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Variantes seguidas por vide, que aponta para a forma da entrada principal

O registo de variantes linguísticas no Dictionarium Lusitanicolatinum

3. Variantes seguidas por vide, que aponta para a forma da entrada principal

Num outro conjunto de entradas, encontra-se uma referência a uma segunda forma, sem emprego de qualquer descrição para indicar

qual o tipo de variante tratada como preferível: basta a simples refe-rência remissiva, vide, às outras formas, evidentemente consideradas preferíveis, visto que A. Barbosa as emprega como entradas principais, em geral. Seguem-se alguns exemplos.

«Abayxar, Vide Abaxar» (c. 2). Considera-se que a forma baixo provém de um étimo teórico (não conhecido na documentação), *basseu-por bassu-. As formas com a- resultam da aglutinação de a-, como prefixo. É de notar que, n’Os Lusíadas, Camões emprega só formas com a vogal simples na raiz desta palavra, indicada por a, em vez do ditongo, indicado por ai: abaxar (X. 41) e palavras afins, abaxa (VIII.11, X.78), abaxe, (X. 78), abaxão (VI.63) abaxarão (IV.56) abaxando (X.22 e 34). De modo semelhante, A. Barbosa dá prefe-rência à forma com vogal simples (em vez do ditongo), provavel-mente por corresponder à pronúncia mais comum, além de ser mais de acordo com a forma documentada do vocábulo corres-pondente latino: bassare em vez de *basseare).

«Abranger, aliàs abarcar, ou abraçar. Vide, Abraçar» (c. 8). Veja-se a entrada «Abranger… » (col. 4), acima citada (na secção 1). Neste caso, ao contrário de outros, A. Barbosa dá preferência, como forma de entrada principal, a uma palavra que considera típica de determinada região.

«Acredor,q empresta dinheiro. Vide Crèdor» (c. 19). Como em nume-rosos outros casos, A. Barbosa dá preferência à forma sem a prótese do a-, típica da linguagem popular e regional, não justifi-cada pela forma da palavra latina de origem, creditore (sendo que credor se formou, por via semi-erudita, atravês de *creedor, como revela a pronúncia semi-aberta da vogal pretónica, comum em Portugal).

«Acunhar, Vide Cunhar» (c. 20). A forma acunhar representa um caso de prótese, processo formativo de grande vitalidade e típico da linguagem popular e regional. Neste caso, como em outros, A. Barbosa dá preferência à forma sem prótese (isto é, sem a vogal a- no início), de acordo com a forma da palavra latina de origem (cuneare).

«Açugentamento. Vide çujamento» (c. 26). A palavra sujo provém do latim sucidu-, que significava «úmido». No século XIV, havia variantes gráficas da forma verbal derivada deste adjectivo: ensuzar, enxuzar, emçujar, etc., além de variantes gráficas que

correspondem ao substantivo sujidade (çugi-, çogi-, etc.); çuja-mento é do século XV. É a esta forma que A. Barbosa dá prefe-rência, em vez da outra, «açugentamento», com a prótese típica da linguagem popular.

«Adobes, aliàs ladrilhos. …Vide, Ladrilhos» (c. 29). A palavra adobe, que provém do árabe at-tub, figura entre as entradas principais na obra do primeiro lexicógrafo português, J. Cardoso (1563). É certamente anterior na língua portuguesa a palavra ladrilho (uma vez que se documenta desde o século XIV, inicialmente com a variante gráfica ladrillo), do castelhano ladrillo, de um diminu-tivo de documentação não conhecida, do latim later, lateris. Assim, como forma da entrada principal, A. Barbosa dá preferência à palavra de origem mais antiga, provinda do latim (embora através do castelhano).

«Afigurarse algüa cousa. …Vide, figurarse» (c. 36). De acordo com o critério seguido geralmente, A. Barbosa dá preferência, para a entrada principal, à forma sem a prótese típica da linguagem popular e regional (não justificada pela forma latina de origem: figurar provém de figurare, por via erudita).

