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O CONSUMO NA VELHICE NA SOCIEDADE ATUAL

2 CORPO, CUIDADO DE SI, VELHICE E CONSUMO

2.3 O CONSUMO NA VELHICE NA SOCIEDADE ATUAL

Carros novos, celulares do modelo mais atual, móveis planejados na cor do momento, roupas da estação, produtos de cuidados com o corpo, alimentos orgânicos, novos tipos de ginástica, novas formas de mídia, novas maneiras de comprar, computadores mais potentes, enfim, criação de novas demandas. O desejo pelo que não se precisa, criação do desejo de consumir, o consumo como uma necessidade de ser/estar no mundo, eis a faceta do consumismo na sociedade contemporânea.

Segundo Lipovetsky (2007), o sistema fordista difundiu produtos padronizados, dando abertura para uma economia da variedade e da reatividade transformando os critérios de competitividade das empresas. Agora, não apenas a qualidade dos produtos, mas o tempo, a inovação e a renovação precisam ser considerados. Alie-se a isso, a distribuição, o marketing e a comunicação que inventaram novos instrumentos para conquistar os mercados. A economia passa de centrada na oferta à centrada na procura, com foco na necessidade e satisfação do cliente. Há uma mercantilização da experiência em todo lugar, a toda hora e em qualquer idade. É imprescindível diversificar a oferta adaptando-se as expectativas dos compradores, a redução dos ciclos de vida dos produtos, segmentação do mercado, favorecimento do crédito ao consumidor, fidelização do cliente por meio de práticas comerciais diferenciadas. De acordo com o autor há mais de 20 anos que as democracias entraram numa era de mercantilização dos modos de vida. Primeiro, se deu ênfase ao bem-estar material, ao dinheiro e à segurança física. Agora, a prioridade é a qualidade de vida, a expressão de si, a espiritualidade e as preocupações relativas ao sentido da vida. É a lógica do “sempre mais, sempre novo”; e assim a sociedade passa a funcionar por hiperconsumo.

O novo velho, novo foco da atenção do mercado, vem sofrendo transformações ao longo do tempo que modificam de forma profunda seus costumes, gostos, estilo de vida, suas atitudes de compra, suas expectativas e seus desejos. São velhos que possuem razoável poder aquisitivo, poder de compra e disponibilidade de tempo, que se preocupam com a saúde e com a qualidade de vida. E que, embora já tenha havido mudanças sutis nesse quadro, ainda é um público pouco explorado,

do ponto de vista da publicidade e propaganda e do próprio mercado. Na televisão brasileira, por exemplo, são frequentes as propagandas voltadas para esse público, relacionadas a empréstimos consignados e a indústria farmacêutica e alimentar, com suplementos alimentares que prometem vitalidade e vigor na terceira idade.

Há um crescimento no número de programas de variedades, que ocupam as grades matutinas e vespertinas das emissoras de televisão aberta e têm como alvo as donas de casas e aposentados. Nesses programas são divulgados os cuidados com o corpo, com a saúde através da adoção de um novo estilo de vida, que prezam por uma alimentação saudável, atividades físicas, intelectuais e de consumo de um modo geral, nessa etapa da vida. É a pregação da velhice enquanto uma etapa propícia ao aproveitamento da vida, do lazer, do corpo e da saúde e do estabelecimento de novos laços e relacionamentos.

As reportagens mostram os idosos superando as limitações da idade e tornando os sonhos que adiaram em sua juventude reais. A velhice vem se tornando um tempo não apenas de espera da morte, uma antessala da nossa finitude, mas um tempo de recomeço e realização de sonhos. É cada vez mais comum aos idosos que se formam em cursos superiores, que iniciam novas experiências como fazer tatuagens, viagens, pular de paraquedas ou outras experiências associadas à juventude se tornarem manchete de jornais, revistas e da programação televisiva.

Campbell (2000) relaciona o consumo à emoção e ao desejo. A procura de gratificação e satisfação não é apenas uma questão objetiva da necessidade. O consumo é a atividade através da qual os indivíduos resolvem suas questões relacionadas à identidade. São os nossos gostos e preferências pessoais exacerbados através do consumo, que fazem com que conheçamos e reconheçamos quem somos nós.

