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3.1 SOCIOAMBIENTALISMO: UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO

3.1.8 Incentivos à Proteção de Áreas Ripárias No Brasil

O fundamento absoluto não é apenas uma ilusão; em alguns casos, é também um pretexto para defender posições conservadoras.

(BOBBIO, 2004, p. 42)

Na Região do Vale do Ribeira, abrangendo municípios do Paraná e São Paulo, agricultores familiares organizados na Associação dos Agricultores Agroflorestais de Adrianópolis e Barra do Turvo (Cooperafloresta) adotaram sistemas agroflorestais regenerativos (SAFRs). A metodologia tem como princípio a sucessão florestal, recuperando áreas degradadas, melhorando a qualidade de vida, garantindo retorno econômico, segurança alimentar e a manutenção das famílias em suas terras.

A metodologia aplicada levantou posicionamentos diversos, quanto ao atendimento à legislação ambiental. Contudo, em visitas técnicas e reuniões com participação de técnicos e dirigentes de instituições governamentais e não governamentais, tem sido consenso que os SAFRs atendem às funções ambientais buscadas para áreas de preservação permanente, como o fluxo gênico, garantindo a contribuição na formação de corredores de biodiversidade, e o controle de erosão, (Grupo de Trabalho sobre Legislação Conservacionista para Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultura Familiar, 2008 e 200920).

Diversas entidades, com base no Paraná, tendo a Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia (AOPA), como proponente, implantaram o Projeto Iguatu, patrocinado pela Petrobrás Ambiental, voltado à gestão adequada dos recursos hídricos junto à agricultura familiar (PROJETO IGUATU, 2006). O projeto teve como parceiros a Cooperativa Central de Reforma Agrária do Paraná (CCA), a Cooperafloresta, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf-Sul) e Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Utilizando metodologias participativas, o projeto trabalhou na formação, capacitação e organização, na adoção de tecnologias e práticas agroecológicas, proteção de fontes, saneamento básico, captação e reciclagem de dejetos animais, captação e armazenamento de água da chuva, construção de filtros para tratamento

da água, construção de viveiros para produção de mudas, sistemas de irrigação racional e elaboração de mapas georreferenciados para cadastramento dos produtores para averbação das áreas de reserva legal.

Segundo Ahrens (2006, p. 12), em julho de 1995, um conjunto de lideranças dos produtores organizou o I Congresso de Agricultura Familiar: Alimentos para a Vida, em Bituruna-PR, quando criaram o Fórum Regional das Organizações dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Centro-Sul do Paraná (Fórum), agrupando STR’s, organizações de produtores, associações e a Pastoral da Juventude Rural.

Ahrens (2006, p. 12) discorre que, baseado em demandas dos agricultores, de 1999 a 2004, o Iapar coordenou o projeto Promoção e Participação de Agricultores-Experimentadores no Processo de Desenvolvimento Tecnológico, que teve como parceiros o Fórum e a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (ASPTA).

Como fruto desse processo, o Projeto Rede de Propriedades de Referência em Sistemas de Produção Familiar Agroecológica no Centro-Sul do Paraná, foi iniciado em agosto de 2003. O trabalho visou a utilização e administração dos recursos da agricultura familiar de forma competente e eficiente, de acordo com suas condições. De acordo com o contexto em que se inseriu, o trabalho também visou a viabilização da agricultura familiar agroecológica para os sistemas de produção predominantes e para algumas culturas potenciais para a região (AHRENS, 2006, p. 12).

No Sudoeste do Paraná, o Projeto Referências em Sistemas Agroflorestais, coordenado pela Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural (Assesoar), envolveu 150 famílias, em 10 municípios. Por meio do projeto, foi identificado que 80% das famílias da região não dispunham de nascentes protegidas em suas áreas e 58% não detinham mata ciliar de acordo com os critérios legais. O projeto buscou a reflexão sobre a legislação ambiental, junto aos agricultores, e a recuperação das áreas impactadas por meio de sistemas agroflorestais regenerativos (ASSESOAR, 2006).

