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Contexto

No documento TESE FINAL carla Galego (páginas 142-148)

CAPÍTULO III – A Europeização das Políticas Educativas e a Construção do Espaço

7. Europeização da educação superior: contexto, percurso e mecanismo

7.1. Contexto

A arena na qual as transformações sociais, culturais, políticas e económicas têm vindo a ocorrer, nas últimas quatro décadas, é comummente designada por globalização.

O debate em torno da globalização é vasto, assim como são vastas as suas definições109. No entanto, a globalização tem sido definida como um processo

caracterizado pela intensificação das relações sociais mundiais estabelecidas entre o local e o global, dando origem a novas formas de interacção e intercâmbios impossíveis e impensáveis noutros tempos. Esta intensificação das relações sociais encaminha-nos para processos de mudança social mais vastos, pela sua interferência em todas as dimensões da vida humana, levando alguns autores a falar de uma «nova ordem social» (Castells; 2002, 2003; Giddens, 2000, 2004; Held & McGrew, 2004; Schirato & Webb, 2004). Falar em globalização é falar então das grandes complexidades das sociedades modernas, que abarcam os mais variados segmentos da sociedade, que vão do mundo empresarial à política, dos meios de comunicação social à educação.

Apesar da tendência inicial para se caracterizar a globalização como um forte agente homogeneizador das sociedades, o desenvolvimento individual das nações demonstrou o quão heterogéneo podem ser os seus efeitos. Diz-nos Dale (1999) que, apesar de a globalização representar um novo conjunto de regras, tal não significa que estas sejam seguidas de igual modo por todos os Estados. Quer isto dizer que a nova retórica da política global está na prática a ser interpretada e aplicada de diferentes maneiras nos mais distintos locais (Green, 2002), consoante estes sejam países centrais, semiperiféricos ou periféricos. Neste sentido, a globalização é consensualmente aceite como sendo um processo histórico com desenvolvimentos desiguais e transformações parciais e contingentes das estruturas políticas, económicas e sociais, com práticas e relações sociais que envolvem a desnacionalização e a transformação das políticas, do capital, das subjectividades políticas e dos espaços urbanos (Robertson & Dale, 2008),

109 São várias as obras que se dedicam a este tema e discussão. A título de exemplo indicam-se aqui duas

dessas obras: David Held & Anthony McGrew (Eds). (2004). Global Transformation Readers: An

Introduction to the Globalization Debate. Cambridge: Polity Press; Manfred B. Steger (2009). Globalisation: A Short Introduction. Oxford: Oxford University Press.

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levando autores como Santos (2001) e Torres (2010) a falar em globalizações, em vez de globalização.

Embora na história mundial se tenha assistido a outros períodos de rápida internacionalização, a intensificação do processo de globalização ocorre sobretudo a partir da década de 1970, emergindo de um conjunto particular de circunstâncias ocorridos com o declínio dos acordos políticos e económicos do pós-segunda guerra mundial conhecidos como «Acordo de Bretton Woods»110 (Dale, 1999). Esse conjunto

de circunstâncias resume-se, na perspectiva de Robertson e Dale (2008), a três grandes acontecimentos: a) desintegração no início da década de 1970 das economias ocidentais; b) a emergência de políticas económicas neo-liberais; e, c) os novos desenvolvimentos tecnológicos nos anos 1980 e o colapso em 1989 do muro de Berlim.

Harvey (2005) apresenta um outro conjunto de circunstâncias. Para este autor, essas circunstâncias ocorrem entre os anos de 1978 e 1980, e representam um «ponto de viragem revolucionário» («revolutionary turning-point») na história económica e social do mundo, que consagram o neoliberalismo como globalização hegemónica111. Essas

