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A construção do “Patrimônio Local”

O Rio Grande do Norte não é apenas um Estado que produz sal, algodão e que possui inesgotá- veis jazidas de xilita [sic]. Por quê [sic] ficamos desvanecidos com tanta boniteza de nossas praias, onde o forasteiro chega, chupa caju entre goles de “pinga”, e vai embora dizen- do ter “conhecido” o Rio Grande do Norte? Monumentos históricos e artísticos do Estado devem constituir, também, um atrativo para

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os que nos visitarem, pela localização pito- resca em que alguns se encontram, ensejando magníficos passeios através desta hospitaleira terra potiguar (SOUZA, 1981, p. 10).

A partir da década de 1960, a noção de patrimônio foi sendo disseminada em todo o estado do Rio Grande do Norte, havendo dois agentes importantes nesse processo: o folclorista e funcionário do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) Oswaldo Câmara de Souza e o recém-criado órgão de promoção e gestão da produção cultural no estado, a Fundação José Augusto.

Oswaldo Câmara de Souza esteve à frente das primeiras ações sistemáticas de definição, preservação e tombamento do patri- mônio no estado. Foi nesse período que ele dirigiu a operação de transferência do marco colonial de Touros de seu antigo local de origem para Natal. Na recém-instituída Delegacia do IPHAN no Rio Grande do Norte, Oswaldo de Souza realizou viagens ao interior do estado recolhendo informações sobre antigas edificações e produ- zindo um registro fotográfico delas. Nesse momento, promoveu a identificação das velhas casas de câmara e cadeia de Vila Flor e de Acari, do sobradinho centenário da Rua da Conceição, em Natal, de velhos engenhos e mansões senhoriais em diversas cidades do esta- do e do prédio do antigo Palácio do Governo, na capital. Também foi responsável por inscrever os antigos edifícios das matrizes de São José de Mipibu, Extremoz, São Gonçalo do Amarante, Caicó e Acari no rol do patrimônio do estado. Esse trabalho de inventariar bens patrimoniais, no entanto, não esteve restrito apenas às edificações, mas incluiu também objetos históricos e artísticos, como as ima- gens sacras católicas encontradas em algumas igrejas do estado,

A problemática da “Memória Local”: Reflexões sobre o caso Norte-Rio-Grandense

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a exemplo do conjunto da Morte de Nossa Senhora da igreja de Canguaretama (GALVÃO, 1988, p. 75-76).

Muitas das edificações por ele arroladas encontravam-se em ruínas ou em condições muito precárias. Todos os bens seriam submetidos à catalogação e muitos deles teriam seu tombamento sugerido como “patrimônio estadual”, além da imediata conservação.

Em 1981, Oswaldo de Souza publicou todo esse levantamento num livro de mais de quatrocentas páginas, “Acervo do Patrimônio histórico e artístico do Estado do Rio Grande do Norte”, que apresen- tava pela primeira vez um registro de bens patrimoniais do estado com legendas e fotografias. O conjunto desses bens foi organizado nas seguintes categorias: Arquitetura e Arquitetura Religiosa; Material Iconográfico; Imagens Religiosas; Outras Imagens; Oratórios e Jazidas Arqueológicas.

Outro vetor importante de propagação do patrimônio no estado foi a Fundação José Augusto. O órgão seria responsável por toda a política cultural do governo estadual. Desde sua criação, em 1963, a Fundação passou a desenvolver um trabalho no plano cultural, por meio da Biblioteca Pública do Estado, do Museu de Arte e História do Rio Grande do Norte e da Gráfica Manimbu. As ações mais concretas em relação ao patrimônio só viriam a partir de meados dos anos 1970. Aproveitando o incentivo financeiro do governo federal, por meio do Programa Integrado de Reconstrução de Cidades Históricas do Nordeste (1973), o governo estadual promoveu a restauração da Fortaleza dos Reis Magos, em Natal; do Solar do Ferreiro Torto, em Macaíba; do Casarão dos Antunes, em Ceará-Mirim, e do prédio da antiga Casa de Detenção, também em Natal.

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No plano museológico, foi criado um conjunto de museus vol- tados para preservar objetos e registros da cultura e da história estadual, tais como a Casa Café Filho (1979), em Natal; a casa-grande do Engenho Guaporé (1979), em Ceará-Mirim, o Almirante Ary Parreiras (1981), também em Natal, Capitão Antas (1986), em Pedro Avelino, entre outros.

Até 1988, a FJA havia restaurado vinte e cinco edificações, sen- do todas elas residências senhoriais, templos católicos, fortificações e quartéis. Esse trabalho de tombamento e restauração veio a ter prosseguimento nas duas décadas posteriores. Entre 1995 e 2002, foram realizados os tombamentos de vários edifícios antigos na capital do estado, como o prédio onde foi instalada originalmente a Escola Doméstica, a casa onde nasceu Café Filho, o antigo Palácio do Governo, o casarão do Liceu Industrial, o prédio onde funcionou o Cine Magestic, na Cidade Alta, entre outros. No interior, foram tombadas as Capelas de São José e de Nossa Senhora da Soledade, em Macaíba; a Escola Estadual Barão do Mipibu, em São José do Mipibu, a Capela de Santa Rita das Dores, em Pedro Velho; a Casa de Alzira Soriano, em Jardim de Angicos; a Casa Paroquial de São Paulo do Potengi e a Casa Velha, em Lagoa de Velhos (CEPEJUL, 2004, p. 128).

Apesar de todas essas ações serem resultado de um esforço estadual e federal, o fato é que elas ajudaram a despertar, ou mes- mo incrementar, em diversos municípios em que ocorreram, uma mudança em relação aos bens e manifestações culturais existentes na localidade. Pelo menos era com esse otimismo que esperavam seus idealizadores:

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Essas intervenções, sejam quais forem as causas que as concretizaram, deram ensejo (isso parece fundamental) à criação, no seio da comunidade, de uma nova concepção sobre a representativi- dade e importância dos seus monumentos, dos seus sítios históricos e paisagísticos, refletindo- -se numa crescente preocupação com o destino desses imóveis (CEPEJUL, 2004, p. 128).