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1. INTRODUÇÃO

1.9 Aprendendo nas ranhuras da quebrada

1.9.1 Construindo a pesquisa

A curiosidade que por muito tempo vem guiando minhas indagações está relacionada ao tema da negritude na atualidade, sobretudo a brasileira. Os vestígios das injustiças sociais que se fazem presentes na Introdução deste texto me remetem a pensar a respeito dos possíveis reparos às arbitrariedades realizadas sobre tal cultura. É por esse

motivo que as respostas, ou a ausência delas, iniciaram as problematizações relativas à pesquisa. A partir de agora, minhas preocupações se voltarão a explicitar como foi possível construir uma pesquisa coerente com os contextos sociais e com os referencias. Por esse motivo exponho que a partir daqui explicarei como fiz a pesquisa.

Como um ser social e, atualmente, como um pesquisador transpassado pela ideia de bricoleur, já explicada acima, devo arquitetar uma postura reflexiva sobre o tema, ou seja, por mais que as narrativas míticas sejam construídas a partir de fragmentos de histórias já existentes e de outras partículas presentes em uma dada cultura, a investigação e a reflexão me fazem entender as demandas dos negros(as) na sociedade. Logo, tais questões não podem ser dadas como naturais.

Nesse contexto, os documentos mencionados, editados pelo Executivo, são referências que mostram a entrada do tema nos currículos escolares no ano de 2003. Dessa forma, este pesquisador, como bricoleur, inicialmente trabalhou com materiais e instrumentos que estavam à mão, analisando-os dentro de certos contextos. Por outro lado, tentei mobilizar o funcionamento e as estratégias para investigar se tal situação estava se materializando nas práticas de formação dos professores, bem como nas práticas pedagógicas. À medida que foram necessárias, levando em conta o desenrolar de um contexto e as situações de pesquisas, puderam ser acrescentadas novas formas de interpretação da realidade social, conforme já mencionado por Flick e Kincheloe.

Ou seja, por mais que houvesse uma demanda do Poder Executivo da União e, por conseguinte, das esferas menores, como os Estados e, em especifico, no caso dessa pesquisa, da Prefeitura Municipal de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Educação, o desenrolar dessas ações na prática mostra-se como fundamental. Nesse sentido, um dos caminhos percorridos foi olhar para as demandas da formação de professores ofertadas pela SME e pela DRE-CL.

Considerando a pesquisa um ato movido a poder e, levando em conta os motivos que me levaram a me debruçar sobre esse tema, já anunciados na apresentação e introdução, este pesquisador bricoleur deve dialogar com a teia da realidade, bem como com os lugares − e nos lugares − sociais de outros pesquisadores ou atores do fazer pedagógico, considerando as formas como moldam a produção e a interpretação do conhecido ou do “desconhecido” e como desenvolvem novas formas de reflexões na prática.

Para isso, além da construção das bases teóricas, incluo neste momento, os objetos de análise, a fim de verificar, nesse contexto, se o efeito de uma formação

contribui ou não com as práticas dos professores. Com a finalidade de entender esse fenômeno dentro do campo curricular em questão e do tema da pesquisa, realizo um mapeamento de profissionais da educação que atenda a alguns pré-requisitos.

Em tais lógicas de análises, este pesquisador bricoleur chega ao entendimento de método de pesquisa como sendo, uma tecnologia de justificação, ou seja, uma forma entender e refletir sobre os objetivos e objetos do estudo.

Para escolher os professores me utilizei de dois critérios: ter passado por alguma formação sobre o tema e ter materializado suas ações. A partir do mapeamento desses requisitos, encontrei, em um grupo de docentes de uma rede social composta apenas por profissionais da área, a professora Dandara, regente do componente de Educação Física da DRE-CL. Ela havia passado por algumas formações relativas ao tema no Grupo de Trabalho sobre as relações étnico-raciais9 organizado, desde 2016, por essa Diretoria de Ensino. Esse grupo reunia-se mensalmente para discussões e trocas de experiência. Em 2019, tornou-se um curso chamado “Seminário Feiráfrica”10.

Com relação ao segundo critério para a escolha de docentes, relativo à materialização das ações, essa condição poderia ter se dado por meio de relato de experiência, o qual poderia ter sido publicado ou apresentado em evento, fosse de caráter acadêmico, fosse da própria SME. No que se refere a esse aspecto, a professora Dandara possuía dois relatos ligados ao tema étnico-racial, na área da Educação Física, os quais estavam publicados e haviam sido apresentados em eventos. A apresentação desse material consta nos Anexos, junto às publicações do curso. Essa professora há dez anos, é servidora da rede municipal de educação no componente de Educação Física

Outro docente que se enquadrou no perfil dos sujeitos da pesquisa foi o professor Zumbi, que, como a professora anterior, é servidor da rede municipal de São Paulo, na mesma área de conhecimento e com o mesmo tempo de trabalho na PMSP. A formação de professores da qual participou realizou-se no ano de 2014 e teve como

9 As informações relativas a essa formação estão publicadas no Diário Oficial de 28 de julho de 2016. Disponível em:

http://www.docidadesp.imprensaoficial.com.br/NavegaEdicao.aspx?ClipID=CAUNGEAKQ2NUJeBENS 8KOQ7CEE4&PalavraChave=GT%20%C3%89tnico%20Racial. Acesso em: 20 jan. 2019.

