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3.2 A ÉTICA HUMANA E O USO DOS RECURSOS NATURAIS

3.2.4 Os Direitos em Conflito: Princípios, Regras e as Soluções de Alexy

3.2.3.5 A Construção do Poder Comunicativo

Os fenômenos que se acumulam na modernidade – a concentração do poder administrativo, a positivação do direito e o surgimento de um poder legal – encobrem as condições iniciais, a dominação em formas tradicionais sob as quais o poder do Estado tinha surgido. Para uma reconstrução da gênese do direito e da política, Habermas (2003, p. 176) propõe, inicialmente, construir dois tipos de arbitragem de litígios e de formação coletiva da vontade, sem pretensão de fazer valer o direito sancionado pelo Estado, nem o poder político jurídico.

O autor considera que os atores esperam decisões uns dos outros, por conseguinte, considera a necessidade de mecanismos de coordenação da ação. Quando a coordenação não se efetua, as consequências são problemáticas. Pode ocorrer um conflito na ação, provocado por orientações individuais inconciliáveis.

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Deontologia: estudo dos princípios, fundamentos e sistemas de moral. (Novo Dicionário Aurélio)

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Teleologia: Termo criado por Christian Wolff para designar a ciência que estuda os fins, a finalidade das coisas, constituindo, assim, seu sentido, em oposição à consideração de suas causas ou de sua origem. (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2008, p. 264).

Trata-se de regulamentação de conflitos interpessoais versus persecução de objetivos e programas coletivos. Pode, ainda, tratar-se de um desafio que os atores desejariam dominar cooperativamente. A arbitragem do litígio refere-se à estabilização de expectativas de comportamento. A formação coletiva da vontade refere-se à escolha e realização efetiva de fins capazes de consenso.

Ambos os lados tem seu agir limitado por valores e interesses. Uma coordenação da ação interpessoal pressupõe consenso sobre valores e compensação de interesses ou um compromisso. A prática de entendimento distingue-se da prática de negociação, através de sua finalidade: no primeiro caso, a união é entendida como consenso, no qual se consideram normas e valores. No outro, como um pacto, no qual se avaliam situações de interesses (HABERMAS, 2003, p.178).

Consenso e arbitragem são os motes para dois tipos de arbitragem de conflitos. Agindo-se de acordo com normas, os partidos podem apaziguar um conflito por meio de um consenso sobre os valores. Quando a questão é atender aos interesses, pode-se compensá-los, normalmente na forma de indenizações por desvantagens surgidas (HABERMAS, 2003, p.178).

Autoridade e compromisso são os tópicos para dois princípios da formação da vontade, servindo como base para superar dissensos sobre finalidades. A autoridade pode ser proveniente de um prestígio ou os partidos litigantes chegam a um compromisso suportável (HABERMAS, 2003, p.179).

O conceito de autonomia política, apoiado numa teoria do discurso, esclarece porque a produção de um direito legítimo implica a mobilização das liberdades comunicativas dos cidadãos. Isto coloca a legislação na dependência do poder comunicativo. “O poder surge entre os homens quando agem em conjunto, desaparecendo tão logo eles se espalhem” (ARENDT41, 1960, apud HABERMAS, 2008, p. 185-186).

Para Hannah Arendt42 (1982, apud HABERMAS, 2008, p. 187), o fenômeno básico do poder é o potencial de uma vontade comum formada numa comunicação não coagida, voltada ao entendimento. Tem por característica que cada um atém o seu juízo ao juízo de outros possíveis e se coloca no lugar de cada um dos outros. Para os autores não se trata de impor interesses próprios ou realização de fins

41 ARENDT, Hannah. Vita Activa. Stuttgart, 1960, p. 194.

coletivos, mas uma força autorizadora que se manifesta na criação do direito legítimo e na fundação de instituições.

De acordo com Habermas (2003, p. 190), ideia do Estado de direito pode ser interpretada como a exigência de ligar o sistema administrativo ao poder comunicativo, estatuidor do direito, e de mantê-lo longe da implantação fática de interesses privilegiados.

O princípio do discurso tem o sentido cognitivo de filtrar contribuições e temas, argumentos e informações, produzindo resultados supostamente com aceitação racional (HABERMAS, 2008, p. 191).

Habermas (2003, p. 200-201) afirma que questões pragmáticas podem surgir quando um ator procura os meios para realizar preferências e fins definidos. No entanto, os fins podem tornar-se problemáticos, demandando uma avaliação racional destes fins. Os interesses permanecem, todavia são buscadas novas alternativas de escolha dos meios ou da colocação de fins. Para a escolha fundamentada de técnicas ou estratégias de ação, existem comparações e ponderações que o agente, apoiado em observações e prognoses, pode desenvolver sob os pontos de vista da eficácia ou de outras regras de decisão. A ponderação de fins, orientada por valores, e a ponderação pragmática de meios, leva a recomendações hipotéticas e correlacionam causas e efeitos, de acordo com preferências axiológicas e finalidades.