«Alembrar, alembrarse. Vide lembrar» (c. 57). As formas alembrar e alembrar-se representam o emprego do a- protético, processo formativo comum na linguagem popular e regional. A palavra lembrar vem do latim memorare, através de nembrar, do português antigo, por dissimilação. Neste caso, como em outros, A. Barbosa dá preferência à forma sem a prótese típica da linguagem popular. «Aleuantarse donde esta assentado. … Vide Leuantarse, littera L»

(c. 59). A palavra levantar provém do latim *levantare, verbo formado com base no particípio presente levante, de levare. Neste caso, como em muitos outros, A. Barbosa dá preferência, como entrada principal, à forma sem a prótese típica da linguagem popular e regional.

«Aliuiar. Vide Desaliviar» (c. 62). É de grande produtividade em diver-sos tipos de linguagem comum, popular e regional a formação de derivados com o prefixo des- (que se distingue da forma dis- do mesmo prefixo, típica de palavras transmitidas do latim ao portu-guês por via erudita). Nalguns casos, típicos da linguagem popular e regional, é redundante o prefixo des-, cujo uso resulta de uma associação a algum elemento negativo do significado da raiz,

como neste caso – e em formas tais como «desinfeliz», «destrocar» e «desvorciar», actualmente correntes em linguagem popular e regional (ou simplesmente coloquial). Mas é, sem dúvida, mais expressiva a forma desaliviar, com o prefixo des-, do que a forma simples, aliviar. Talvez por causa da sua maior expressividade, A. Barbosa dá preferência a forma desaliviar como entrada prin-cipal neste caso. (Veja-se, porém, «Desaliuiar, Vide, Aliuar», c. 343, infra).

«Amazóna. Vide… Almazona» (c. 74). Documenta-se almazona nalgu-mas fornalgu-mas de linguagem popular (por exemplo, no Alentejo, segundo Pires 1903-1905: 95). O al- deve-se à incorrecta asso-ciação com substantivos de origem árabe, muitos dos quais têm o artigo al- aglutinado (no caso dos que começam com letras «luna-res», de acordo com a terminologia tradicional árabe; nos que começam com letras «solares», a lateral do artigo sofre assimi-lação à consoante seguinte, como no caso de açúcar e muitas outras palavras; sobre a distinção entre letras «solares» e letras «lunares», veja-se Wright 1964: I,15). O substantivo amazona vem, através do latim, do nome grego de um grupo de mulheres guer-reiras lendárias, sendo introduzido no Brasil pelo capitão espa-nhol Francisco Orellana que, depois de descer o rio Nhamundá em 1541, encontrou uma tribo de índias guerreiras com a qual travou luta. Assim, a palavra entrou no português, no Brasil, só em meados do século XVI. (Veja-se Nascentes 1932, II, q.v.). Na obra do Padre António Vieira, tanto nos sermões como nas cartas, encontra-se com frequência o uso de «almazonas» por amazonas. Neste caso, ao contrário de muitos outros, A. Barbosa dá pre-ferência à variante popular, que não se justifica pela etimologia. (É possível que o jovem estudioso, na sua única obra de lexico-grafia, tenha sido influenciado, neste caso, pelas muitas palavras de origem árabe que começam com al-. Por outro lado, é comum na linguagem popular e regional a troca de ar- ou de a- por al-: «almário» por armário, «almazem» por armazém, entre outros). «Aa menhã. Vide… Aa manhã» (c. 75). A palavra manhã provém do latim imperial tardio popular maneana, redução de hora maneana, «em hora matutina». No português medieval usava-se o advérbio cras (do latim cras), que foi substituído por amanhã (e variantes) no século XVI. Até hoje permanece a variante «amenhã», típica da linguagem popular e regional. Em muitos casos, observa-se na linguagem popular e regional a substituição do som representado por an (e outras grafias) pelo som representado por en (e outras O REGISTO DE VARIANTES LINGUÍSTICAS NO DICTIONARIUM LUSITANICOLATINUM (1611) 135

grafias): «jentar» por jantar (no Algarve, Vasconcellos 1896: 335; no Alentejo, Pires 1907: 92; no Douro, Azevedo 1929: 193), «adiente» por adiante (por exemplo, em Barroso por Barreiros 1917: 137, em Turquel por Ribeiro 1930: 222, no Minho por Pereira 1933: 292, entre outros), etc. Neste caso, como na maioria dos outros semelhantes, A. Barbosa dá preferência à forma mais próxima à latina.