circunstâncias são: a) em 1978, os primeiros passos dados por Deng Xiao Ping para a liberalização da economia comunista chinesa, que tornaram este país, em duas décadas, um centro aberto do capitalismo dinâmico com taxas de crescimento sem paralelo na história da humanidade; b) também em 1978, a nomeação de Paul Volcker como governador da Reserva Federal americana, que, em poucos meses, mudou dramaticamente a política monetária; c) em 1979, a eleição de Margaret Thatcher como Primeira-ministra no Reino Unido com um mandato de submeter os sindicatos e de pôr fim à estagnação inflacionária em que o país estava mergulhado na última década; e, d) em 1980, a eleição de Ronald Reagan como Presidente dos EUA, com a consequente decisão de manter Paul Volcker e de apoiar as suas políticas de diminuir o poder dos sindicatos, desregular a indústria, a agricultura e a extracção dos recursos, e libertar os poderes da finança, tanto interna como externamente. Na perspectiva deste autor, a nova configuração económica decorre da intenção de transformar a doutrina económica neoliberal no princípio do pensamento económico e do «management».

110 Este acordo foi estabelecido em Julho de 1944, na cidade de Bretton Woods, Estados Unidos, onde

entre outras coisas foi definido que o dólar seria a moeda de referência no sistema financeiro internacional. Este acordo esteve também na base da criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.

111 Para uma compreensão sobre as origens do neoliberalismo sugere-se a leitura A. Teodoro no seu

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Apesar do impacto da economia, em particular a economia neoliberal iniciada com as políticas de Margaret Thatcher e Ronald Regan, ser a parte mais visível do iceberg, outras dimensões da sociedade são, como anteriormente já se aludiu, afectadas (Dale, 1999; Robertson & Dale, 2008, Santos, 2001, 2008).

O conceito de globalização(ões) é tão poderoso que conceitos como neoliberalismo, Estado, reestruturação, reforma, gestão, feminismo, identidade, comunidade, multiculturalismo, novos movimentos sociais, cultura popular e o local (por oposição a/em relação ao global), estão, de novo, a ser trabalhados e repensados em função dessa nova realidade, de modo a que se possa compreender melhor os impactos da globalização(ões) nas políticas e práticas educativas (Burbules & Torres, 2000). O repensar destes conceitos chave no processo educativo sugere mudanças fundamentais no caminho que as sociedades estão a tomar nas políticas, nos contextos e nas práticas educacionais (Burbules & Torres, 2000; Dale, 1999, 2001, 2003, 2005b, 2007; Green, 2002, 2003, 2007; Nóvoa, 1998; Santos, 2001, 2008).

Dale tem vindo a desenvolver, desde os finais dos anos de 1990, uma teoria sobre os efeitos da globalização na educação112. Centrando a sua análise e reflexão nas

transformações ocorridas no campo das políticas educativas, afirma que os efeitos da globalização na educação são indirectos e produzidos por múltiplos factores que emergem da própria globalização que os Estados-nação ajudaram a construir (Dale, 1999). Significa isto que, embora os Estados nacionais sejam os principais e os mais activos agentes da globalização, encontram-se num processo de re-colocação ou deslocação. Isto é, a base do Estado soberano e autónomo, tomado como garantido pela sociologia, tem sofrido uma grande erosão, provocando a sua «ectopia» (Dale, 2003, 2005b, 2007) e fazendo emergir novas formas de actuação, envolvendo novas escalas e novos actores (Antunes, 2008b; Dale, 2003, 2005b, 2007). Do ponto de vista conceptual, a base desta «ectopia» está nos «efeitos indirectos» que a globalização produz ao nível da governação, regulação e soberania do Estado, em consequência da

112 Uma outra abordagem tem vindo a ser desenvolvida na procura de uma maior compreensão da relação

entre a globalização e a educação. Segundo Dale (2001), essa abordagem é designada por «Cultura Educacional Mundial Comum» (CEMC) e tem sido desenvolvida por John Meyer e sua equipa. Embora apresente algumas semelhanças com a abordagem de Dale da «Agenda Globalmente Estruturada para a Educação» (AGEE), corresponde a um projecto completamente diferente. Para a compreensão das semelhanças e diferenças entre estas duas abordagens teóricas sugere-se a leitura do seguinte texto: Dale, R. (2001). Globalização e Educação: Demonstrando a existência de uma «cultura educacional mundial comum» ou localizando uma «agenda globalmente estruturada para a educação? Educação, Sociedade e

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própria reorganização das prioridades do Estado em função da sua capacidade internacional para competir.

