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A consumação da natureza na plenitude do Ser absoluto dá-se através do movimento de perfectibilidade histórica do homem pelas

CISÃO DIVINA NA HETEROGENEIDADE DO COSMOS E RESTAURAÇÃO DA UNIDADE ORIGINÁRIA

2.1. A redenção ontológica do mal no movimento teleológico do mundo da filosofia emanatista de Sampaio Bruno

2.1.2. A consumação da natureza na plenitude do Ser absoluto dá-se através do movimento de perfectibilidade histórica do homem pelas

faculdades superiores da razão e do livre-arbítrio

Esta ideia da teoria reintegracionista do filósofo d’ A Ideia de Deus, de que a redenção da Natureza se faz através do Homem, estará presente na filosofia teleológica de António Quadros quando defende que o fim do homem é ajudar a evolução da Natureza para a libertação universal419, através de um

movimento mental simultaneamente teorético e ético, pelo exercício da sa- bedoria e pela prática da santidade420.

O diálogo de António Quadros e Leonardo Coimbra com Sampaio Bru- no, acerca das forças energéticas naturais e sobrenaturais que alimentam a atividade humana e que fazem dela o motor da evolução421, consubstancia-se

no desenvolvimento de um pensamento que procura conciliar a filosofia ontológica com a filosofia existencial e a filosofia da ação, no pressuposto de que a razão dinâmica da inteligência teleológica dirige-se para um eschaton, isto é, para um Fim de consumação ou reintegração plena de todas as coisas no Ser422. Como salienta Afonso Rocha, a eliminação do Mal em Sampaio

Bruno desenvolve-se num processo gnóstico em que consta o apoio da

417 Cf. idem, A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre, Porto, Livraria Tavares Martins, 1935, in

Obras Completas, vol. VII, Lisboa, INCM, pp. 61-62 [60-61].

418 Sampaio Bruno, A Ideia de Deus, p. 243.

419 Cf. António Quadros, O Movimento do Homem, pp. 234-235.

420 Cf. idem, «A Filosofia Portuguesa, de Bruno à Geração do 57 – seguido de o Brasil mental

revisitado», in separata da revista Democracia e Liberdade, n.º 42/43 (Julho/Dezembro de 1987), Lisboa, Instituto Amaro da Costa, p. 20.

421 Cf. idem, O Movimento do Homem, p. 243. 422 Cf. ibidem, p. 26.

Emanatismo, Panteísmo, Panenteísmo e Pantiteísmo

emanação divina no movimento universal da evolução do mundo e consta o movimento individual de regeneração espiritual do homem, os quais culmi- nam num salto escatológico do diferenciado e do espírito diminuído para a reintegração no espírito puro, em absoluta descontinuidade com a história por obra da transcendência absoluta.

Sampaio Bruno aplica o termo «redimido» ao diferenciado na consuma- ção dos séculos, como restauração da homogeneidade do absoluto, mas sem qualquer referência à intervenção redentora de Jesus Cristo nos termos pro- postos pela teologia cristã423. Por contraposição com a tese de Amorim Viana

acerca da imutabilidade de Deus, Sampaio Bruno apresenta o processo dinâ- mico da reintegração do espírito diminuído na unidade infinita do Absoluto com o uso do conceito religioso de redenção: «Amorim Viana diz: “Deus é permanente e não muda; est, non fit.” Cintilante, obnubilante engano! Se Deus existiu e Deus existe, Deus existirá!»424.

Esta forma de interpretar a realidade parte das noções da filosofia aristo- télica do movimento, que entende a ação humana como perfectibilidade, a qual se dá na liberdade potencial do movimento infinito do pensamento. O ser altera-se na medida em que caminha para um telos, e, chegado a esse termo, a essa perfectibilidade, recomeça o movimento numa atividade per- pétua até à consumação dos tempos. Mas excedendo esta conceção grega de eterno retorno, as filosofias judaico-cristãs de António Quadros e Leonardo Coimbra inserem o homem neste movimento teleológico de ordem esca- tológica, com uma promessa de plena e universal redenção, representada pelas noções definitivas de Reino dos Céus, Cidade de Deus425 ou Paraíso

Celestial426.