«Arrazoar, i. usar de razões. … Vide Razoar littera R» (c. 107 [=108b]). Vejam-se os comentários referentes a outras palavras com a pró-tese típica da linguagem popular e regional.

«Arrabeca. Vide Rabeca» (c. 108). A vogal inicial de «arrabeca» resulta de prótese, processo típico da linguagem popular (vejam-se os comen-tários anteriores referentes a «acunhar» e «alembrar»). A pala-vra rabeca vem do árabe rabab, através do francês antigo, ou do provençal antigo, rebec (segundo Nascentes 1966). Neste caso, como em outros, A. Barbosa dá preferência à forma sem a vogal protética. «Arreuezadamente. Vide Reuezadamente» (c. 112). O verbo revezar é composto pela base vez (do latim vice) com o prefixo re- e a desi-nência –ar. Arrevezar, arrevezado e arrevezadamente são formas com a vogal a protética, típica da linguagem popular e regional. Como de costume, A. Barbosa dá preferência, neste caso, à forma sem a prótese típica da linguagem popular e regional.

«Arrazoar. Vide Razoar» (c. 112). Segundo Nunes (1911: 76), razoar vem de uma forma hipotética (de documentação não conhecida) do latim popular, *rationare > razõar, cuja ressonância nasal já havia desaparecido no século XV. O referido autor afirma: «Hoje, além de razoar, usa-se com mais frequência arrazoar». Como outras formas com a vogal a protética, arrazoar é típica da lingua-gem popular e regional. Como em outros casos semelhantes, A. Barbosa dá preferência à forma sem a referida prótese.

«Arrigar. Vide Arrancar» (c. 112). A forma arrigar é típica de linguagem popular e regional, sendo encontrada na Beira Alta (Pereira 1909: 312), no Douro (Azevedo 1929: 12, 105, 190), etc. É antiga a forma, sendo documentada num manuscrito dos Diálogos de São Gre-gório, de fins do século XIV ou princípios do século XV (Nunes 1928-1929: 12). A palavra arrancar, de origem controversa, tem as variantes «arrencar» e «arrincar», típicas da linguagem popular e regional, sendo documentadas no Alentejo (Vasconcellos 1896: 234, com a variante «arrenquer»), na Beira Baixa (Santos

1897--1899: 171), em Trás-os-Montes (Pereira 1912: 333), etc. Tais formas são vulgares no Minho e também encontradas na Galiza. Para a entrada principal, A. Barbosa escolhe neste caso, como de costume, uma forma não associada à linguagem popular e regional: arrancar, em vez das variantes «arrencar» e «arrincar» ou a palavra arrigar, que provém do latim eradicare (evidentemente, por via popular). «Assocegada cousa. Vide Socegada cousa» (c. 125). Segundo Nascentes (1966, q. v.), o verbo sossegar provém, através da forma arcaica sessegar, do latim vulgar *sessicare, calcado em sessu-, «assento». A. Barbosa dá preferência, como entrada principal, à forma sem prótese e mais próxima ao étimo, não obstante a falha na repre-sentação no Dictionarium, com c em vez de ss.

«A tirar com pedras. …Vide Apedrejar» (c. 130). Neste caso, A. Barbosa dá preferência, em vez da locução, à forma derivada, cujo prefixo a- se justifica plenamente.

«Auentagem. …Vide Ventagem» (c. 134). Neste caso, como de costume, A. Barbosa dá preferência à forma sem a vogal inicial, represen-tada por a-, que se associa comummente à linguagem popular e regional (embora, neste caso, tal vogal se justifique pelo étimo, o francês avantage, sendo que vantagem, com a variante «ven-tagem», evoluiu através da forma antiga avantagem). Por outro lado, a forma escolhida apresenta a vogal pretónica tipicamente popular e regional, representada por e, em vez da vogal repre-sentada por a.