Na prossecução de uma melhor compreensão dos efeitos da globalização na educação, Dale (2003, 2005b, 2007) erigiu três tipos de categorias analíticas que correspondem a diferentes tipos de efeitos113: os «efeitos directos», onde a educação é

vista como uma mercadoria a negociar no mercado global; os «efeitos colaterais», visíveis em fenómenos sociais como as migrações, trabalho infantil e competição em contexto doméstico; e os «efeitos indirectos», que, embora não sejam direccionados para a educação, têm consequências profundas e previsíveis nos sistemas educativos nacionais. Dando uma maior atenção aos «efeitos indirectos», Dale (2003, 2005b, 2007) refere que estes são produzidos a partir de três fontes interligadas. A primeira tem a ver com a «constitucionalização do neoliberal», que tem no neoliberalismo a força motriz da ideologia da globalização. O tipo de mudança envolvida por esta fonte prende-se com a transformação dos padrões de organização dos sistemas educativos. A segunda fonte tem a ver com um “conjunto de respostas colectivas dadas voluntariamente pelos Estados, cedendo elementos da sua autonomia ou soberania para protegerem os seus próprios interesses melhor do que poderiam fazê-lo individualmente” (Dale, 2005b, p. 67). Aqui as mudanças são sentidas ao nível da governação das políticas educativas. A terceira fonte geradora de efeitos colectivos é a chamada globalização da produção. Esta última subdivide-se em outros dois efeitos: a mudança global na divisão do trabalho; e, a mudança nas formas de regulação dos Estados em virtude do afastamento da actividade económica no plano nacional. As mudanças produzidas nesta terceira fonte são sentidas nas duas primeiras fontes.

Neste contexto, as transformações decorrentes do processo de globalização conduzem a uma qualitativa alteração da natureza e das funções do Estado (Dale, 1999; Green, 2002), produzindo novos modos de governação e regulação na educação, provocando a fragmentação dos sistemas nacionais de educação, cuja distribuição das suas actividades se encontra agora repartida em «multi-escalas» e «multi-sectores»

113 Dale utiliza o conceito «efeito» com algumas reservas por este poder ser facilmente entendido como

significando uma relação exclusiva de cima-para-baixo ou unidireccional entre globalização e Estados. Querendo afastar-se deste pré-conceito, este autor refere que os Estados do Ocidente estão entre os mais fortes agentes de globalização e podem “ser considerados participantes ou parceiros voluntários e responsáveis na relação com os outros agentes da globalização (especialmente outros Estados com quem estabelecem o tipo de acordo que a promovem) e não vítimas mais ou menos indefesas” (Dale, 2005b, p. 65).

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(Dale, 2003, 2005b, 2007), envolvendo novos actores, novos modos de pensar a produção e distribuição do conhecimento e novos desafios na distribuição de oportunidades de acesso e mobilidade social (Robertson & Dale, 2008). A fragmentação dos sistemas nacionais de educação decorrentes da ectopia do Estado conduzem Robertson e Dale (2008) a sugerir que os Estados modernos deparam-se, na actualidade, com a maior transformação de sempre dos sistemas de educação, em termos de:

 novos mandatos para a educação que (re)direcionam as políticas educativas;

 mobilização de recursos humanos e fiscais que enfatizam a eficiência, a eficácia e a prestação de contas;

 novos modos de governação que (re)configuram as relações entre o Estado e a sociedade civil, entre o público e o privado, entre os cidadãos e as comunidade.

Com um posicionamento distinto, Green (2002) afirma que a globalização ainda não corroeu o controlo dos Estados-nação sobre educação, apesar de considerar que o poder supranacional aumentou a sua influência em outras áreas sociais. Refere também que a influência supranacional oriunda de instituições internacionais, como a OCDE ou o Banco Mundial, apenas surte efeitos em países mais fracos. Santos (2001) distingue-se de Green ao defender que a globalização reduz e enfraquece os poderes do Estado, mas aproxima-se de certa forma deste ao considerar também que a soberania dos Estados mais fracos está directamente ameaçada, não pelos Estados mais poderosos, mas pelas agências financeiras internacionais e outros agentes transnacionais privados.

