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3.2 A ÉTICA HUMANA E O USO DOS RECURSOS NATURAIS

3.2.3 O Direito Ambiental e os Direitos Fundamentais

A correlação entre o direito ambiental e a dignidade da pessoa humana também é corroborada por Bello Filho (2008), ao afirmar que o direito fundamental ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado apoia-se no princípio da dignidade da pessoa humana para se configurar como direito fundamental na ordem constitucional brasileira. O autor ressalta, porém, que a referida diginidade carece da fixação de seu conteúdo.

Afirma, ainda, que somente haverá direito fundamental ao ambiente se o homem estiver sendo tratado com respeito à sua dignidade, e tal se dá quando o

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BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1999

homem é tratado como razão de ser de determinada atividade, e não como meio para a consecução de outra finalidade.

Quanto a uma suposta dicotomia antropocentrismo e biocentrismo, Bello Filho (2008) afirma representar um falso dilema. Ao tratar-se da categoria teórica chamada "direito", seja ela através de um discurso dogmático ou zetético34, revela- se impossível desconsiderar a centralização do discurso na idéia de homem, e, portanto, na compreensão humanista do fenômeno jurídico. Direito como produto da sociedade, como fruto das relações estabelecidas socialmente, e como técnica de resolução de conflitos não poderá, jamais, abandonar o discurso humanista e a compreensão de homem como finalidade do discurso jurídico.

Neste sentido, o autor conclui que a superação da dicotomia é primordial para se compreender que fundamentar o direito ambiental em um discurso ético, e em um princípio como o da dignidade da pessoa humana não significa um retorno ao antropocentrismo, mas em uma superação desse falso dilema, direcionando-se ao ecocentrismo (id.ibid).

Tal compreensão é corroborada por Marés de Souza Filho (2008, p. 24), que afirma que a tutela jurídica só tem sentido a partir de uma ótica humanista.

Vale lembrar, que estes posicionamentos coincidem com aquele da Convenção da Diversidade Biológica, quando se refere à adoção da abordagem ecossistêmica (SMITH e MALTBY, 2003).

Segundo Renata Cuiabano (2001, p. 318), a efetividade da proteção do meio ambiente depende do princípio da proporcionalidade que busca a harmonização e otimização de interesses e pretensões intensamente colidentes. Um dos objetivos do princípio da proporcionalidade é concretizar os valores de justiça, igualdade e eqüidade.

No caso das normas ambientais, principalmente quando se impõem restrição a direitos fundamentais, em prol da conservação da natureza, evidenciam-se interesses colidentes, apesar de simultaneamente dependentes, visto que na Constituição Brasileira a proteção do meio ambiente visa à manutenção da vida humana da presente e das futuras gerações. Daí que o princípio da proporcionalidade, decomposto nos elementos necessidade, adequação e

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Zetética: método de investigação, ou conjunto de preceitos, para a resolução de um problema filosófico ou matemático. A doutrina de Pirro em sua posição metodológica inicial, que consiste no incentivo à busca incessante de novos conhecimentos (AURÉLIO).

proporcionalidade, pode ser aplicado em qualquer ordenamento jurídico, devendo ser observado pelos operadores da lei (CUIABANO, 2001, p.321).

Pode-se perceber a missão do princípio da proporcionalidade: de concretizar os valores de justiça, igualdade e equidade. Este princípio contribui para superar a crise do direito contemporâneo na qual os juízes são guiados pelo "espírito da lei" e não por sua função criadora, que deriva de serem sujeitos imersos na sociedade. Os juízes devem estar envolvidos na construção da justiça, ou seja, efetivamente participantes desta construção e, não, simples expectadores, aguardando normatizações regulamentadoras a definir seus posicionamentos. São, também, sujeitos que dependem do critério ético-material para sobreviver e, por isso, são responsáveis pelo processo de mediação da facticidade à reprodução da vida humana (id. ibid., p. 320-321). Depreende-se, então, sua função como sujeitos da garantia da reprodução social.

Através do pensamento sistemático de Canaris35 apud Fensterseifer (2004, p. 220), a ciência jurídica é tida como um sistema aberto, capaz de, ao ponderar e harmonizar os valores que nela operam, encontrar um ponto de equilíbrio. Nesse aspecto, deve-se destacar que a visão científica sistemática contrapõe-se ao método científico moderno, que parte de uma compreensão reducionista do objeto estudado, compartimentando-o e afastando-o da realidade. Enquanto o método de Descartes procura proteger o conhecimento científico, a visão sistemática quer retirá-lo do tubo de ensaio laboratorial e expô-lo à dinâmica da vida, colocando-o constantemente à prova.

Desta maneira, pode-se abrir o discurso jurídico a argumentos pragmáticos, éticos e morais, conforme propugnado por Habermas (2003, p. 287).

Fensterseifer (2004, p. 217) ressalta que o método científico cartesiano, que orientou a pesquisa nos últimos séculos, em praticamente todas as áreas do conhecimento, mostra-se indiferente à vida, porquanto compartimenta e disseca a realidade do objeto estudado a tal ponto que não é mais permitido ao cientista visualizá-lo em relação ao contexto em que está inserido, não acompanhando a sua dinâmica. Estruturada na máxima da verdade universal e em uma metodologia rígida, a ciência moderna acreditava na neutralidade do cientista. O que se conhece é o olhar do cientista sobre o seu objeto de pesquisa e não a coisa em si. A

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CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

complexidade do mundo contemporâneo não contempla mais tal pensamento científico que, ao retirar o objeto do seu contexto social e ambiental para estudá-lo, não considera tais dimensões no momento de instrumentalizá-lo.

O sistema jurídico deve ser um sistema aberto de valores em constante interação com outras áreas do conhecimento, que considere a incompletude do conhecimento científico, e, principalmente, com a realidade, que é determinante para a abertura do sistema. Isso porque os valores e princípios que transitam dentro do sistema são mutáveis e condicionados pela realidade social que os permeia e legitima (id. ibid., p. 218). Percebe-se no enfoque proposto Fensterseifer (op. cit.), para a área jurídica coincidências com a abordagem ecossistêmica para o meio ambiente, proposta pela Convenção da Diversidade Biológica. Fortalece-se, assim, a necessidade de uma visão mais ampla na elaboração e aplicação de normas ambientais.

Corroborando as discrepâncias do método cartesiano, atualmente, nas normatizações ambientais as ciências que têm prevalecido para sua fundamentação são as biológicas, em detrimento das ciências humanas.

3.2.4 Os Direitos em Conflito: Princípios, Regras e as Soluções de Alexy e de