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4.1 O PODER DA PALAVRA NO ANTIGO TESTAMENTO

4.1.1 O Poder da Palavra Profética

A intenção, neste ponto, não é apresentar todas as implicações da Palavra Profética, mas, sim, mostrar de forma breve que “a palavra profética”, ou seja, a mensagem transmitida pelos profetas, na mentalidade deles, e do povo em geral, possuía, verdadeiramente, um poder intrinseco de realização.

Tanto é assim que o profeta Jeremias, apesar de considerar-se tão fraco e pequeno a ponto de responder a Deus, no momento de sua convocação profética, que não sabia falar porque a seus olhos não passava de um menino (Jr 1,6), logo em seguida, é colocado como alguém com poder de arrancar, derribar, destruir e arruinar, além de edificar e plantar (Jr 1,10). Que arma usaria para tal obra? Ao que parece, este poder era o resultado de estar ele, a partir daquele momento, armado com as palavras de Iahweh em sua boca (Jr 1,9). Ele teria a seu lado a palavra profética.

Para Walther Zimmerli, nesta mesma linha de pensamento, a palavra profética é em si mesma um fragmento da realid ade. Ela tem o poder de criar aquilo que esta anunciando. Percebe-se, então, que ela é muito mais do que apenas “palavra”, como no sentido comum do termo, tanto que pode ser descrita por Isaías como se fosse um objeto, algo concreto, que pode cair em Israel (“O Senhor enviou uma palavra a Jacó, ela caiu em Israel” - Is 9,7) e por Jeremias como se fosse fogo ou martelo (“Não é a minha palavra como fogo? - Oráculo de

Iahweh. E como um martelo que arrebenta a rocha?” (Jr 23,29).184 Em ambos os casos

percebe-se a condição especial da palavra profética.

Nota-se ainda que, em Ez 32,18, o profeta recebe uma ordem impressionante. Ele deveria prantear sobre o Egito e com este ato fazer com que a população deste país, e ao que parece de mais algumas nações vizinhas, fossem levadas “para as regiões subterrâneas, com os que descem à cova”. Prantear sobre o Egito estava ao alcance do profeta e, quem sabe, de qualquer outra pessoa que por ventura recebesse tal missão, contudo, há na ordem um elemento impossível de ser cumprido por um ser humano, a não ser que se leve em conta o poder extraordinário contido nesta palavra profética. John B. Taylor opina que esta passagem é um cântico fúnebre e que Ezequiel está recebendo a ordem de entoá-lo como uma espécie de encantamento, o qual teria poder para levar o Egito ao mundo dos mortos.185

Segundo Asa Routh Crabtree, no AT, as palavras proféticas dirigidas pelos profetas aos seus contemporâneos, são apresentadas em forma poética.186 Se isto for verdade é acrescentada uma força ainda maior para a mensagem em si e para a execução dos propósitos de determinada palavra. Pois Ernst Sellin já chamava a atenção para o fato da poesia hebraica não ser considerada apenas como uma forma de manifestação artística, mas sim, algo que tem uma espécie de poder sobrenatural. Para ele, Sellin, a forma poética leva a palavra a possuir autoridade e virtude semelhantes às que possuem as bênçãos e as maldições.187

Muitas vezes a palavra profética aparece na forma de canções de zombaria ou cântico de escárnio, os quais para Aage Bentzen, são tipos de imprecações utilizados pelos profetas com o objetivo de criar desgraças para os inimigos. O texto de Nm 21,27-30 pode ser um exemplo

184 Walther Zimmerli, Manual de teologia del Antiguo Testamento, tradução de Antonio Piñero, Madrid, Ediciones Cristandad, 1980, p. 114.

185 John B. Taylor, Ezequiel: introdução e comentário, São Paulo, Edições Vida Nova, 1984, p. 190. 186 Asa Routh Crabtree, O Livro de Oséias, Rio de Janeiro, Casa Publicadora Batista, 1961, p. 32.

disto.188 Veja o que ele apresenta na versão da NVI que o destaca do restante do capítulo na

forma poética:

27 É por isso que os poetas dizem:

"Venham a Hesbom!

Seja ela reconstruída;

seja restaurada a cidade de Seom!"

28 "Fogo saiu de Hesbom,

uma chama da cidade de Seom;

consumiu Ar, de Moabe,

os senhores do Alto Arnom."

29 Ai de você, Moabe!

Você está destruído, ó povo de Camos!

Ele fez de seus filhos, fugitivos, e de suas filhas,

prisioneiras de Seom,

rei dos amorreus.

30 "Mas nós os derrotamos;

Hesbom está destruída

por todo o caminho até Dibom.

Nós os arrasamos até Nofá,

e até Medebá".

Outro exemplo ainda, agora na opinião de Ernst Sellin, está nas palavras de Isaías 47, no “Cântico sobre Babilônia”. Nele o profeta estaria se referindo a um acontecimento futuro como se já tivesse acontecido.189 Com isto estava criando uma nova situação para o seu inimigo. Com relação à época em que foi proferido este texto de Isaías 47, deve-se levar em conta que não há concordância entre muitos estudiosos.190 Nota-se que os profetas de Israel tinham plena confiança no poder das palavras e, segundo J. A. Motyer, alguns as tornavam ainda mais poderosas ao lançarem mão do “oráculo por ação” na transmissão da mensagem. Uma amostra disto pode ser o episódio que envolve Eliseu e o rei Joás em 2 Rs 13,14-19. O rei visitou o profeta já nos momentos finais da vida deste e ouviu a sua mensagem. Deveria tomar um arco e flechas e atirar pela janela. Assim que foi atirada a flecha, o profeta falou: “Flecha da vitória contra os Arameus...” (2Rs 13,17). Depois deste ato, o profeta deu ordem ao rei para que atirasse contra a terra; o que o rei fez por três vezes (v. 18). Em seguida, Eliseu, indignado, disse: “Era preciso dar cinco ou seis golpes! Então terias derrotado Aram até o extermínio, agora, porém, vencerás Aram três vezes só!” (v.19). Não havia mais

189 Ernst Sellin e Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo, Edições Paulinas, 1977, p. 396. v.2.

possibilidade de mudar a situação, a palavra, em união com o símbolo, realizaria aquilo que foi declarado.191

Mesmo sem ir a fundo nesta análise da palavra profética pode-se notar, sem grandes dificuldades, que os hebreus criam haver nela poder para modificar e criar situações. Em seguida será visto o poder que eles criam haver na palavra de bênção.