A Coopavel Cooperativa Agroindustrial, no Oeste do Paraná, coordena, desde 2004, o Programa Água Viva, envolvendo e capacitando produtores da região a recuperar asa fontes de água de suas propriedades. Para a execução das obras, 20 Memória de reunião de 17 dez. 2008 e relato sobre reunião e visita de 8 jan. 2009.

são removidos entulhos e vegetação invasora do local onde se localiza o vertedouro, são construídas caixas de proteção, com pedras, solo e cimento e instalado o encanamento, permitindo a condução da água. A área do entorno é, então, protegida por meio do plantio de essências nativas (GAZETA DO POVO, 2008)

No Noroeste do Paraná, o Projeto Paraná Biodiversidade, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Secretaria de Estado do Planejamento e Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento, envolveu mais de 180 agricultores familiares, com áreas de 30 ha, em atividades de recuperação ambiental. O projeto paranaense estimula a recuperação florestal e a inserção de pequenos produtores no mercado de créditos de carbono (AGÊNCIA ESTADUAL DE NOTÍCIAS, 2007).

Os estabelecimentos participantes tem suas áreas de Reserva Legal (20% de cada propriedade) implantadas por meio do plantio de espécies de árvores nativas intercaladas com o cultivo do eucalipto. O eucalipto poderá ser desbastado para venda da madeira e durante seu crescimento pode gerar créditos de carbono, que também podem ser comercializados por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (AGÊNCIA ESTADUAL DE NOTÍCIAS, 2007).

Em Apucarana, no Norte do Paraná, foi aprovada a Lei 58/09 (APUCARANA, 2009) implantando o “Projeto Oásis/Apucarana”, que trata de incentivos aos proprietários rurais que protegerem as nascentes localizadas em seus imóveis.

Os proprietários que aderirem ao projeto receberão, do Executivo Municipal, apoio técnico - que incluirá, além do reflorestamento, práticas conservacionistas de manejo de solo - e financeiro. Este será por um período de 4 anos, passível de prorrogação (APUCARANA, 2009).

O Município de Extrema, em Minas Gerais, em 2005, criou o Projeto Conservador de Águas. Este prevê suporte técnico e financeiro aos proprietários rurais da sub-bacia das Posses, para que possam recuperar e preservar suas Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL), bem como proteger os mananciais, fazer o saneamento ambiental e conservar o solo. Através dessas medidas, a Prefeitura espera conseguir a implementação de microcorredores ecológicos, a redução da poluição decorrente dos processos erosivos e da falta de

saneamento ambiental, além da proteção dos recursos hídricos da bacia (TNC, 2006).

O projeto prevê pagamentos mensais aos produtores, que assinam um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Prefeitura. O pagamento é de 100 unidades fiscais (R$ 169,00) por hectare/ano e é baseado na área da propriedade. Com apoio técnico e de suprimentos de parceiros, como a organização ambiental

The Nature Conservancy (TNC) e o Instituto Estadual Florestal (IEF), Extrema foi

dividida em sete sub-bacias do Rio Jaguari, que corta a cidade. A ideia foi começar logo pelo mais difícil: restaurar a vegetação da sub-bacia mais degradada: Posses. São 1,3 mil hectares, abrangendo 109 propriedades. A segunda fase do projeto, já iniciada, é na sub-bacia de Salto, onde 13 proprietários já recebem dinheiro do projeto, perfazendo uma área de cerca de 550 hectares (JORNAL DA CIÊNCIA, 2009).

O Sindicato de Trabalhadores Rurais de Medina, em Minas Gerais, mobilizou-se com o Instituto de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais na Agricultura do Vale do Jequitinhonha e a Universidade Federal de Lavras para desenvolverem estratégias capazes de reverter as tendências de degradação das nascentes em função da mineração do granito. Além da recuperação de nascentes o trabalho abrangeu um amplo processo de formação e reflexão, envolvendo, capacitações, trocas de experiências e outros eventos voltados à agroecologia e educação ambiental (SILVA, 2007).

Em Minas Gerais, foi aprovada a Lei 17727, de 13 de agosto de 2008 (MINAS GERAIS, 2008), estabelecendo que o Estado conceda incentivo financeiro a proprietários e posseiros rurais, de acordo com o Projeto Bolsa Verde. A lei visa à identificação, recuperação, preservação e conservação de áreas necessárias à proteção das formações ciliares e à recarga de aqüíferos; e áreas necessárias à proteção da biodiversidade e ecossistemas especialmente sensíveis.

O benefício da Lei será concedido anualmente em forma de auxílio pecuniário e terão prioridade os proprietários ou posseiros que se enquadrem como agricultores familiares e outros produtores rurais cujas propriedades ou posses tenham área de até quatro módulos fiscais (MINAS GERAIS, 2008).

A Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, também discute projeto de lei para compensação remunerada para serviços ambientais prestados pelos agricultores familiares. A discussão envolve, ainda, a partilha dos custos de

licenciamento ambiental da agricultura familiar entre eles, as agroindústrias e o Estado (DE FATO, 2008).

No Piauí foi lançado projeto piloto que garante aos proprietários de terra que residem na Área de Preservação Ambiental - APA do Rangel, na região dos municípios de Redenção do Gurguéia e Curimatá, salário pelo serviço ambiental e por desmatamento evitado, o chamado Bolsa Verde. Os recursos destinados ao pagamento do Bolsa Verde serão arrecadados por meio do ICMS Ecológico (PIAUÍ, 2009).

A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente do Município de São Paulo e a TNC, com o apoio financeiro do Citi Brasil, firmaram acordo para levar o conceito do projeto Produtor de Água para a bacia do Alto Tietê, no Estado de São Paulo, mecanismo criado pela Agência Nacional das Águas para reduzir a erosão e a sedimentação. Pelo acordo, produtores da bacia do Alto Tietê receberão pela proteção e manutenção de nascentes e rios que abastecem 50% da região metropolitana de São Paulo. Será considerado o perfil socioeconômico dos provedores dos serviços. O recurso destinado pelo Citi Brasil será utilizado para identificar estas áreas prioritárias e iniciar o desenho dos modelos de pagamentos mais adequados à região (TERRA, 2009).

Segundo Anthony Ingham, superintendente de assuntos corporativos do Citi Brasil, a parceria com a TNC está alinhada à crença de que a vocação empresarial deve estar ao lado das aspirações coletivas, contribuindo com o desenvolvimento sustentável das comunidades.

Na área ambiental, o Citi foca seu investimento em empreendimentos sustentáveis por meio do apoio a ONGs ambientalistas e projetos de preservação ou recuperação ambiental, atrelados ao desenvolvimento econômico e social de comunidades. (TERRA, 2009).

Também em São Paulo já ocorre, na região do sistema Cantareira, pagamentos por serviços ambientais aos produtores rurais que realizarem ações de restauração e proteção dos remanescentes de Mata Atlântica, em suas propriedades (TERRA, 2009).

No Estado do Rio de Janeiro, por meio de programa semelhante, o valor pago pode chegar a R$ 60 por hectare/ano, calculado de acordo com o custo de oportunidade local, localização e qualidade das florestas conservadas. O valor equivale à receita líquida que os produtores rurais teriam se utilizassem a terra para

outros usos, como a pecuária de corte ou leiteira. Em alguns casos, os proprietários poderão receber até R$ 6 mil. Naquele Estado, as áreas protegidas estão no município de Rio Claro e compreendem 5 mil hectares na microbacia do Rio das Pedras, situada no alto da bacia do Guandu, responsável por 80% do abastecimento de água e 25% da geração de energia elétrica para a região metropolitana do Rio de Janeiro (TERRA, 2009).

O Projeto de Lei 5487/2009 (BRASIL, 2009), que tramita na Câmara Federal, institui a Política Nacional dos Serviços Ambientais, o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, estabelece formas de controle e financiamento desse Programa, e dá outras providências. O referido projeto atende aos conceitos de serviços ambientais, definidos pela FAO (2007), incluindo os serviços culturais e a conservação de solo - implícito no subprograma Água, no item que trata da redução dos processos erosivos e afins (BRASIL, 2007).

A conservação do solo, embora primaz para a manutenção da qualidade e quantidade da água , não tem sido considerada nos projetos de pagamentos de serviços ambientais brasileiros como capaz de ser remunerada. Observa-se, contudo, que alguns projetos exigem tal manejo como premissa para a inclusão dos agricultores, como o Projeto Conservador de Águas, de Extrema-MG, e o Projeto Oásis, de Apucarana-PR.

Diversas iniciativas, principalmente, implementadas por organizações não governamentais (ONGs) tem contribuído para a adoção de técnicas agroecológicas. Estas por sua natureza contribuem para a recuperação e conservação dos solos, das águas, da sociobiodiversidade. Vale destacar os projetos de formação de redes de entidades, como a Rede de Agroecologia Ecovida (ECOVIDA, 2007).