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Jürgen Habermas e a Teoria do Discurso: o Poder Comunicativo

3.2 A ÉTICA HUMANA E O USO DOS RECURSOS NATURAIS

3.2.4 Os Direitos em Conflito: Princípios, Regras e as Soluções de Alexy

3.2.3.2 Jürgen Habermas e a Teoria do Discurso: o Poder Comunicativo

A tensão entre princípios normativos, que correm o risco de perder o contato com a realidade social, de não valorizarem os fatos que desmentiram a autocompreensão do moderno Estado de direito, inspirada no direito racional e, por outro lado, princípios objetivistas, que deixam fora de foco qualquer aspecto normativo, pode ser entendida como admoestação (alerta) para não se fixar em uma só orientação disciplinar e analisar diferentes posições metódicas (participante versus observador), diferentes finalidades teóricas (explicação hermenêutica do sentido e análise conceitual versus descrição e explicação empírica), diferentes perspectivas de papéis (o do juiz, do político, do legislador, do cliente, do cidadão) e variados enfoques pragmáticos na pesquisa (HABERMAS, 2003, p. 22-23).

Tendo em vista que as considerações acerca da norma e do ordenamento jurídico limitam-se ao plano normativo, sem quase levar em conta a realidade social Yabiku (2005) questiona "Como pode, então, o Direito regular a vida das pessoas, se não leva em conta o mundo real, como ele realmente é, num plano ontológico?"

As normas desse direito possibilitam comunidades extremamente artificiais, mais precisamente, associações de membros livres e iguais, cuja coesão resulta simultaneamente da ameaça de sanções externas e da suposição de um acordo racionalmente motivado (HABERMAS, 2003, p 25).

A linguagem, entretanto, pode ser um meio de incorporar a razão. Tensões entre a facticidade e a validade resultam em exigências elevadas a fim de manter a ordem social (id.ibid., p. 27).

A tensão entre facticidade e validade, que se introduz no próprio modo de coordenação da ação, coloca exigências elevadas para a manutenção de ordens sociais. O mundo da vida, as instituições que surgem naturalmente e o direito têm que amortizar as instabilidades de um tipo de socialização que se realiza através das tomadas de posição com relação a pretensões de validade criticáveis (id.ibid., p. 25-26).

A democracia é um sistema em que predomina a reflexão e existência de comunicação constante entre as pessoas e o Estado, cujo nível determina seu grau de maturidade. De acordo com esta linha de pensamento, um povo é mais

democrático quanto maior o papel do raciocínio, da reflexão e do espírito crítico na regulação de seus assuntos públicos. Contrariamente, é menos democrático quanto maior o peso do inconsciente, dos costumes inconfessados, ou seja, quanto mais predominarem os preconceitos subtraídos a qualquer exame. A participação deve ser crítica, reflexiva, consciente, racional (id. ibid., p. 106).

Os sistemas da economia e da administração tendem a seguir unicamente aos próprios imperativos econômicos e administrativos. Rompem, então, com a comunidade que se autodetermina. A tensão entre um alargamento da autonomia privada e cidadã e a normalização do gozo passivo de direitos concedidos paternalisticamente está introduzida no próprio status de cidadãos das democracias de massa do Estado social (HABERMAS, 2003, 109).

O direito, diferente da moral, não representa apenas uma forma do saber cultural, pois forma simultaneamente um componente importante do sistema de instituições sociais. É um sistema de saber e de ação, ao mesmo tempo. As proposições do direito adquirem uma eficácia direta para a ação, o que não acontece nos juízos morais. As instituições jurídicas diferenciam-se de ordens institucionais naturais por seu grau de racionalidade. Incorporam um sistema de saber mantido dogmaticamente, trazido para um nível científico e interligado com uma moral conduzida por princípios (HABERMAS, 2003, 110-111).

O conceito “mundo da vida”, da teoria da comunicação, rompe com o modelo de uma totalidade que se compõe de partes. O mundo da vida configura-se como uma rede ramificada de ações comunicativas que se difundem em espaços sociais e épocas históricas, as ações comunicativas, não somente se alimentam das fontes das tradições culturais e das ordens legítimas, como também dependem das identidades de indivíduos socializados. A cultura, a sociedade e a pessoa pressupõem-se reciprocamente (HABERMAS, 2003, 111).

O conceito do direito subjetivo corresponde ao conceito de liberdade de ação subjetiva, os direitos subjetivos estabelecem os limites em que um sujeito está justificado a empregar livremente sua vontade. Definem liberdades de ação iguais para todos os indivíduos ou pessoas jurídicas, tidos como portadores de direitos (HABERMAS, 2008, 113).

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu artigo 4º, estabelece “A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudica o outro. O exercício dos direitos naturais de um homem só tem como limites os que

asseguram aos outros membros da sociedade o gozo de iguais direitos” (HABERMAS, 2008, 113-114).