«Ausente. Vide Absente …» (c. 134). No Itinerario de Terra Santa (século XVI), Frei Pantaleão d’Aveiro emprega a forma absentia (f. 295 v., segundo Pereira 1913: 91). N’Os Lusíadas, Camões usa duas vezes ausência (IV: 98, VIII: 30). O latim absente é étimo de ausente, que entrou no português por via semi-erudita, com vocalização do b. A forma absente é um latinismo, evidentemente por via erudita. A. Barbosa dá preferência à forma culta, mais semelhante ao étimo.

«Autor nas demandas. Vide Actor…» (c. 134). A palavra autor é do latim auctore-, «o que produz», por via semi-erudita (através da forma antiga outor, substituída pelo modelo latino), enquanto actor provém do latim actore, «o que fazer mover», também por via semi-erudita. O sentido de origem justifica a preferência por actor, no contexto «… nas demandas», em vez da outra palavra, autor.

«Auelar, aliás secar. Vide secar» (c. 136). Emboa conste de dicionários modernos, a palavra avelar tem algo de antiquado e popular. Encontra-se com o sentido de «murchar» em Trás-os-Montes (Pereira 1908: 293). A origem é controvertida, estando talvez ligada ao substantivo avelã. O verbo secar vem do latim siccare, por via comum. Há palavras afins de origem erudita, tais como exsicar, de exsiccare, e exsicante (Morais 1858). A variante «assecar» repre-senta a prótese de a-, processo muito comum na linguagem popular e regional, documentado na Minho, por exemplo, em formas como «assentar» por sentar, «assubir» por subir, «assu-ceder» por suceder, «acipreste» por cipreste, etc. (Gonçalves, 1988: 14, 62). Neste caso, como em outros, A. Barbosa dá preferência à forma sem prótese (a qual, na maioria dos casos, não contribui em nada para modificar ou enriquecer o significado).

«Aver misericobia. Vide Misericordia» (c. 137). Por ser a forma «mise-ricobia» uma deturpação popular, que ocorre em expressões como «pedir misericórdia» ou na simples forma abreviada do próprio pedido, com só uma palavra. A. Barbosa dá preferência, para a entrada principal, à forma misericórdia, muito semelhante ao étimo latino misericordia, formado a partir de miser + cord-. «Avogado. Vide Aduogado» (c. 138). São formas divergentes provindas

do latim advocatus. A forma avogado é antiga (Vasconcellos 1892: 267, Nunes 1911: 77, Pereira 1913: 92), actualmente típica da lin-guagem popular e regional. A. Barbosa dá preferência à variante culta, advogado, mais semelhante ao étimo.

«Aziumarse… he o mesmo q Fazerse azedo. Vide …» (c. 140). O verbo aziumar foi formado a partir de aziume, forma sincopada de aze-dume (resultado da queda, em posição intervocálica, da consoante representada pela letra d). As formas aziume e aziumar são do-cumentadas, respectivamente, na linguagem popular de Barroso (Barreiros 1917: 142) e do Minho (Pratt 1911: 148), por exemplo. A palavra azedo provém do latim acetu-, «vinagre», e é de uso geral, no sentido que evoluiu a partir do significado original. A. Barbosa dá preferência a uma locução com esta palavra, em vez da palavra antiga e típica da linguagem popular e regional. «Bexiga. Vide Vexiga» (c. 155). A palavra bexiga, usada actualmente,

provém do latim *vessica, forma alterada de vesica. Como em outros casos, A. Barbosa dá preferência à forma em português mais semelhante ao étimo latino.

«Borcelo de pão, he o mesmo, que bocado de pão. … Vide supra» (c. 161). A forma «borcelo» representa uma deturpação de cunho popular da palavra morcelo, talvez por associação com boca ou bocado (ou então pelo processo fonético da simples desnasalização da consoante inicial). Na selecção da entrada principal, A. Barbosa evita, como de costume, a forma marcadamente popular.

