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Uma leitura rápida do texto pode levar o leitor a imaginar que não há nenhum problema para se determinar o contexto histórico do Salmo 137. Afinal, seu primeiro versículo já apresenta informações razoavelmente claras a respeito de uma localização (os rios da Babilônia), e seu conteúdo geral descreve uma situação de exílio neste lugar. Assim, de imediato, o contexto histórico é ligado à tão conhecida catástrofe causada por Nabucodonosor e seu exército, ao desterrar parte dos habitantes de Judá para colônias na Babilônia, nas

Various Reading and Critical Notes, Grand Rapids, Zondervan Publishing House, 1974.

135 Tércio Machado Siqueira, A saudade de Jerusalém(Sl 42-43), em Estudos Bíblicos, Salmos de Coré, número 76, novembro/dezembro, Petrópolis, Editora Vozes, no site do Instituto Teológico Franciscano,

proximidades do ano 587 a.C. Mas, qua ndo o texto é observado em seus detalhes esta certeza tende a desaparecer, como se nota ao pesquisar as opiniões dos estudiosos da questão.

Nenhum estudioso nega as ligações que este salmo tem com o cativeiro babilônico, seu conteúdo é claro quanto a isto, mas existem outros pontos onde não é fácil de se chegar a um acordo. Para alguns o salmo foi composto no cativeiro para utilização dos próprios cativos, para outros foi escrito na época do cativeiro, mas por alguém que esteve nele mas que no momento da escrita não estava mais, e, para outros, que o salmo foi escrito no período pós- exílico, fora de Babilônia, talvez por alguém que tenha estado cativo. Na seqüência serão vistas algumas das opiniões.

Para Derek Kidner, com os olhos um tanto quanto nublados pela presença do tema Babilônia e cativeiro na poesia em pauta, parece que não há nenhuma dificuldade em determinar o contexto histórico deste salmo. Tanto é assim que ele de forma até leviana, sem argumentos concretos, chegou a dizer que a composição não precisa nem de título para anunciar que sua procedência é o exílio babilônico,136 como se os títulos que aparecem em muitos dos outros salmos fossem todos confiáveis para isto.

Werner H. Schmidt, por sua vez, destaca que dificilmente os salmos deixam transparecer qual é o seu contexto histórico, pois expressam a situação em uma linguagem típica e genérica, caracterizada pela utilização de fórmulas. Normalmente não se referem a acontecimentos únicos, mas a exemplares, de tal forma que possam ser utilizados em situações diferentes. Isto faz com que a datação de cada salmo seja incerta e polêmica. Ele chega a afirmar que o único salmo que não apresenta este problema é o 137, que em sua opinião está apontando seguramente para a época do exílio babilônico.137 Mesmo assim,

136 Derek Kidner, Salmos 73-150: introdução e comentário, São Paulo, Edições Vida Nova, 1992, p.467. 137 Werner H. Schmidt, Introdução ao Antigo Testamento, São Leopoldo, Sinodal, 1994, p.288.

segundo ele, deve ser levado em conta que o contexto de origem pode ser diferente do contexto de uso.138

Lawrence Boadt classifica o Salmo 137 como lamentação coletiva escrita na Babilônia, na época do exílio.139 Contudo, pode-se dizer que isto não se aplica com facilidade. As lamentações coletivas, ainda que possam ter como origem vários contextos de dificuldades, o que encaixaria bem com o exílio babilônico, também, normalmente, têm sua utilização relacionada ao culto no Templo, o que naquela época e lugar estava fora de cogitação.

Luís Alonso Schökel entende que o salmo fica mais claro se o leitor supor que ele foi composto na Babilônia para utilização dos desterrados. Ele seria um canto da resistência espiritual daqueles que ainda tinham esperança. Contudo ele também percebe que há certa distância temporal na composição, destacada pela utilização de perfeitos, e certa distância

espacial, apresentada pela utilização do termo "lá" (µv; - sham).140

Champlin se mostra confuso nesta questão. Ele evoca o conteúdo do versículo 8, de acordo com algumas versões como a Revista e Atualizada de João Ferreira de Almeida que diz: "Filha da Babilônia, que hás de ser destruída...", ou a Nova Versão Internacional, que de forma semelhante traduz o texto no futuro, assim: "Ó cidade de Babilônia, destinada à destruição...", para defender que por ocasião da composição os babilônios ainda não haviam caído diante do poder da Pérsia. Desta forma, para ele, o decreto de Ciro, de 538 a.C., que permitiu ao povo de Judá retornar para a Judéia, ainda não tinha sido escrito. Concluindo então seu argumento, tentando provar que o salmo é exílico, levanta a hipótese que ele possa ter sido publicado apenas depois do retorno do cativeiro e que os versículos 1-3, onde os