O processo legislativo precisa confrontar seus participantes com as expectativas normativas das orientações para o bem da comunidade, pois ele deve extrair sua legitimidade do processo de entendimento dos cidadãos sobre regras de convivência (HABERMAS, 2008, 115).

Um direito é um relacionamento e uma prática social, uma expressão de conectividade. Direitos são proposições públicas envolvendo obrigações para com os outros, bem como proteções contra os outros. São formas de cooperação social, em última análise, cooperação (RAISER, 1977, apud HABERMAS, 2008, p. 121).

Quando se passa a uma subordinação dos direitos subjetivos ao direito objetivo, esgota-se a legitimidade na legalidade de uma dominação política, interpretada em termos de um positivismo do direito. Contudo, não se esclarece como o direito positivo obtém sua legitimidade, que, certamente, está no processo democrático de legiferação, o qual, por sua vez envolve a soberania do povo (HABERMAS, 2008, 121-122).

Habermas (2008, p. 125) cita Höffe37 (1987), para quem a justiça consiste em limitações distributivamente gerais da liberdade, vantajosas de igual maneira para todas as partes. De acordo com Habermas (2008, p. 126), Kant discute a constituição burguesa, a qual seria uma forma de contrato, o contrato social. O contrato social (constituição) institucionaliza o direito a iguais liberdades de ação subjetivas, bem como está fundamentado na vontade autônoma de indivíduos singulares. Estes dispõem da perspectiva social de uma razão para o estabelecimento de leis que os retirem do estado de liberdades inseguras.

De acordo com Kant38 (apud HABERMAS, 2008, p.127) o direito humano precisava diferenciar-se em um sistema de direitos, de modo a garantir a liberdade de cada membro da sociedade, bem como sua igualdade perante todos. Isto se daria na forma de leis públicas, cuja legitimidade demandaria atos da vontade pública dos cidadãos autônomos e unidos. Atos nos quais todos determinam sobre todos, portanto cada um determina sobre si mesmo, resultando na impossibilidade de haver injustiça. Assim, no contrato da sociedade, o direito dos homens a iguais

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HÖFFE, Otfried: Politische Gerechtigkeit: Grundlegung einer kritischen Philosophie von Recht und Staat. Frankfurt: Suhrkamp, 1987.

liberdades subjetivas, fundamentado moralmente, interliga-se ao princípio da soberania.

O princípio do direito parece mediar o princípio da moral e da democracia (HABERMAS, 2008, p.127), ou mais, o direito é o verso da medalha da democracia (integra a democracia). Assim, o conceito do direito não se refere primariamente à vontade livre, mas ao arbítrio dos destinatários, abrange a relação externa de uma pessoa com outra e recebe a autorização para a coerção, que um está autorizado a usar contra o outro em caso de abuso. O princípio do direito limita o princípio da moral, sob esses três pontos de vista. A partir dessa limitação, a legislação moral reflete-se na jurídica, a moralidade na legalidade, os deveres éticos nos deveres jurídicos (HABERMAS, 2008, p.140)

Uma ordem jurídica só pode ser legítima, quando não contraria princípios morais, consolidando a relação do direito com a moral. Não se trata de subordinar o direito à moral, mas do estabelecimento de uma relação de complementação recíproca (HABERMAS, 2008, p.140-141).

São válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais. O princípio da democracia afirma como esta pode ser institucionalizada através de um sistema de direitos que garante, a cada um, igual participação num processo de normatização jurídica, que se realiza em formas de comunicação garantidas pelo direito (HABERMAS, 2003, p.142-146).

Compete aos destinatários, enquanto autores, decidir se eles sairão do círculo dos próprios interesses e passarão para o entendimento sobre normas capazes de receber o assentimento geral, se vão ou não fazer um uso público de sua liberdade comunicativa (HABERMAS, 2003, p. 167). Obviamente, os discursos de autoentendimento também são importantes, haja vista que por meio deles os cidadãos esclareçam sua condição de membros de uma determinada nação, comunidade, quais tradições estão cultivando, como se tratam mutuamente e como tratam as minorias, os excluídos. Para ser legítimo o direito de uma comunidade jurídica concreta, deve estar de acordo com princípios morais, que pretendem validade geral, ultrapassando a própria comunidade jurídica (HABERMAS, 2003, p. 350).

O princípio da democracia não deve apenas estabelecer um processo legítimo de normatização, mas também orientar a produção do próprio medium do

direito. É preciso definir as condições a serem satisfeitas para se adequarem e orientarem uma comunidade de direito. É preciso criar, também, a linguagem que permite à comunidade entender-se enquanto associação voluntária de membros iguais e livres do direito (HABERMAS, 2003, p.146).