«Borracho. Vide Bebado» (c. 162). O português borracha provém do castelhano borracha, de origem incerta. Originalmente, o termo designava um odre de couro para conter líquidos; posteriormente, por simples analogia, passou a designar semelhante objecto feito de látex. O adjectivo formou-se a partir deste substantivo; no sentido de «ébrio», já consta da segunda edição de Morais (1813). O sentido que associa borracho com borracha resulta aparente-mente da noção de bêbado como «amigo da borracha». Como se vê, não é muito recente o uso do termo «borracho» no sentido de «bêbado», embora se inclua comummente no dicionários da gíria contemporânea. O verbo beber, de bibere, é palavra do património latino tradicional do léxico do português, documentado desde o século XIII (com a variante beuer, «bever»); a forma beuedo, «bevedo», também se encontra em textos do século XIII. Consi-dera-se que a forma da vogal postónica bébado, do latim bibitu (através do antigo bevedo), resultou de dissimilação, em relação às vogais média e alta na mesma forma (podendo, haver, também, uma influência assimilatória por parte da consoante precedente). A. Barbosa dá preferência a esta palavra, mais própria do que o coloquial «borracha», como lema da entrada principal.

«Catorze. Vide Quatorze» (c. 208). Tanto catorze com quatorze provêm do latim quattuordecim. A variante com c- inicial ([k]) representa a evolução por via popular, também exemplificada por formas antigas e populares tais como «corta-feira», «coresma», «cando», «cantidade», «calidade», em vez de quarta-feira, quaresma, quando, quantidade, qualidade (em caderno de quaternu- mantém-se, porém, na língua moderna, o [k] inicial em vez de [kw], não obstante o cultismo quaterno, do século XVII). Como em outros casos, A. Barbosa dá preferência à forma mais semelhante ao étimo, neste caso, quatorze, com a sequência inicial qu-.

«Clamar, ou dar vozes. Vide, Gritar» (c. 342). A palavra clamar, por via erudita ou semi-erudita, é forma divergente de chamar, visto que ambas provêm do latim clamare. Nota-se que clamar mantém um

sentido mais próximo ao do étimo; por outro lado, é frequente clamar em formas derivados tais como reclamar, declamar, etc. A palavra chamar é mais antiga em português (século XIII) do que clamar (século XV, salvo erro). Neste caso, A. Barbosa opta por gritar (do latim *critare, por quiritare), que terá entrado no portu-guês só no século XVI.

«Cobrir. Vide cubrir» (c. 215). Segundo Cunha (1988: 69), a forma cobrir (com variantes gráficas, do mesmo valor fonético) do-cumenta-se a partir do século XIII, cubrir a partir do século XIV. A forma «cubrir» encontra-se em Arrifes (São Miguel, nos Açores, segundo Vasconcellos 1890-1892: 304). O verbo cobrir é do latim cooperire. N’Os Lusíadas, Camões emprega formas da ambas as variantes, cubrir (II.15, VII.37) e cobrir (II.37 e 95, VII.37, IX.60), descobrir (22 vezes) e descubrir (2 vezes), mas cuberto (5 vezes) e descuberto (13 vezes), sem usar nem a forma descoberto, nem coberto, uma única vez. Ao contrário de outros casos (em que dá preferência à forma mais semelhante ao étimo), A. Barbosa escolhe para a entrada principal cubrir, cuja grafia corresponde à pronúncia mais comum.

«Conseg[u]inte cousa. Vide consequente cousa» (c. 239). A palavra consequente vem do latim consequente-, por via erudita. A palavra conseguinte é forma divergente, com influência de conseguir e de seguinte, do verbo seguir. Neste caso, como em outros, A. Barbosa dá preferência à forma erudita, mais semelhante ao étimo. «Coresma. Vide Quaresma» (c. 260). Por via popular, foi comum a

mu-dança da sequência /wa/ a /o/: corta-feira, cortavó (ou cortabó), contia, e coresma são formas preservadas na linguagem popular e regional até hoje (Vianna 1887-1889: 209; Gonçalves 1988: 73). A. Barbosa dá preferência à forma erudita neste caso, como em outros. «Cós de molher. Vide supra corpinho» (c. 267). É do provençal cors «corpo» a palavra cós, usada nos séculos XIII e XIV, antes de cair em desuso. É também do século XIII, a palavra corpo, com a variante coorpo na época. Está bem formado o derivado corpinho, não havendo motivo para rejeitá-lo como entrada principal, em vez da forma antiquada. Na linguagem popular do interior do Brasil, empregam-se as palavras corpinho, corpete e várias outras no sentido de sutiã (APFB, Carta 68, e Cardoso & Ferreira 2000: 145), artigo do vestuário feminino bem posterior à época do Dictionarium.