Lipovetsky (2007) relaciona o consumo ao tempo existencial. Se o consumo se tornou emocional mais que acumular coisas, agora importa intensificar o presente vivido. O envelhecimento já sentido aterroriza o consumidor, que se interessa por maior bem-estar e pelas sensações renovadas. “O hiperconsumo, este tem a seu cargo “rejuvenescer” incessantemente o vivido pela animação de si e por experiências novas; é o hedonismo dos começos perpétuos que alimenta o frenesi das compras”. (LIPOVETSKY, 2007, p. 70). Para o autor o consumo é habitado pelo sonho de uma

juventude eterna, pelos recomeços do presente e esse é o desejo profundo do Homo consumericus.

De acordo com Campbell (2000), o que caracteriza a sociedade de consumo moderna é justamente a insaciabilidade dos consumidores. Sempre surgirá um novo desejo após a satisfação do desejo anterior. Essa insaciabilidade tem sua fonte originária no hedonismo moderno, o qual muda o objetivo da conduta humana da satisfação para o prazer. Se no hedonismo tradicional a preocupação primordial eram as sensações e os “prazeres” eram encarados como acontecimentos discretos e padronizados, no hedonismo moderno a preocupação se torna as emoções, se volta para o prazer como uma qualidade potencial de toda experiência, a imaginação e a fantasia ganham força e se consagram. A presença da novidade passa a ser exigida, pois o interesse individual se concentra nos significados e imagens atribuídos a um produto. O consumo passa a ter um caráter autodirigido e criativo. E se analisarmos por essa ótica é esse hedonismo que se faz presente na nova realidade da velhice na nossa sociedade.

Se há uma transformação do consumidor com o hedonismo moderno, há uma transformação do mercado com o envelhecimento populacional. Surge então, um novo perfil do velho enquanto novo consumidor. É fundamental que se crie produtos e serviços capazes de atender as demandas do novo público. Todavia, nem sempre o mercado consegue enxergar e criar estratégias que abarquem esse novo consumidor com grande potencial. Nesse sentido Lipovetsky (2007) afirma que:

Foi-se a época em que os aposentados estavam esgotados, com poucos anos por viver, em que os avós se contentavam em cuidar dos netos. Criados na sociedade de consumo, os seniores viajam, partem para o outro extremo do mundo, visitam cidades e museus, fazem cursos de informática, praticam esporte, querem parecer "mais jovens". A bulimia consumista já não é interrompida pela idade: a geração do vovô-boom mostra-se ávida de evasões distrativas, de maior bem-estar, de qualidade de vida associada ao consumo de produtos dietéticos, aos prazeres do turismo, aos cuidados cosméticos (LIPOVETSKY, 2007, p 122).

Se antes o avanço da idade era relacionado à lentidão, inatividade, fidelidade às marcas e subconsumo, agora se tornou uma fase da vida marcada pelo hedonismo e pela superatividade consumidora. O aposentado é para Lipovetsky (2007) o perfeito hiperconsumidor:

livre do imperativo do trabalho, absorvido apenas pelas preocupações com o corpo e saúde, viagens e saídas, prazeres privados e familiares. Mesmo enrugado, Narciso continua Narciso, tentando seduzir, viver plenamente o presente, embora atormentado pelas angústias do fim da vida. Daí em diante, o Narciso sênior procura, no consumo, conservar-se em boa forma e boa saúde, mas também participar do movimento da vida social, “ficar por dentro", aproveitar a vida e esquecer a marcha do tempo (LIPOVETSKY, 2007, p 122).

Silverstone (2002) nos apresenta a íntima relação existente entre mídia e consumo que nos faz refletir sobre a necessidade da mídia de se apropriar do público idoso, uma vez que “Consumimos a mídia. Consumimos pela mídia. Aprendemos como e o que consumir pela mídia. Somos persuadidos a consumir pela mídia. A mídia, não é exagero dizer, nos consome” (SILVERSTONE, 2002, p. 148). Para o autor o consumo é considerado uma forma de mediação e acrescenta ainda:

O consumo é um trabalho árduo. (...) É o trabalho que une indivíduos e coletividades, definidos por – definindo e partilhando – gosto, status ou carência. (...) O consumo é uma maneira de mediar e moderar os horrores da padronização. E comprar é apenas o começo. Um estágio no ciclo de vida da mercadoria, mas um ciclo que não tem início nem fim: um jogo contínuo, constante de produtos e significados, deslocando reiterada, dialeticamente, a atenção para longe da dor da extração ou da manufatura e em direção do objeto, de sua imagem e de sua apropriação no uso (SILVERSTONE, 2002, p. 148-149).

