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Empréstimos Lexicais no Inglês Médio

1. Contexto Histórico

A vitória de Guilherme o Conquistador em solo britânico foi não só um marco fundamental na história política de Inglaterra como também um importante ponto de viragem na sua história linguística. A colonização normanda que sobreveio a 1066 trouxe consigo diversos factores que ditaram de um modo decisivo o futuro da língua inglesa: a substituição da velha nobreza inglesa (substancialmente dizimada em Hastings) por nobres normandos fiéis a Guilherme e, por outro lado, o controlo dos altos cargos clericais pelo povo dominador4 tive-ram uma influência determinante no estatuto da língua invasora. Com efeito, uma clara situação de diglossia cedo se delineou: o francês, falado pelas classes altas, era a língua de prestígio, ao passo que o inglês, relegado para o uso das massas, rapidamente perdeu qualquer tipo de relevância sociopolítica. Como referem Baugh e Cable (1993:113), «English was now an uncultivated tongue, the language of a socially inferior class». Daí a sobrevivência da língua inglesa ao nível essen-cialmente oral, uma vez que a literatura cortesã passou a ser produ-zida, em larga medida, em francês.

Com o dealbar do séc.XIII, no entanto, assistiu-se a uma signifi-cativa alteração deste panorama. A perda da Normandia, em 1204, viria a marcar o início de um processo em que a consciência nacionalista dos ingleses se desenvolveria, contrariamente à progressiva perda de identidade e orgulho nacionais por parte dos normandos. O afrou-xamento dos laços territoriais com o Continente e, paralelamente, o AS PALAVRAS E O TEMPO: EMPRÉSTIMOS LEXICAIS NO INGLÊS MÉDIO 57

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carácter dialectal do francês falado pela nobreza normanda em Ingla-terra foram, gradualmente, colocando em perigo a prevalência da língua estrangeira sobre o inglês. Como B.Strang (1970:217) faz notar, o «Norman-French» já era, por esta altura, «essentially a distinct language, Anglo-Norman». A natureza provinciana do falar normando, motivo de um certo escárnio por parte das elites continentais, deu, de facto, um contributo importante para o declínio do francês além--Mancha. Entretanto, sobretudo na segunda metade do séc.XIII, a língua inglesa foi fazendo avanços: Baugh e Cable (1993:132) dizem--nos que «English was becoming a matter of general use among the upper classes». O estatuto de língua culta estava ainda, contudo, reser-vado ao francês, apoiado pela tradição oral e pelas convenções polí-tico-administrativas. Esta fase, como veremos depois, foi particular-mente rica em empréstimos lexicais.

Um outro acontecimento político viria a ser relevante para a defi-nitiva aceitação da língua nacional. A Guerra dos Cem Anos (1337-1453) transformou o francês na língua do inimigo, e os sentimentos de hostilidade para com os rivais continentais ajudaram à consolidação do inglês. Com efeito, o séc. XIV assistiu à adopção generalizada da língua inglesa, tanto nas classes cultas como incultas, tal como suge-rem diversos testemunhos de contemporâneos5. Dois passos decisivos neste processo foram, sem dúvida, a introdução do inglês nas escolas (1348-9) e nos tribunais (1362)6. A crescente ignorância do francês no séc.XV, em termos de comunicação oral, foi acompanhada pelo progressivo uso do inglês ao nível da produção escrita. Com o reco-nhecimento literário do idioma anglo-saxónico atingir-se-ia o degrau que faltava ao domínio absoluto da língua nacional.

2. Diversidade

Quando Chaucer lamentou o facto de existir «so gret diversite / In Englissh, and in writyng of oure tongue»7, estava certamente a refe-rir-se à ausência de um padrão nacionalmente reconhecido de orto-——————————

5 Veja-se o poema citado em epígrafe. Baugh e Cable (1993:140-2) citam outros autores.

6 Cf. B.Strang (1970:219) e Baugh e Cable (1993:145-7).

7 Leia-se «uma tão grande diversidade /No inglês e na escrita da nossa língua». Cf. Geoffrey Chaucer, Troilus and Criseyde (texto escrito por volta de 1385-90). Apud Baugh e Cable (1993:185).

grafia do inglês. Com efeito, a notável variedade que caracteriza a língua inglesa deste período – problemática tanto para os contemporâ-neos como para os estudiosos de hoje – deve-se em larga medida à falta de uma norma escrita, cuja função é camuflar as variações regionais e individuais que todas as línguas manifestam. No Inglês Médio, a riqueza dialectal e as profundas mudanças operadas pela coexistência de comunidades bilingues viram-se, de facto, favorecidas pela secun-darização que o inglês escrito sofreu, tanto a nível literário como polí-tico-administrativo. Por outro lado, o papel dos escribas é aqui de salientar: contrariamente ao que acontecera no período anterior, uma espantosa flexibilidade na ortografia teve lugar a partir do séc. XII, o que contribuiu para o relaxamento do carácter conservador ine-rente à escrita.

A diversidade da língua inglesa nesta «linguistically malleable age»8

ocorre então, em grande parte, no plano regional. Como B.Strang (1970: 224) sublinha, «Middle English is, par excellence, the dialectal phase of English». A tripla divisão em «Northern», «Southern» e «Midland» data já do séc. XIV9, mas ainda hoje vigora, com maiores ou me-nores especificações. O dialecto «Midland», sobretudo, tem sido fre-quentemente subdividido em Leste e Oeste, considerando-se o «East Midland» como aquele que formou «the basis of the modern language of standard speech and literature»10. Algumas diferenças fundamen-tais entre os dialectos do Norte, Centro e Sul são sucintamente apre-sentadas por Baugh e Cable (1993:185-7). A terminação do plural no presente do indicativo, por exemplo, era no Norte -es, no Centro -en e no Sul -eth, enquanto que o particípio presente assumia, respectiva-mente, as seguintes formas: -ande (empréstimo escandinavo), -ende e -inde11. Não nos deteremos aqui a enunciar as peculiaridades grama-ticais, fonéticas e lexicais que distinguem os três dialectos, porque numerosas. Gostaríamos, no entanto, de salientar a posição inter-média ocupada pelo dialecto central, o qual adoptava ora umas ora outras das formas dialectais mais próximas.

Mas se as variações diatópicas são no Inglês Médio consideráveis, a variação diacrónica também deverá ser tida em consideração. Com AS PALAVRAS E O TEMPO: EMPRÉSTIMOS LEXICAIS NO INGLÊS MÉDIO 59

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8 Cf. B.Strang (1970:214). 9 Ver Burrow e Turville (1992:6). 10 Cf. Emerson (1932:xv).

11 Assim, por exemplo, existiam as formas loves no Norte, loven no Centro e loveth no Sul, ao passo que, anteriormente à adopção generalizada do sufixo -ing como norma do gerúndio, as realizações eram, respectivamente, lovande, lovende e lovinde.

efeito, o factor «tempo» traduz-se em diferentes estádios evolutivos da língua inglesa neste período medieval. A alteração da conjuntura socio-política por volta do séc.XIII contribuiu, como acima observámos, para o seu desenvolvimento e enriquecimento, de tal modo que é pos-sível falar de dois tipos de inglês médio: um «early» e um «late». Como Burrow e Turville (1992:6) salientam, os escritos de poetas e prosa-dores do séc.XII terão parecido sem dúvida arcaicos aos olhos dos seus sucessores quatrocentistas.