10 A publicação relativa a esse seminário foi feita em Diário Oficial de 26 de outubro de 2018. Disponível em:

http://www.docidadesp.imprensaoficial.com.br/NavegaEdicao.aspx?ClipID=d22fa37a178af75cc585bdd0 6204bc54&PalavraChave=%20Feir%C3%A1frica. Acesso em: 20 jan, 2019.

título “Introdução às relações étnico-raciais”11 . Além disso, ele também publicou relatos de sua prática pedagógica sobre o tema em eventos relacionados tanto à Educação e Educação Física. A escolha do professor se deu mediante uma conversa, uma vez que já nos conhecíamos, porém o fato que predominou para a sua escolha foi ter cumprido os requisitos para realizar a pesquisa.

Pode-se dizer que esse é um procedimento que se inicia no momento em que este pesquisador começa a documentar as influências específicas da história, não apenas cronológica da vida dos professores em relação à sua formação, mas também no que se refere ao contexto “concreto” dos temas “raça” e etnia, ou seja, em relação aos conhecimentos produzidos e, também, às posições filosóficas e epistemológicas que os professores tinham sobre o mundo e sobre o tema. Diante disso, os relatos de prática foram importantes elementos de análises. Uma breve entrevista com os professores também foi realizada com propósito de entender em condições mais aprofundadas algumas questões. As publicações dos cursos em Diário Oficial, em que são expostas as propostas da formação, são fatores de extrema importância para entendermos como se deu essa ação.

A segunda orientação diz respeito às questões do referencial teórico, no tocante ao interacionismo simbólico, elemento que, como já expresso, nos remete à natureza simbólica da vida social. Neste estudo, o conceito se faz presente considerando como são produzidas tais condições pelas atividades interatuantes dos atores sociais, as quais, neste caso, são representadas pelos professores, pelo modo como significaram as formações. E pelas relações dessas formações, ou pela ausência delas, com os respectivos relatos de práticas.

Nesses contextos, é no interacionismo simbólico, expresso no Quadro 1, um dos conceito que indica o quanto vivemos em um ambiente sincrônico, anacrônico, figurado e materializado, que forjamos a todo o momento as nossas significações, tanto do mundo como das ações, o que fazemos em meio às relações com os símbolos, que também são significados mediante as culturas. (COULON, 1995).

Logo, as relações étnicas ancoram-se nas entranhas das culturas e nos labirintos do interacionismo simbólico, o que se dá por intermédio das relações de poder, incluindo a essas ideias as ligações da escola com a sociedade, bem como o componente

11 As informações relativas ao curso foram, igualmente, publicadas em Diário Oficial. Disponível em:

http://www.docidadesp.imprensaoficial.com.br/NavegaEdicao.aspx?ClipID=76N55MQOEMEAPeCV3H A6N0E312D&PalavraChave=GT%20%C3%A9tnico. Acesso em: 20 jan. 2019.

de Educação Física. Em tais condições, o caminho de que vou me utilizar para compreender esses meandros é o dos Estudos Culturais, aliado ao componente curricular que tem como percurso a mesma linha teórica.

Novamente retomo o Quadro 1 e, no construto do método que orienta a pesquisa, a etnometodologia no campo da linguagem. Como um referencial que pretende entender as descrições das produções de situações sociais na prática e na teoria, esse método é um significativo elemento que compõem a pesquisa. Um dos campos importantes construídos na pesquisa é a formação de professores no âmbito das relações étnico- raciais.

E, por fim, os chamados “textos miméticos” podem contribuir para analisar as condições existenciais materializadas tanto nas relações culturais e étnicas, como nas formações e nas práticas pedagógicas e, ainda, nas representações dos professores que foram sujeitos de pesquisa.

As finalidades desses “textos miméticos”, juntamente com o interacionismo simbólico e com a etnometodológia no campo da linguagem, são as de questionar a vontade de “verdade”, colocada pelas “ciências naturais”. Por essas vias que é importante restituir ao discurso seu caráter de acontecimento dentro das relações e suspender a soberania do significado, como já anunciado a partir de Flick e de Foucault. Deparo-me, no interior desses métodos, com a construção de três textos miméticos. A construção do primeiro deles tem por objetivos historicizar as relações sociais das categorias dentro do referencial teórico e entender o que vem se produzindo sobre o tema nas pesquisas da área, ou seja, trata-se da produção de um denso referencial que tenha ligação com o interacionismo simbólico e suas relações de poder.

O segundo desses textos (textos mimeses2) tem sua construçãoperpassada pela

etnometodologia no campo da “linguagem”, que, por sua vez, deriva das descrições sobre as produções que configuram alguma ação e, também, sobre suas formas de significações. Neste caso, os sistemas de formação de professores e as análises das publicações referentes ao tema, bem como os relatos publicados, são parte dos textos mimeses2.

À medida que os textos das duas formas miméticas anteriores permitem compreender o objeto, os objetivos e suas categorias de análises, resultando em técnicas de interpretação e de mobilização dos conceitos para entender os fenômenos, tanto da formação, como das práticas pedagógicas e das impressões dos professores, esse

processo trará, em seu formato, os “textos mimese3”, que se farão a partir da

compreensão cotidiana de narrativas, sensibilizadas pelas teses.

Quadro 1. Construção textos Mimese

Fonte: Construída pelo autor.