No contexto desta tese da colaboração da humanidade no plano redentor do Mundo, o António Quadros d’ O Movimento do Homem parece partilhar com Sampaio Bruno, por um lado, a noção de providencialismo, ou seja, a noção da intervenção ou comunicação misteriosa de Deus transcendente e misericordioso na história dos homens pela profecia, pelo milagre e pela oração e, por outro lado, a noção heterodoxa de degenerescência de Deus. Como vimos anteriormente, no plano necessário de Sampaio Bruno acerca do infinito e do mundo, em consequência de um mistério insondável, deu-se uma queda em Deus, pelo que o espírito homogéneo e puro diminui-se na diferença heterogénea, surgindo o mundo e a humanidade por emanação divina:

423 Cf. Afonso Rocha, O mal no Pensamento de Sampaio Bruno: Uma filosofia da razão e do mis-

tério, vol. II, Lisboa, INCM, 2006, pp. 109-110.

424 Sampaio Bruno, A Ideia de Deus, p. 251.

425 Cf. António Quadros, O Movimento do Homem, p. 39. 426 Cf. ibidem, p. 45.

No princípio era a Perfeição, o espírito homogéneo e puro. No segundo momento, mercê do efeito dum mistério, temos o espí- rito diminuído e a seu par a diferença que se tornou heterogénea, isto é o mundo. No terceiro momento, reintegrar-se-á o espírito puro, pela absorção final de todo o heterogéneo.427

Como diz António Quadros, pelo facto de Deus não ser atualmente omni- potente, dá-se o primado existencial do sofrimento, da guerra, da injustiça, do pecado, da opressão e da morte428. Privado da assistência perfeita de Deus

omnipotente, o mundo é sujeito ao mal, simultaneamente ontológico, cós- mico e antropológico. No entanto, esta condição não é absoluta, porque a realidade separativa do Universo encerra a aspiração de regressar à perfeição do Homogéneo inicial429. Como explica Sampaio Bruno, influenciado pelo

sistema gnóstico das emanações das regiões celestes para as terrestres – em que Cristo ocupa um lugar superior elevando as almas do lodo terreno ao Pleroma onde reside o Sumo Bem –, a evolução orgânica, super-orgânica e hiper-orgânica do átomo até à célula, até ao órgão, até ao animal, até ao espírito humano e até à função social, não poderia prosseguir e ultimar-se «se o espírito diminuído, mas puro, não acudisse continuamente ao espírito alterado, que ansiosamente busca sua libertação»430, doando-lhe emanações

que o fecundam, depuram e fazem progredir:

Nesta nova concepção, a matéria não é eterna como Deus e as emanações divinas não vão prevaricando à medida que se afastam da origem. Pelo contrário, vão intensificando, maiores sendo. No áto- mo primo, a revelação divina é a direção do movimento, o qual veio logo do anelo do regresso ao espírito puro. No animal, a revelação é instinto. No homem, a revelação é razão. E, do átomo ao animal e do animal ao homem, a matéria desmaterializou-se; espiritualizou-se; aproximou-se do ponto de chegada; libertou-se; tendeu a voltar ao estado puro, anterior à diferenciação inicial do homogéneo infinito. Assim, a relatividade convergiu, novamente, para o absoluto431.

