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PROBLEMÁTICA / JUSTIFICAÇÃO DO PROJETO

Decorrente da minha prática profissional, como referi anteriormente, mais preci- samente no primeiro ano em que realizei visitas domiciliárias, fui confrontada com si- tuações de suspeita de violência contra a PI que me inquietaram, e cujo modo de in- tervenção me era pouco familiar. A construção e posterior implementação de um pro- jeto, no âmbito da unidade curricular Opção II, trouxe-me a oportunidade de trabalhar a temática da violência, procurando, deste modo, não só questionar a prática como introduzir mudanças que se traduzissem numa melhoria dos cuidados prestados.

Para as pessoas idosas as consequências da violência são bastante gravosas, pois necessitam de mais cuidados de saúde durante o processo de recuperação das sequelas físicas, sendo o mesmo mais lento, devido à sua fragilidade ou comorbili- dades associadas (Krug et al., 2002; Faria, 2015). Por outro lado, sabe-se que uma exposição contínua de violência psicológica ao longo da vida conduz a um aumento de perda de autonomia, à dificuldade em participar em atividades sociais, e à inca- pacidade em criar intimidade com outras pessoas. E, ao contrário do que as pessoas pensam, a violência psicológica pode ser mais prejudicial do que a física, porque afeta estruturas internas (Brandl et al., 2007; Fraga et al., 2017).

Para além das consequências pessoais, também existem os custos diretos na despesa pública decorrentes da assistência necessária para tratar e reabilitar as ví- timas; despesas sociais nomeadamente com os serviços comunitários para apoio domiciliário; custos legais, relacionados com o sistema de justiça criminal e com as despesas para compensar os bens perdidos (WHOROE, 2011; Dong, 2017).

A Direção-Geral da Saúde (DGS, 2016), no documento “Violência Interpessoal: Abordagem, diagnóstico e intervenção nos serviços de saúde”, reconhece a comple- xidade do fenómeno da violência e recorda que, muitas vezes, este é marcado pelo silêncio das vítimas e pautado pela ausência de sinais evidentes. Salienta ainda o papel privilegiado que os serviços de saúde desempenham na identificação, avalia- ção e prevenção da violência, dada a relação de confiança e proximidade que detêm com as pessoas, sendo frequentemente o primeiro contato das PI vítimas de violên- cia com o sistema de saúde.

Habitualmente a incumbência de controlar os níveis da violência era vista como uma responsabilidade do âmbito da segurança pública e da justiça (Coler, Lopes, Moreira, 2008, citando D’Oliveira e Schraiber, 1999). No entanto, tendo em conta a complexidade do fenómeno e a importância de se trabalhar a prevenção, esse con-

trolo passou a ser visto como uma responsabilidade de diversos sectores, nomea- damente da saúde.

A prática diária dos enfermeiros, sobretudo dos CSP, bem como das AAD das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), permite entrar na intimidade do lar e desenvolver uma relação de confiança que lhes possibilita obter informações necessárias para reconhecer os sinais de alerta e são, por vezes, as únicas pesso- as, fora da família, que mantêm um contacto contínuo com a PI. São, portanto, as únicas que podem intervir antes que as consequências surjam. Verifica-se, contudo, que o grupo profissional das AAD, apesar de desempenhar um papel fundamental no sistema de cuidados formais à PI no domicílio (Sousa, 2011), tem, muitas vezes, falta de formação específica, que o habilite, muitas vezes, a prestar um cuidado adequado à PI (Militar, 2012).

Vários autores indicam como um dos obstáculos ao diagnóstico e notificação da violência, por parte dos profissionais de saúde, a escassez ou ausência de treino no reconhecimento das situações de violência, por parte dos mesmos (APAV, 2010; Caceres & Fulmer, 2016 citando Daly & Coffey, 2010, Thomson, Beavan, Lisk, McCracken, & Myint, 2010, Wagenaar, Rosenbaum, Page, & Herman, 2010).

Tendo por base a metodologia de projeto, que exporei no próximo capítulo, e que aponta como primeira etapa o diagnóstico da situação, ainda na fase de ela- boração do projeto foram aplicados questionários aos dez enfermeiros da Unidade de Cuidados na Comunidade. Da análise dos mesmos emergiram as seguintes difi- culdades na notificação das situações de violência: dos enfermeiros desta unidade, 50% concordam e 10% concordam fortemente, que é difícil notificar porque os pro- fissionais “Não se querem envolver em questões legais”; 30% concordam e 30% concordam fortemente que a ausência de protocolos de identificação, avaliação e intervenção dificulta o reporte das situações de violência (Apêndice I). As baixas ta- xas de notificação, de acordo com Caceres & Fulmer (2016), são fruto não só do “idadismo” como da ausência de treino na avaliação e na deteção dos diferentes ti- pos de violência. E os resultados dos questionários comprovam que 70% dos enfer- meiros inquiridos referiram não ter tido formação na área da violência à PI; 100% considerou ser pertinente e 90% manifestou vontade de adquirir formação nesta área; como tema mais pertinente identificaram “protocolo de atuação”. O que vai ao encontro do que a literatura refere: os profissionais de saúde têm consciência que possuem pouca formação para avaliar e decidir como atuar nas situações de violên- cia (Duffin, 2007, Phelan, 2008; Baker et al., 2016).

Caceres & Fulmer (2016) acrescentam que a formação sobre a avaliação e a de- teção de risco de violência deveria ser uma preocupação em todas unidades que prestam cuidados geriátricos, sobretudo nas que prestam cuidados nos domicílios. Independentemente do tipo de violência de que se é alvo, quem é vítima recorre com maior frequência aos serviços de saúde comparativamente a quem não o é, em particular aos CSP, serviços de urgência, ginecologia e obstetrícia e saúde mental (DGS, 2016).

Realizar por rotina o rastreio da violência contra a PI, que permite que o profis- sional vá desenvolvendo competências na abordagem do tema, constitui um passo crucial, pois facilita a identificação e prevenção da violência (DGS, 2016), e contribui para que haja um registo de dados úteis para uso na investigação e para as avalia- ções dos programas de intervenção (Williams, Davis, & Acierno, 2017). Todavia, conforme referi no capítulo anterior, deve ser assegurado que, ao se efetuar o ras- treio, se dispõe dos meios necessários para ir ao encontro das necessidades identi- ficadas, tendo presente o princípio da beneficência e da não maleficência (Bernal & Gutiérrez, 2005; Perel-Levin, 2008).

Atendendo às graves consequências para a estabilidade do sistema da PI, a vio- lência é um problema de enfermagem, que deve ser pesquisada pelos enfermeiros junto das pessoas (Price, 2013; DGS, 2016), nomeadamente junto das PI. Na linha do Estatuto da OE (Lei n.º 156/2015, artigo 109.ª, alínea c), incumbe a cada profis- sional de enfermagem a responsabilidade de identificar e procurar satisfazer as suas necessidades formativas nesta área, e isto de forma a suportar uma intervenção efi- caz nos diferentes stressores, nos vários níveis de atuação, tendo como objetivo a estabilidade dos sistemas dos clientes (Freese, 2004).

O diagnóstico da situação efetuado realça a pertinência de se intervir na forma- ção dos profissionais sobre a temática da violência contra a PI, bem como a neces- sidade de adaptar os modelos de deteção/intervenção, propostos pela DGS (2016), para a intervenção na PI, suspeita ou vítima de violência. Daí a justificação da exis- tência deste projeto.