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Mecanismo

No documento TESE FINAL carla Galego (páginas 159-165)

CAPÍTULO III – A Europeização das Políticas Educativas e a Construção do Espaço

7. Europeização da educação superior: contexto, percurso e mecanismo

7.3. Mecanismo

À medida que a europeização das políticas educativas de ensino superior foi fazendo o seu percurso de integração europeia foram também sendo desenvolvidos e agilizados mecanismos de actuação política para ajudar a viabilizar o processo de articulação das políticas nacionais de educação superior em torno de prioridades e objectivos comuns ao nível da União Europeia. Aliás a própria arquitectura institucional da Comunidade Europeia foi também ela reestruturada, passando de uma arquitectura institucional assente em pilares, em vigor desde o Tratado de Maastricht 1992 (o Pilar das Comunidade Europeias, Pilar da Política Externa e de Segurança Comum e o Pilar da Cooperação Política e Judiciária em Matéria Penal), para uma estrutura repartida por competências, estabelecidas pelo Tratado de Lisboa 2009 (Competência Exclusivas, Competências Partilhadas e Competências de Apoio). Esta reestruturação institucional converteu a União Europeia em «pessoa jurídica». Sob o argumento que a estrutura da União Europeia se deveria simplificar, esta reestruturação permitiu criar sinergias que permitiram à União Europeia actuar com maior propriedade e legitimidade sobre assuntos tradicionalmente de âmbito nacional, como é o caso da educação superior. No quadro desta nova arquitectura institucional, a educação enquadra-se no âmbito das Competências de Apoio – estrutura que promove e coordena as políticas nacionais.

Assim, depois de importantes e pioneiras décadas de cooperação voluntária (Damme, 2009) no âmbito de programas comunitários, como os Programas Erasmus, Sócrates, Leonardo ou Tempus, a europeização das políticas educativas do ensino superior ensaia a sua maturidade, ao constituir formal e explicitamente um nível de governo supranacional (Antunes, 2008b). É a partir da década de 2000 que se evidencia um processo de convergência mais estruturado com vista ao estabelecimento de um Espaço Europeu de Educação Superior126, que inaugura não só um novo processo

126 Damme (2009) considera que são vários os factores (que mutuamente se reforçam) que conduziram ao

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político e inovador mas também um novo método e objecto (Antunes, 2008b). Esse novo processo político resulta da congregação da vontade política de um amplo leque de Estados membros em edificar uma plataforma supranacional, cuja inovação se revela na aplicação de um modelo inédito na regulação supranacional, ao assumir contornos continentais, e uma institucionalização mínima assente em grupos de seguimento e de coordenação formados em cada Conferência Ministerial. O método utilizado aproxima- se do Método Aberto de Coordenação (MAC) e o objecto é a construção do Espaço Europeu de Educação Superior (Antunes, 2008b).

Tal processo não foi formalmente vinculado por instrumentos jurídicos europeus, mas baseado na cooperação intergovernamental (Damme, 2009) e no prosseguimento de princípios europeus sem excessiva regulação burocrática (Antunes, 2008b). Dito de outro modo, os avanços na arena da Educação Superior só foram possíveis graças a um enquadramento político entre dois mecanismos de governação ao serviço da Comunidade Europeia: «soft governance» e «hard governance». Neste enquadramento de governação, a Educação Superior situa-se no âmbito da «soft governance» cuja governação é conduzida por um conjunto de recursos em detrimento da regulação da governação (Robertson, 2006).

Para a concretização efectiva do reposicionamento estratégico da União Europeia era necessário um novo motor político, assente na criação de “um centro político de governação a nível europeu com capacidade para coordenar as várias políticas e para as adaptar a cada contexto nacional (Rodrigues, 2003). As decisões da Estratégia de Lisboa reforçaram esse centro de governação sob três formas (Rodrigues, 2003):

a) conferiu ao Conselho Europeu um maior papel de coordenação das várias formações do Conselho de Ministros, dedicando a reunião anual de primavera à monitoragem desta estratégia; b) estabeleceu as sinergias entre políticas macro-económicas,

estruturais de emprego através de grandes orientações de política económica;

a) muitos anos de relativa espontaneidade das políticas de internacionalização a nível institucional e nacional, tornaram o terreno fértil para uma reforma mais estrutural com vista a de estabelecer um Espaço Europeu verdadeiramente integrado de Ensino Superior;

b) a estrutura do processo de reforma efectuada de baixo-para-cima, com a organização das instituições, representação dos estudantes e redes de garantia e qualidade, garantindo um processo político inclusivo, conduziu a uma estrutura política de governação única;

c) a natureza «soft» da direcção intergovernamental, relacionada com a emergente popularidade das noções de «soft governance» e método aberto de coordenação, deixa espaço suficiente para o desenvolvimento da política nacional, para com a ideia de «subsidiariedade» e para as confusões de confiança das parte interessadas e dos parceiros sociais.