138 IDEM, A fé do Antigo Testamento, São Leopoldo, Sinodal, 2004, p.433.

139 Lawrence Boadt, Reading the Old Testament: an Introduction, New York, Paulist Press, 1984, p.281, 284. 140 Luís Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos II: Salmos 73-150, tradução, introdução e comentário, São Paulo, Paulus, 1998, p.1561.

verbos ficariam melhor traduzidos no passado, o poeta poderia ter escrito como se já estivesse fora da Babilônia. Para terminar sem muita complicação ele acaba afirmando que é impossível determinar com exatidão quando é que este salmo foi escrito e/ou publicado, o que, segundo ele, não diminui sua importância histórica.141

Para Ernest Sellin o salmo é posterior ao exílio o que pode se deduzir de seu conteúdo.142 Ele não está só com esta opinião. Artur Weiser defende que, considerando a

antiguidade das tradições que se refletem nos salmos, deve-se abandonar o preconceito que prevaleceu por muito tempo na escola de Wellhausen e que foi abalada por Kittel, Gunkel e Mowinckel, de que eles são composições geralmente resultantes do período pós-exílico, pois são poucos os salmos que podem ser classificados neste contexto histórico com segurança.143 Mesmo assim, alguns poucos salmos incluem indicações diretas a respeito deste período e, entre estes, está o 137.144 Para ele, o autor do salmo talvez tenha presenciado as dificuldades do cativeiro e, de retorno à pátria, observando a cidade de Jerusalém ainda arruinada, vem a dar vazão aos seus sentimentos de ódio contra os inimigos. Ele olha para o passado próximo e ao recordar as horas tristes que passou na Babilônia, sofrendo o escárnio, sendo humilhado e tendo feridos seus sentimentos religiosos e nacionais, extravasa por meio da canção seu ódio contido por tanto tempo.145

Para Marvin E. Tate o salmo relembra os dias em que o povo esteve cativo na

Babilônia, mas isto não significa que ele tenha sido composto neste lugar. Os versículos 5 e 6 podem ser traduzidos no presente o que aponta para a possibilidade de ter sido escrito por alguém que esteve na Babilônia e que agora, em Jerusalém, recorda as dificuldades que lá

141 Russel Norman Champlin, Salmos, em O Antigo Testamento interpretado versículo por versículo, 2.ed., São Paulo, Hagnos, 2001, p.2490.

142 Ernst Sellin e Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo, Edições Paulinas, 1977, p.428. 143 Artur Weiser, Os Salmos, São Paulo, Paulus, 1994, p.13.

144 Ibid., p.61. 145 Ibid., p.622.

passou. Seja como for a composição relembra a inesquecível fé de alguns dos exilados e a relutância deles para entoarem algum dos cânticos de Sião em terras pagãs.146

Como foi visto até este ponto, a questão é mais complexa do que parece à primeira vista. Mas, levando-se em consideração a utilização dos perfeitos, aqui chamados de

completos, Wnb]v"y; (yashabnû - nós habitamos ou assentamos - v.1), WnyliT; (talînû

- nós penduramos - v.2), WnWlaev] (she’elûnû - nos pediam - v.3), Wnl; T]l]m"G;v,

(sheggamaltet lanû - que nos fizeste - v.8), a utilização da expressão µv; (lá ou ali - v.1), a

possibilidade da cidade da Babilônia já ter sido invadida, se o TM for mantido no versículo 8,

onde ela recebe o título de "a destruída" (hd;WdV]h" - hashshedûdâ), e a liberdade poética

que permitiria ao autor, ainda que não tenha sido um dos cativos (talvez tenha sido), como membro do povo, se colocar como um deles, e o final do salmo que nas palavras de Carlos Leone jamais poderiam ter sido escritas na Babilônia, pois trariam conseqüências desastrosas para o autor147 ao amaldiçoar abertamente seus opressores diante deles, a melhor opção é situar a composição no período pós-exílico. Contudo, não deve ser situada muito distante do exílio, pois os sentimentos contra os agressores, como aparecem no texto, ainda eram muito fortes.