Contudo, quando os próprios valores orientadores tornam-se problemáticos, a pergunta “o que se deve fazer?” aponta para além da racionalidade teleológica. Preferências antagônicas podem exprimir oposições de interesses que não se esgotam no nível dos discursos. Questões eticopolíticas colocam-se na perspectiva de membros que procuram obter clareza sobre a forma de vida que compartilham e sobre os ideais que orientam seus projetos comuns de vida. Decisões axiológicas graves resultam da autocompreensão cultural e política de uma comunidade histórica e se transformam junto com ela (HABERMAS, 2003, p. 201).

O princípio da universalização obriga os participantes do discurso a examinar normas controversas, servindo-se de casos particulares previsivelmente típicos, para descobrir se elas poderiam encontrar o assentimento refletido de todos os atingidos. As regras morais são aplicáveis para os casos padrão. Como nos discursos de fundamentação não se pode levar em conta todos os potenciais casos singulares futuros, quando estes ocorrerem, a aplicação da norma demandará um

esclarecimento argumentativo sui generis. Em tais discursos de aplicação, a imparcialidade do juízo, não é garantida por um novo "princípio de universalização", mas por meio de um "princípio da adequação" (HABERMAS, 2003, p. 203).

Em caso ideal, as decisões são tomadas no nível em que a controvérsia deve ser prosseguida com argumentos. O modo como se decide depende do aspecto sob o qual a matéria a ser regulamentada é acessível a um esclarecimento posterior. Quando se trata de um questionamento moralmente relevante (política social, distribuição da riqueza social, de chances de viver, de sobreviver), é preciso utilizar discursos em que submetemos interesses e orientações valorativas conflitantes a um teste de generalização. Ao contrário, quando se tratam de questionamentos eticamente relevantes (problemas ecológicos, proteção de minorias étnicas e culturais ou da cultura política), é o caso de se pensar em discursos de autoentendimento, que passam pelos interesses e orientações valorativas conflitantes, e numa forma de vida comum que traz reflexivamente à consciência concordâncias mais profundas (HABERMAS, 2003, p. 206-207).

Porém, nem sempre as alternativas acima são diretamente factíveis, especialmente quando todas as regulamentações tocam diferentes interesses, sem possibilidade de fundamentar um interesse universalizável ou a primazia de um determinado valor. Nessas situações, resta a alternativa de negociações que exigem disposição cooperativa apontando para compromissos que: a) sejam vantajosos para todos; b) excluam atores que se retiram da cooperação; c) excluam explorados que investem na cooperação mais do que ganham com ela. Processos de negociação são adequados para situações nas quais não é possível neutralizar as relações de poder, como é pressuposto nos discursos racionais. Os compromissos obtidos equilibram interesses conflitantes, enquanto em um acordo racional prevalecem argumentos que convencem a todos (HABERMAS, 2003, p.207).

Habermas (2003, p. 259) e Alexy (2008, p. 93-94, 96, 167-168) afirmam que no conflito entre princípios não se faz necessária uma decisão de validade total ou nulificação. Determinado princípio pode gozar de primazia, não obstante, não tenha o poder de anular a validade dos princípios concorrentes. Um princípio prevalece conforme o caso a ser decidido, sem desvalorização da validade do(s) outro(s).

O positivismo chega a uma falsa tese da autonomia, porque entende o direito como um sistema fechado de regras específicas, que demandariam decisões excludentes, a serem tomadas por um juiz, em casos de colisão. A representação

unidimensional do direito, como um sistema de regras destituído de princípios, induz a concluir que as colisões entre regras geram indeterminação da situação jurídica. Contudo, quando se admitem princípios, reconhecendo-os como componentes normais do discurso jurídico, esvai-se o problema do fechamento de regras e da incapacidade de solução dos conflitos (HABERMAS, 2003, p. 259).

O discurso jurídico precisa estar aberto a argumentos de outras procedências, especialmente, os pragmáticos, éticos e morais, que transparecem no processo de legislação e são ordenados na pretensão de legitimidade de normas do direito (HABERMAS, 2003, p. 287).

Onde a formação política da vontade se apresenta como um discurso ético, o discurso político precisa ser conduzido sempre com o objetivo de encontrar aquilo que é melhor para os cidadãos enquanto membros de uma comunidade concreta, no horizonte de sua forma de vida e de seu contexto tradicional (HABERMAS, 2003, p. 349).

Interesses e orientações axiológicas em conflito, sem perspectiva de um consenso mútuo, necessitam de uma compensação, que os discursos éticos não conseguem proporcionar – mesmo quando os resultados estão condicionados ao respeito pelos valores fundamentais aceitos por uma cultura. Os interesses são equilibrados por meio de compromissos entre as partes. Pressupõe-se, então, a disposição de cooperação, ou seja, a vontade de, observando as regras estabelecidas, chegar a resultados aceitáveis para todas as partes, mesmo que os argumentos nos quais as partes se apoiam sejam diferentes (HABERMAS, 2003, p. 351).