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c) adoptou um método aberto de coordenação entre Estados- membros aplicado a diferentes políticas, intensificando a tradução das prioridades europeias para as políticas nacionais.

Detendo-se a atenção sobre esta última alínea, pode-se dizer que os processos políticos que incorporam as várias características do MAC emergiram ao longo dos anos 1990 (Radaelli, 2003). Este método, segundo Radaelli (2003) teve como principal fonte de inspiração o processo do Luxemburgo (1997), que procurava suplantar as dificuldades políticas sobre o emprego. Assim, como descreve Rodrigues (2003) sob a pressão política desta Cimeira

foi possível adoptar linhas directrizes qualitativas comuns, efectuando algumas escolhas políticas para reformar os mercados de trabalho europeu. Depois disso, foi organizado um processo no qual os Estados-membros se emulam uns aos outros na sua aplicação, estimulando a troca de boas práticas e definindo metas específicas tendo em conta as características nacionais. A Comissão Europeia apresenta a proposta de linhas directrizes europeias, organiza o seu acompanhamento e pode fazer recomendações aos Estados-membros. (p.5)

Após três anos de definição, o MAC é concebido para desenvolver a dimensão europeia em novas áreas políticas (Rodrigues, 2003, Veiga & Amaral, 2009), sendo introduzido na Estratégia de Lisboa como um novo procedimento para conjugar o “reforço do papel de orientação e coordenação desempenhado pelo Conselho Europeu, por forma a assegurar uma direcção estratégica mais coerente e um acompanhamento mais eficaz dos progressos realizados” (Estratégia de Lisboa, 2000).

O MAC, enquanto mecanismo ao serviço da europeização das políticas educativas de ensino superior, representa um novo estilo de trabalho no quadro de cooperação entre os Estados-membros com vista à convergência de políticas nacionais em prol da consecução de objectivos comuns, com base na aprendizagem recíproca e recorrendo a uma bateria de indicadores, valores de referência e intercâmbio de boas práticas, bem como da avaliação entre os pares (Antunes, 2008b). Com base neste método, os Estados-membros são avaliados por outros Estados-membros, competindo apenas à Comissão Europeia a função de vigilância127. Esta vigilância, segundo Antunes

(2008b), é o elemento crucial do MAC, cuja determinação dos procedimentos de controlo do grau de consecução das políticas nacionais se processam «a posteriori», em

127 Para além da educação, o MAC abrange outros domínios da competência dos Estados-membros. Esses

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função de resultados medidos com base em parâmetros e indicadores padronizados que resultam de um trabalho técnico-administrativo de racionalização e codificação de dimensões e processos sociais referenciáveis às sociedades e aos sistemas de educação e formação” (p. 24) representando um papel axial na edificação do processo de regulação supranacional das políticas nacionais de educação superior (Antunes, 2008b). Como refere Antunes (2008b), este método “não impõe fins nem define medidas, sendo as vias de execução política controladas através de parâmetros e indicadores conhecidos, regularmente aferidos e publicamente divulgados” (p. 24).

Embora a questão da autonomia dos Estados seja uma bandeira na aplicação deste método, na verdade não passa de uma falsa questão configurando novos modos de governação política. A governação nacional baseada no MAC responde agora à matriz política cujos objectivos têm normalmente o alcance de uma década (Antunes, 2008b), que representam a transposição da lógica empresarial de trabalho com fortes conexões à matriz patente no chamado novo managerialismo público na gestão educativa. Segundo Antunes:

a aparente clareza e relativa neutralidade dos objectivos intermédios, em contraste com a nebulosa meta final, que parece favorecer a adesão de múltiplos protagonistas envolvidos, já que aquela fórmula pode condensar e compatibilizar os diversos significados relevantes que cada um pretenda nela inscrever; apenas o desenvolvimento do processo permitirá esclarecer quais os efeitos possíveis e efectivados da conjugação da realização das linhas de acção previstas. (Antunes, 2008b, p. 36)

Na ausência de restrições legais ou de coordenação de política formal, a capacidade de coordenação MAC está baseada num conjunto de restrições externas às autoridades nacionais, restrições essas resultantes da pressão adaptativa (Radaelli, 2003) ou, segundo Veiga e Amaral (2009), de pressões normativas e miméticas as quais funcionam como sendo principais motores de mudança institucional. Segundo Radaelli (2003), para entender o potencial do MAC na mudança política deve-se olhar para os países sob pressão adaptativa. Para Radaelli (2003), os países do sul da Europa estão sob pressão adaptativa no emprego e inclusão social, ao passo que o Reino Unido e a Irlanda precisavam adaptar a inclusão social e as orientações fiscais. Em 2003, altura em que Radaelli apresentou o relatório The Open Method of Coordination. A new governance architecture for the European Union?, por solicitação do Instituto Sueco