Ao contrário de Dale (2003, 2005b, 2007) que afirma que os Estados nação cedem voluntariamente elementos da sua autonomia ou soberania para melhor protegerem os seus interesses nacionais, Green (2002) considera que a educação continua a ser uma competência nacional que poucos Estados estão dispostos a ceder, em virtude das tradicionais funções da escola na transmissão das culturas nacionais e na promoção da coesão social. O argumento utilizado por este autor é que os governos não cedem as suas responsabilidades sobre os sistemas de educação porque o Estado não tem outro agente público para promover a coesão social. Assim sendo, os sistemas de educação não se estão a tornar num único modelo, apesar da influência das agências transnacionais e da proliferação das políticas de empréstimo. Porém, Green (2002) reconhece que, em certos aspectos chave, a globalização altera o traçado dos tradicionais sistemas de educação nacional. Esse impacto é mais notado nas

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competências e nas qualificações exigidas pela escola que, pela dificuldade que o Estado tem em realizá-las, aumenta a atracção de investidores do sector privado. Relacionado com a profissão académica, o impacto da pressão e da dimensão global e internacional é um processo que começou fora das instituições de ensino superior, motivo pelo qual levou algum tempo a ser sentido no dia-a-dia das práticas académicas. Mas, como argumenta Marginson (2000), o «santuário interno» do trabalho docente não está a salvo do processo de mudança organizacional, sendo “cada vez mais difícil escapar da dimensão global (…) [e] manter uma prática académica confiável, que não seja internacionalmente competente” (p.26).

Retomando a linha de pensamento de Robertson e Dale (2008) no que à educação superior diz respeito, o novo mandato para a educação, isto é, o que é desejável que a educação superior seja, alicerça-se em quatro áreas distintas, as quais constituem uma «agenda globalmente estruturada» (Dale, 2000, 2001). Assentes na reforma baseada na evidência («evidence-based reform»), essas áreas são, segundo Torres (2006), a eficiência e prestação de contas, a acreditação e universalidade, a competitividade internacional e a privatização.

Assim, no contexto das actuais sociedades altamente globalizadas e em «transição»114 (Santos, 2001), abordar analiticamente as políticas educativas de um país

implica a referência a racionalidades que transcendem as fronteiras desse mesmo país, superando aquilo Robertson e Dale (2008) designam de «nacionalismo metodológico» («methodological nationalism»). Isto é, o «nacionalismo metodológico» toma o Estado nação como uma inquestionável unidade de análise, correndo o risco de deixar passar a interdependência entre os diferentes países e reificar a equação entre a nação, o estado e a sociedade. Significa isto que as metamorfoses dos sistemas políticos desafiam a teoria científico-social, bem como os instrumentos conceptuais disponíveis (Antunes, 2008b; Santos, 2001).

No caso concreto das políticas educativas de ensino superior desenvolvidas em Portugal e em Espanha tal exercício é um imperativo, dadas as condições geopolíticas e económicas em que ambos os países se encontram inseridos internacionalmente. A

114 Santos (2001), face à intensificação das interacções económicas, políticas, culturais e transnacionais,

ocorridas nas últimas décadas, considera legítima a reflexão acerca da questão em se saber se actualmente se vive ou não um período de pós-globalização. Procurando responder a esta questão, defende que nos encontramos numa época de transição, a qual designa de «sistema mundial em transição». Trata-se de “um período de grande abertura e indefinição, um período de bifurcação cujas transformações futuras são imperscrutáveis” (Santos, 2001, p. 94).

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União Europeia, a que ambos pertencem desde 1986, é definida como um processo regional iniciado há algumas décadas atrás e que resulta de uma progressiva reestruturação das relações sociais europeias na política global, conduzido por forças sociais, políticas e económicas com poder e forte representação, tanto a nível dos governos como da chamada sociedade civil (Robertson, 2006).

É no contexto das estratégias de integração internacional dos países europeus que se configura o desenvolvimento da europeização das políticas educativas do ensino superior, compreendida como um processo de resposta regional aos desafios da globalização. O início deste processo antecede a integração de Portugal e Espanha no seu seio da União Europeia, como se verificará no ponto seguinte.

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