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4.1 O PODER DA PALAVRA NO ANTIGO TESTAMENTO

4.1.2 O Poder da Palavra de Bênção

A palavra de bênção ocorre em vários lugares no AT. Era uma prática utilizada pelos patriarcas (Gn 27,27), juízes (Jz 5,24), reis (2Sm 6,18), sacerdotes (Nm 6,23) e mesmo pelo povo em geral no seu dia-a-dia (Rt 2,19). O uso da bênção é tão largo que, em alguns casos, pode dar a impressão de ser ela apenas um desejo de que alguma coisa boa venha a ocorrer para aquele que foi abençoado, ou ainda, uma simples formalidade. Na realidade, porém, ela é muito mais do que um bom desejo, ou um rito formal. Para o povo de Israel ela possuía o poder de criar algo bom no ou para o abençoado. Como bem diz Walther Eichrodt, não é qualquer palavra proferida que tem poder em si mesma, mas palavras ditas com grande ênfase e firme intenção, o que é o caso da bênção.192

Talvez uma das passagens bíblicas mais apropriadas para se demonstrar o va lor que era dado à palavra de bênção proferida seja o capítulo 27 de Gênesis, onde Isaque abençoa a Jacó pensando ser seu outro filho, o Esaú. Ainda que tivesse abençoado a pessoa errada, como o texto informa que ocorreu, na mente de Isaque, aquela bênção cumpriria a sua função. Ela

191 J. A. Motyer, Maldição, em J. A. Douglas (ed.), O novo dicionário da Bíblia, São Paulo, Edições Vida Nova, 1983, p.1322. v.2.

tinha poder em si mesma. Era tão válida quanto qualquer outra bênção proferida de forma correta à pessoa certa. Isto ficou demonstrado pelas suas palavras “... o abençoei, e ele ficará abençoado!” (Gn 27,33). Com isto ele dizia: Não há como voltar atrás. Ainda que Esaú implorasse, como implorou, a bênção já havia sido dada a outro e esta bênção era tão poderosa no sentimento de Isaque que, fazendo uso dela, ele havia colocado Esaú como servo de Jacó e nada mais poderia ser feito (Gn 27,37).

Jacó recebeu forte influência de seu pai Isaque e, como ele, também tinha uma concepção elevada do significado da bênção. Afinal, embora tenha recebido algumas garantias verbais por parte de sua mãe (Gn 27,12.13), chegou a se arriscar em demasia para conseguir aquela bênção se passando por Esaú. Mais tarde, em sua volta para casa, depois de um longo exílio na casa de parentes, por causa do episódio relatado acima, Jacó se arriscou novamente por uma bênção. Desta vez no episódio ocorrido em Peniel (Gn 32,22-32). Naquela ocasião, segundo Clayde T. Francisco, Jacó ao lutar com o anjo estava correndo risco de vida e, mesmo ferido, não abriu mão da oportunidade de ser abençoado, porque a bênção era de grande valor para ele; quem sabe até o valor fosse maior do que a própria vida.193

Em alguns casos a bênção é proferida de uma forma especial. Por exemplo, a bênção sacerdotal, ou araônica, que se encontra em Nm 6,24-26. De acordo com Wenhan, ela é uma pequena poesia que contém detalhes muito bem planejados. Ela possui apenas três palavras em sua primeira linha, cinco na segunda e sete na terceira e última, terminando com a palavra

µ/lv; (shalôm). Certamente, não é resultado de acaso esta progressão lógica e seu desfecho

com a palavra µ/lv; (shalôm) exatamente na sétima posição da frase conclusiva. Além disto, sem mencionar outros detalhes, o nome de Iahweh é repetido em cada linha, na segunda

193 Clayde T. Francisco, Gênesis, em Allen Clifton. (ed.) , Comentário bíblico Broadman: Velho Testamento, 2. ed., Rio de Janeiro, JUERP, 1986, p. 294. v.1.

posição, ainda que, gramaticalmente, isto seria desnecessário.194 Esta era uma forma especial,

dada por Iahweh, para que fosse colocado o seu próprio nome sobre o povo de Israel (Nm 6,22.27). Observe a seguir a forma gráfica desta bênção:

TEXTO HEBRAICO

`^r<)m.v.yIw> hw"ßhy> ^ïk.r<b'y>

`&'N<)xuywI) ^yl,Þae wyn"±P'

Ÿhw"ôhy> rae’y"

`~Al)v' ^ßl. ~feîy"w> ^yl,êae ‘wyn"P'

Ÿhw"Ühy> aF'’yI

195

3 2 1

194 Gordon J. Wenhan, Números: introdução e comentário, São Paulo, Edições Vida Nova, 1991, pp. 96,97. 195 Como a leitura hebraica é feita da direita para a esquerda, o nome de Iahweh está sendo representado pela segunda palavra a partir da direita de cada linha.

