016), de acordo com um dos quatro possíveis cenários, mencionados acima. Os protocolos de atuação propostos para cada situação foram construídos com base nos procedimentos que já eram habituais no serviço.

Na elaboração do plano de intervenção, após um processo informado, esclareci- do, reflexivo, promovido pelo enfermeiro, deverá decorrer a negociação entre este e a

PI em caso de capacidade cognitiva presente, ou com o cuidador ou outras estruturas da comunidade, no caso de PI sem capacidade cognitiva, no sentido de determinar as

estratégias de intervenção. Esta necessidade de negociar é considerada tanto pelo Modelo de Sistemas (Neuman & Fawcett, 2011) como pelo Modelo de Parceria (Go- mes, 2009, 2013), como uma etapa importante. Para o primeiro modelo, as metas de enfermagem correspondem a objetivos traçados entre o enfermeiro e a PI ou, quando esta não é capaz, o seu cuidador, de modo a alcançar a mudança desejada e com o intuito de corrigir o desvio do bem-estar. Para o segundo modelo, o processo de ne- gociação pressupõe uma partilha de responsabilidade e poder, pelo que o enfermeiro deve mobilizar o conhecimento que tem da pessoa para transformar capacidades po- tenciais em reais, para que a PI possa vir a assumir o controlo do cuidado de Si pró- pria ou assegurar o cuidado do outro (Gomes, 2013).

Na fase SINALIZAR, estabeleceu-se que todas as situações deveriam ser remeti- das à EPVA local, através do preenchimento do Formulário Clínico de Violência da DGS (Anexo VI). Este procedimento permite dar visibilidade ao fenómeno da violên- cia e ao trabalho que é realizado pela equipa da unidade. No caso de denúncia, se- guindo a indicação da DGS (2016), preconizou-se o registo no Formulário de De- núncia de Crime (Anexo VII), e que esse formulário “só deve ser facultado ao Tribu- nal mediante indicação expressa do mesmo” (DGS, 2016, p. 185).

Com o intuito de operacionalizar o fluxograma, houve necessidade de elaborar um guia orientador (Apêndice XXVII).

As discussões no seio da equipa ocorreram nas sessões de formação e em dis- cussões em círculos mais restritos. No final, quer o fluxograma quer o guia orientador, foram enviados por correio eletrónico a todos os elementos da equipa, de forma a su- gerirem alterações antes da sua implementação na unidade. Este trabalho permitiu sistematizar as intervenções e dar visibilidade à necessidade de suportar as tomadas de decisão em critérios válidos.

4.2.8. Colaboração com a Equipa para a Prevenção da Violência em Adultos nas