Lipovetsky (2007) afirma que as pessoas idosas eram sistematicamente negligenciadas, pois a política comercial temia envelhecer a imagem da marca de seus produtos. No entanto, as mudanças estão ocorrendo e o marketing começa a se voltar para esse público consumidor, que ganha o direito de cidadania e surge como o grande futuro do marcado. Contudo, não se deve confundir uma lógica comercial com a cultura vivida no cotidiano das sociedades. Sim, encerrou-se a época do ostracismo dos velhos, mas o ideal de juventude permanece, à medida que esse público passa a ser reconhecido pela publicidade seu desejo de permanecer jovem e sedutor cresce. Para Rosa (2005) isso ocorre porque jovens, adultos e idosos possuem comportamentos, gostos e interesses variados; é fundamental que o mercado crie produtos e serviços voltados para cada público. Sobretudo, o público de mais idade já que seu poder aquisitivo se encontra acima da média nacional.

A indústria da juventude ou do rejuvenescimento oferece as mais diversas formas para retardar os efeitos do envelhecimento e camuflar as marcas da velhice nos corpos. Segundo Debert (1999) o mercado promete adiar a velhice por meio da

adoção de estilos de vida e formas de consumo adequadas. “Um novo elenco de formas de manutenção corporal, envolvendo comidas saudáveis, vários tipos de ginástica, vitaminas e uma parafernália de remédios também a indicar claramente como “os que não se sentem velhos” devem comportar-se” (DEBERT, 2012, p. 65).

Desse modo, além da ditadura da beleza que a moda impõe, a dinâmica do efêmero descarta as possibilidades de beleza no velho. Segundo Pitanga (2006),

Vivemos numa sociedade que supervaloriza o novo, dos descartáveis, que preconiza: o belo é o instante. Logo, parece legítimo pensar no corpo do idoso como aquele que está velho, ultrapassado e precisa, portanto, ser descartado, escamoteado. O que desagrada, por ser ameaçador, é recusado, rechaçado (PITANGA, 2006, p. 96-97).

Conforme já apresentado, a busca por uma nova imagem para esta etapa da vida constituiu uma nova designação: a terceira idade. Debert (2012) sugere que o surgimento desta nova sensibilidade em relação ao envelhecimento visa contrapor-se a estereótipos e discriminações. A ideia de que é possível superar a velhice, como uma fase de degradação física e social, transforma a imagem negativa da velhice nas representações da terceira idade, e as constituem através do velho ativo, saudável, que cuida de si. Essa transformação é um elemento ativo na reprivatização do envelhecimento, que responsabiliza o indivíduo por seu sucesso ou fracasso ao envelhecer.

Segundo Bauman (2003) o cuidado com a saúde se transformou em uma guerra constante contra a doença. Dentro da sociedade de consumo, saúde é um bem a ser adquirido, um padrão a ser alcançado. Foucault (1999) destaca que as questões pertinentes à prática da Medicina e da saúde têm uma relação direta com a economia e a política. O capitalismo socializou o corpo como força de produção, força de trabalho e o controle social sobre os indivíduos opera sobre o corpo. As práticas de saúde se inserem nesse processo de controle e disciplinamento.

Se o novo velho ganha visibilidade na publicidade, na mídia e até nas políticas públicas, é preciso manter um olhar crítico para até que ponto essa visibilidade é emancipadora e realmente produz um novo velho sujeito. O cuidado de si não é mais uma preparação para velhice, ou o “viver para ser velho” conforme pregado por Foulcault (2006a), mas antes é a fuga da velhice e do envelhecimento, é parecer jovem apesar da idade, é tolerar a velhice por meio de ideais de juventude como corpo,

consumo e atividade, seja física, de trabalho ou social. A velhice não é aceita ou pretendida, é tolerada desde que a aparência de juventude seja mantida.

No capítulo a seguir, o campo empírico deste trabalho ganha corpo e apresenta pessoas que, cada uma à sua maneira, estão a caminho de ser terceira idade, de aceitar a velhice e suas rugas, suas limitações de movimento, suas mudanças corporais. Há diferentes graus de aceitação da idade, diferentes formas de encarar o corpo envelhecido, de encarar essa etapa da vida. São subjetividades aprendendo os caminhos que levam ao envelhecer. São cidadanias em desenvolvimento, em busca do exercício de seus direitos.

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