5 4 3 2 1

7 6 5 4 3 2 1

196

Na bênção dada por Jacó aos filhos de José, Efraim e Manassés, também é usada uma forma especial. Isto acontece não somente na ordem das palavras que também repetem três vezes a invocação a Deus (Gn 48,15.16), quando gramaticalmente não seria necessário,197 como também na expressão corporal por parte de Jacó que impôs as suas mãos sobre os abençoados. Como é possível notar no v.17, no pensamento de José havia, inclusive, diferença de poder nas mãos utilizadas. A mão direita deveria estar sobre o mais velho durante a bênção e não sobre o mais novo.198 Com aquela bênção e aquele ato, Jacó estava

colocando Efraim acima de Manassés (Gn 48,20).

Sendo a palavra de bênção um instrumento capaz de criar situações favoráveis, naturalmente, era utilisada em grande escala, nas mais diversas ocasiões. Em Rute 2,4, por exemplo, Boaz saudou seus empregados dizendo: “Que Iahweh esteja convosco!” e recebeu a resposta; “Que Iahweh te abençoe!”. Segundo Every-Clayton, estas palavras podem ser entendidas como mera formalidade, mas à luz do contexto elas funcionam como sinais de uma fé viva, 199 que se expressa no cotidiano.

Ernst Sellin também vê nas saudações algo mais do que uma simples convenção social. Para ele, nas formas de saudação que se espalham pelo AT, pode ser visto a crença dos

196 Os números destacados em itálico marcam a posição do nome de Iahweh e o número 7, sublinhado, a posição da palavra shalôm no texto hebraico.

197 Gordon J. Wenhan, Números: introdução e comentário, São Paulo, Edições Vida Nova, 1991, p. 96,97. 198 Este fato pode estar demonstrando que há ligação entre a bênção e a palavra profética seguida de ato simbólico.

199 Joice Elis abeth Winifred Every-Clayton, Rute, Curitiba e Belo Horizonte, Missão Editora e Encontrão Editora, 1993, p. 36.

hebreus na palavra proferida. Elas não intencionavam apenas cumprimentar a outra pessoa, transmitir uma saudação, mas tinham por objetivo conceder à pessoa cumprimentada aquilo

que elas expressavam. Por exemplo, a forma Úl] µ/lv; (shalôm leka), “Que a prosperidade esteja contigo!”, tem a finalidade de criar uma situação de segurança e paz para o cumprimentado.200

O poder da palavra de bênção no AT, segundo Eichrodt, se mostra mesmo grande. Inclusive, os israelitas contavam com este poder das bênçãos para anular o poder das maldições, como é o caso em relação aos gibeonitas. Davi pediu-lhes que abençoassem a Israel para acabar com o poder da maldição que estava sobre o povo por causa da atitude de Saul em relação a eles.201 Veja o que diz o texto:

1 No tempo de Davi, houve uma grande fome, que durou três anos

consecutivos. Davi consultou a Iahweh, e Iahweh disse: 'Há sangue em Saul e na sua família, porque ele levou à morte os gabaonitas'.

2 O rei convocou os gabaonitas e lhes contou isso. - Esses gabaonitas não eram filhos de Israel; eram um resto dos amorreus com os quais os filhos de Israel se tinham comprometido por juramento. Saul, porém, havia procurado feri-los, no seu zelo pelos filhos de Israel e por Judá.

3 Por isso Davi disse aos gabaonitas: 'Que se deve fazer por vós e como reparar

o que sofrestes, para que abençoeis a herança de Iahweh? (2Sm 21,1-3)

Está claro no AT que o povo de Israel, de forma geral, cria no poder da palavra de bênçãos, mas também criam no poder das palavras de maldição. Este poder contido na palavra de maldição é o assunto do próximo tópico a ser explanado.

200 Ernst Sellin e Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo, Edições Paulinas, 1978, p.86. v.1. 201 Walther Eichrodt, Theology of the Old Testamente, Philadelphia, Westminster Press, 1975, p. 70. v. 2.