«Cosso, i. a cosso. Tomar a cosso. Vide, Acossar» (c. 268). Com o pre-fixo a- e a desinência -ar, está bem formada a forma verbal deri-vada do antigo cosso, documentado a partir do século XIII, por via popular, com evolução normal, sendo forma divergente de curso (forma alatinada, cada vez mais comum a partir do século XIV, com a variante gráfica cursso; comparem-se as formas divergentes o antigo osso e o moderno urso). Como em outros casos, A. Barbosa dá preferência ao simples verbo (derivado, neste caso), em vez da locução, como entrada principal.

«Deformidade, aliàs disformidade. … Vide, disformidade, que he me-lhor lingoagë» (c. 325). Veja-se «Desforme cousa. Vide disforme & disformidade» (c. 367), infra.

«Desacompanhar, i. apartar. … Vide Apartar» (c.341). Neste caso como em outros referidos a seguir (cc. 342, 343, 344, etc.), A. Barbosa dá preferência a uma palavra simples, em vez de um antónimo formado com o prefixo des-, típico das palavras transmitidas por via popular ou semi-erudita.

«Desafrontarse assi mesmo. … Vide Vingar» (c. 342). Veja-se o comen-tário a «Desacompanhar …» (c. 341).

«Desaliuiar, Vide, Aliuar» (c. 343). A palavra aliviar, vem do latim alle-viare. No século XIV, havia a variante aliuar, ligado ao latim allevare. O prefixo des-, do latim dis-, é de grande vitalidade em português, mas é desnecessário neste caso – aliás, como no caso de outras palavras, em que, não obstante isso, se fixou, como por exemplo, «desinfeliz» na linguagem popular do Minho (Gonçalves, 1988: 76), além de outras variedades regionais. Para a entrada principal, A. Barbosa dá preferência à forma sem o prefixo des-. A presente entrada é o inverso da entrada anterior «Aliuiar. Vide Desaliviar» (c. 62), acima citada. O aparente lapso evidenciado pelas entradas contraditórias poderá resultar, talvez, de hesitação entre dois critérios distintos: um que favorece aliviar, como lema principal, e outro que dá preferência a desaliviar.

«Desanimar, i. espantar. … Vide Espantar» (c. 343). Veja-se o comen-tário a «Desacompanhar …» (c. 341).

«Desapayxonar. Vide Espantar a alguem, aliàs consolalo, & tirarlhe a payxão» (c. 344). Neste caso, A. Barbosa dá preferência como entrada a uma locução em vez de um antónimo com o prefixo des-. (Veja-se o comentário a «Desacompanhar …», c. 341).

«Desapossar. Vide Desempossar, …» (c. 345). O substantivo posse vem do verbo latino posse, «poder, ser capaz», mediante a mudança da classe gramatical da palavra. Os verbos derivados do substantivo português posse, apossar e empossar, encontram-se em textos do século XVI. Neste caso, A. Barbosa dá preferência à variante mais comum, como lema da entrada principal.

«Descrição. Vide Discrição» (c. 354). É antiga a alternância entre variantes com o prefixo dis-, típico da transmissão por via culta, e des-, de cunho mais popular. A alternância entre as variantes discriçom e discreçom encontra-se no manuscrito das Fábulas de Esopo, século XV, descoberto, editado e estudado por Leite de Vasconcellos (1906: 18). Observa-se que a variante com e na raiz, em vez de i, está mais próxima da forma do étimo latino dis-cretione-. Tal como fará o terceiro lexicógrafo português de um dicionário português-latim (B. Pereira 1634, q.v.), A. Barbosa dá preferência, como entrada principal, à forma com o prefixo dis-, típica da transmissão por via erudita, em vez de des-, deixando a representação de vogal pretónica por i, mais repre-sentativa da pronúncia comum, em vez de e, que corresponde à forma do étimo.

«Desforme cousa. Vide disforme & disformidade» (c. 367). As variantes