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para o Estudo das Políticas Europeias (Sieps)128, questionava-se se de facto os sistemas

políticos nacionais iriam ou não mudar em resultado da pressão adaptativa. Esta posição deveu-se a ter concluído, no relatório, que a divergência entre o modelo da UE e os arranjos nacionais era muito grande. Refere o autor que a mudança é “que não haverá mudança: inércia ou mesmo redução de despesas será o resultado mais provável (…). A identificação dos objectivos fundamentais da UE permanece vaga, é pouco provável que os governos venham realmente adaptar-se e «europeizar» a sua política” (Radaelli, 2003, p.47). Na sequência do relançamento da Estratégia de Lisboa, em 2005, reorientada para o crescimento e para o emprego na Europa, esta tendência reverteu-se. A situação actual contradiz a previsão deixada por Radaelli em 2003, pelo menos no caso da adaptação e europeização das políticas nacionais em matéria de educação superior. O que se verifica é uma forte adesão às directrizes europeias na prossecução da construção de um Espaço Europeu de Educação Superior, adesão essa que, por outros motivos, extrapola as fronteiras políticas e geográficas da própria União Europeia.

No entanto, são observadas algumas críticas ao MAC enquanto mecanismo ao serviço da coordenação europeia. Uma delas é que o MAC pode não produzir e garantir bons níveis de coordenação ou participação alargada a todos os intervenientes revelando assim a sua fragilidade na coordenação das políticas. Radaelli (2003) defende ainda no seu relatório que os maus resultados do MAC (àquela data), em termos de aprendizagem, reflectem a falta de participação e envolvimento político de baixo-para- cima. Volvidos praticamente dez anos, a falta de participação a este nível ainda se mantém, fazendo-se a gestão do método num diálogo entre dois níveis de governação, de cima-para baixo, ainda que com um certo declive entre a escala global (União Europeia) e a nacional (Estados-membros). Ficam de fora os contributos dos principais agentes da educação onde, entre outros, se encontram os profissionais académicos, contradizendo na prática o que muitos advogam na teoria: que o MAC é uma abordagem totalmente descentralizada, aplicada em conformidade com o princípio da subsidiariedade, em que a União, os Estados Membros, os níveis regionais e locais, bem como os parceiros sociais e a sociedade civil, estarão activamente associados, através do recurso a formas variáveis de parceria (Veiga & Amaral, 2009). Assim, em vez de

128 Relatório apresentado em 2003, a pedido do Instituto Sueco para o Estudo das Políticas Europeias

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fortalecer a participação de todas as partes interessadas na formulação de políticas, o MAC parece favorecer principalmente os administradores nacionais (Veiga & Amaral, 2009). Segundo Maassen e Musselin (2009), esta é uma consequência da própria utilização do MAC.

Deste modo, a maneira como o MAC é elaborado e desenvolvido acarreta importantes e significativas mudanças nos modos de governação nacional que, ao contrário do que advoga Rodrigues (2003), exclui os grupos sociais, os interesses e actores presentes nos contextos concretos da educação, quer do processo de elaboração, quer da avaliação da concretização da política (Antunes, 2008b). Desta forma, abrem-se índícios de uma desdemocratização das sociedades em favor da inevitabilidade de um mandato que legitima o discurso e a actuação dos governos nacionais que, mais preocupados do que responder às necessidades do contexto nacional, procuram atingir as metas europeias. Para Rodrigues, “o método aberto de coordenação pode (…) tornar- se um importante instrumento para melhorar a transparência e a participação democrática” (p.8) sendo um processo que permite “envolver os parceiros sociais e outros actores da sociedade civil” (p.15). Apesar das críticas apresentadas, inerentes às tensões entre a lógica da cooperação entre pares e a tensão decorrente da despolitização necessária para favorecer os processos de aprendizagem entre especialistas (Radaelli, 2003), a Comissão, confinada à sua competência técnica, ao seu conhecimento sobre as questões políticas e ao seu orçamento generoso, tem vindo a ganhar força por via informal (Veiga & Amaral, 2009).

Paralelamente a este mecanismo de actuação política, a Comissão criou várias plataformas estratégicas com vista a alcançar os objectivos delineados na Estratégia de Lisboa. Embora o processo de Bolonha tenha estado ausente no início da agenda da Estratégia de Lisboa, actualmente é um processo que lhe é intrínseco. A União Europeia agregou o processo de Bolonha à Estratégia de Lisboa para potenciar o grande objectivo desta: a criação de uma economia europeia baseada no conhecimento. No campo da educação superior o processo de Bolonha é a plataforma europeia que mais visibilidade tem e aquela que objectiva e explicitamente conduziu a reformas mais profundas nas políticas dos sistemas educativos nacionais. No próximo ponto é a essa plataforma que maior atenção se dará.

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8. O processo de Bolonha e a construção do EEES – um contexto em configuração

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