Nesta dinâmica de regresso à Unidade originária, o Cosmos e a Humani- dade vivem um drama existencial que também é o drama de Deus, mas este drama tem o homem como protagonista épico e herói-salvador. Se é verdade que o socorro divino do Ser decaído já se manifesta no átomo e na direção do

427 Sampaio Bruno, A Ideia de Deus, p. 239.

428 Cf. António Quadros, Introdução à Filosofia da História, Lisboa, Editorial Verbo, 1982 p. 267. 429 Cf. idem, «A Filosofia Portuguesa, de Bruno à Geração do 57 – seguido de o Brasil mental

revisitado», in separata da revista Democracia e Liberdade, n.º 42/43 (Julho/Dezembro de 1987), Lisboa, Instituto Amaro da Costa, p. 19.

430 Sampaio Bruno, A Ideia de Deus, p. 241. 431 Ibidem, p. 242.

Emanatismo, Panteísmo, Panenteísmo e Pantiteísmo

movimento pela ação providencial e milagrosa da emanação que impulsiona o espirito alterado ou o Universo para a sua libertação, só no homem, através do livre-arbítrio, da razão e da oração, é que se manifesta de forma superior esta missão redentora da Natureza e do Mundo. Só o ser mais consciente e responsável pode lutar contra este mal que se deve ao mistério da diferencia- ção ou queda do espírito puro e homogéneo.

Neste sentido, António Quadros partilha também com Álvaro Ribeiro a noção de que a reflexão filosófica é movimento de transcensão mental para um fim último escatológico, afirmando que o homem é um ser para a redenção em Deus-Espírito432. Pela operatividade da razão, o homem liber-

ta-se, libertando os outros seres. Constitui-se como ser peregrino do Além, levando consigo a natureza inteira numa teleologia escatológica de re-união com o Divino, que se concretiza de forma prefiguradora numa virtualidade pré-divina que se projeta de forma superior na relação entre o exercício filo- sófico teorético e ético e a contemplação orante da Graça433.

O Homem não está sozinho neste esforço de reintegração da pluralidade do cosmos na unidade perfeita da infinitude, sendo auxiliado pelo próprio Deus através do plano Providencial. Para Sampaio Bruno, em que a causa final prima sobre a causa eficiente, a providência realiza-se na colaboração do espírito puro diminuído, que é Deus, com o espírito alterado, que é o homem. Na libertação do homem dá-se a reintegração do espírito no abso- luto de si434. A plenitude harmoniosa da Natureza realiza-se quando o Deus

diminuído e as suas emanações se reunirem no além espaço e no além tempo do futuro435.

Mas esta vida plena futura significa a diluição dos seres no Ser Absolutus e o regresso à indiferenciação originária, ou significa a plenificação da Relação das consciências com Deus-Consciência? De forma distinta daquilo que irão defender Leonardo Coimbra e António Quadros, para quem o Fim do ho- mem significa a relação fraterna das criaturas com o seu Criador, sem perda de identidade, parece que para Sampaio Bruno, a Unidade final e plena será a de haver Deus e só Deus436. Afirma o autor no último parágrafo da obra

A Ideia de Deus que:

432 Cf. António Quadros, «A Filosofia Portuguesa, de Bruno à Geração do 57 – seguido de o

Brasil mental revisitado», in separata da revista Democracia e Liberdade, n.º 42/43 (Julho/Dezembro de 1987), Lisboa, Instituto Amaro da Costa, p. 50.

433 Cf. ibidem, p. 20.

434 Cf. idem, Introdução à Filosofia da História, p. 267.

435 Cf. idem, Uma Frescura de Asas, Odivelas, Europress,1990, p. 50.

436 Cf. idem, «A Filosofia Portuguesa, de Bruno à Geração do 57 – seguido de o Brasil mental

No tom do movimento universal, o movimento individual, pelo exercício da sabedoria e pela prática da santidade (o que virá a consis- tir no mesmo) convergirá indescrepantemente, para a absorção recu- peradora. A ressorção do cosmos ultimará a reintegração da unidade do infinito no perfeito. Haverá Deus, e um Deus só, e só Deus.437

2.1.3. A distinção entre a reintegração na indiferenciação do homogé-

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