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Para que seja possível uma compreensão da complexidade do processo de envelhecimento humano, em seus mais variados aspectos, é preciso que se considere a velhice muito mais do que o envelhecimento do corpo; as interações sociais e a delimitação social das diferentes etapas de vida devem ser levadas em consideração,

para uma análise mais profunda da velhice. Assim, conceitos como o de socialização podem auxiliar as reflexões que propomos a seguir.

Carrajo (1999) define socialização como um processo contínuo que se inicia com o nascimento e termina com a morte, no qual o ser humano adquire conhecimentos, habilidades e disposições para a sua atuação eficaz como membro de um grupo. Cabe salientar que a influência da socialização ocorre de forma diferente, de acordo com a etapa de vida em que se dá e que todas as etapas de vida são capazes de abarcar novas aprendizagens. O indivíduo molda-se conforme o contexto social em que está inserido e cada uma das idades cronológicas possui normas e regras específicas próprias.

Zimerman (2002 apud SILVA, 2008) argumenta, com relação aos aspectos sociais da velhice, que as mudanças de valores, os avanços tecnológicos e a adaptação a novos conceitos transformam o status social do idoso e suas relações sociais. Segundo a autora, há uma crise de identidade provocada pela ausência de papel e de função social – mudanças de papéis na família, na sociedade e no trabalho – que prejudicam a autoimagem dos velhos. Além disso, as perdas mais variadas – perda da autonomia, dos pares – a diminuição ou o afastamento total das relações sociais em função dos mais variados fatores, a identidade construída sobre a vida profissional, a correria da vida atual, a distância, as dificuldades das relações interpessoais e a aposentadoria nos levam a reflexão sobre o que fazer com esse tempo livre de modo que se evite o isolamento.

Para se falar em socialização na velhice ou da velhice faz-se necessário discorrer sobre a relação familiar nessa etapa de vida, uma vez que a família é o primeiro lugar da socialização. Segundo Debert (2012),

As pesquisas sobre a relação entre idosos e seus familiares, desenvolvidas no final dos anos 1960, mostram que os estereótipos de isolamento e abandono não expressam a condição da totalidade dos idosos, nem mesmo nos países de capitalismo avançado (DEBERT, 2012, p. 81).

A autora apresenta diversas pesquisas que demonstram que apesar de haver diversas mudanças nas relações familiares e nos arranjos de moradia, a tendência de os idosos morarem sós não é necessariamente reflexo de um abandono por parte dos familiares (SHANAS et al 1968; WALL, 1989; Cohler 1983 apud DEBERT, 2012). O

aumento da mobilidade e aperfeiçoamento das formas de comunicação à distância proporciona o que Rosenmayr e Koeckeis (1963 apud DEBERT, 2012) denominam “intimidade à distância” e não implica uma mudança qualitativa nas relações entre gerações na família. Pois, o fato dos idosos viverem com seus filhos não garante um envelhecimento bem-sucedido, nem que as relações se dão de forma mais amistosa, uma vez que o número de denúncias de violência física contra idosos é recorrente nos casos em que diferentes gerações convivem na mesma unidade doméstica (DEBERT, 2012). A autora acrescenta que “é a segregação espacial dos idosos que permite a ampliação de sua rede de relações sociais, o aumento do número de atividades desenvolvidas e a satisfação na velhice” (DEBERT, 2012, p. 84).

Debert (2012) faz um relato do argumento de Tornstam (1992 apud DEBERT, 2012) que apresenta duas concepções para a problemática do envelhecimento: a perspectiva da miséria e a perspectiva do idoso como fonte de recursos. Em suma, a perspectiva da miséria parte do pressuposto da velhice como uma existência sem significados com a perda de papéis sociais. Na perspectiva do idoso como fonte de recurso, o pressuposto é o oposto. O abandono e a solidão que caracterizam a experiência do envelhecimento na primeira perspectiva se opõem à imagem do idoso ativo, capaz de desenvolver respostas criativas às mudanças sociais, redefinindo assim, a experiência do envelhecimento. Mas, Tornstam (1992 apud DEBERT, 2012) apresenta que essa perspectiva pode simplificar as coisas ao considerar que os idosos ou aposentados que não se engajam em atividades, seja de trabalho ou de lazer, e não se envolvem na manutenção de cuidados corporais são seres problemáticos.

Há um desprezo a subjetividade de cada um na busca de igualar a todos ao novo ideal de produtividade emergente que dita aos velhos que não queiram se sentir velhos a forma adequada com a qual dirigir suas vidas.

Debert (2012) ressalta que a ideia de que o velho é vítima de um processo de pauperização e abandono familiar foi fundamental para lhe dar visibilidade na condição de ator político. Essa maior visibilidade muda a sensibilidade da sociedade brasileira aos problemas concernentes ao envelhecimento e à aposentadoria. Da mesma forma, a perspectiva do idoso como fonte de recurso, não obrigatoriamente significa que a experiência dos velhos ganhou maior visibilidade, nem que as novas imagens do envelhecimento são modelos representativos da velhice no Brasil ou em

qualquer outro lugar no mundo. Ao exaltar os velhos que mantém um estilo de vida ativo e saudável e que fazem uso das técnicas de manutenção corporal difundias pela mídia, essa perspectiva torna os problemas ligados à velhice, como o isolamento e a doença, culpa exclusivamente dos velhos. A autora destaca ainda que “velho” não é uma categoria de auto identificação nem nos programas voltados para o envelhecimento bem-sucedido, nem nas associações e nem mesmo nos asilos. Nos mais variados contextos, o velho é sempre o outro e a velhice é considerada um drama em qualquer idade. Beauvoir (1970) já havia afirmado isso em seu livro “A velhice”, ou seja, mesmo com o avanço dos anos as mudanças em torno da velhice são poucas e lentas.

Apesar disso, a criação do velho como um ator político estabeleceu laços sociais entre indivíduos heterogêneos em variados aspectos, tornando a solidariedade entre gerações e a dimensão moral das políticas uma questão fundamentalmente de cidadania. Debert (2012) denomina o que ocorre atualmente como uma “reprivatização da velhice”, que é produzida a partir do discurso gerontológico amplamente veiculado na mídia, juntamente com os espaços sociais criados em torno do envelhecimento. A desnaturalização da velhice, ou seja, considerar a velhice como culpa do sujeito, sem considerar que o corpo naturalmente passa pelo processo de envelhecimento, responsabilizando exclusivamente o velho por sua situação de velho, e dos problemas que ela pode acarretar possibilita o desaparecimento do envelhecimento do centro das preocupações sociais, uma vez que sob essa ótica a responsabilidade sobre o envelhecimento passa a ser individual, só envelhece quem quer e permite a chegada da velhice. Considerando essa visão do problema os gerontólogos correm o risco de se transformar em participantes ativos de uma nova “conspiração do silêncio” como diria Beauvoir (1970).

Como visto ao longo deste capítulo, através das limitações que a idade impõe biologicamente ao corpo surgiram as primeiras reflexões da Medicina sobre o envelhecimento e, consequentemente, de outros campos do saber; que forjaram na História uma imagem do velho que está fortemente ligada à degenerescência e a decreptude. O corpo velho é o primeiro lugar em que a idade aparece e o lugar no qual, com mais frequência e dificuldade, tentamos disfarçá-la. No capítulo a seguir, propõe-se uma reflexão sobre este corpo que envelhece e sobre as responsabilidades do indíviduo quanto a esse envelhecimento.

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