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Os trabalhos de FREUD que versam sobre o conhecimento da mente humana fundamentam-se em grande parte na Filosofia. Os estudos iniciais de FREUD para a formalização da teoria psicanalítica, como podemos notar em diversos trabalhos de importantes biógrafos freudianos, tiveram uma significativa influência da Filosofia, não

no tocante à questão metodológica, mas sim porquanto buscava FREUD a análise filosófica dos temas ligados à condição humana e desenvolvida por filósofos, sobretudo na Antigüidade Clássica, notadamente da Grécia.

Podemos destacar, por exemplo, a consideração que FREUD registrou no início da obra que para muitos representa a mais importante deste pensador: “A Interpretação dos Sonhos”, onde ele considera que ARISTÓTELES foi o primeiro a organizar uma teoria a respeito dos sonhos.

FREUD inicia o livro I da Interpretação dos Sonhos resgatando a tradição da Antigüidade, onde se aceitava os sonhos como algo relacionado a seres sobre-humanos e como revelações de deuses ou demônios que previam do futuro. Em seguida FREUD faz o seguinte destaque sobre a obra de ARISTÓTELES:

“Nas duas obras de ARISTÓTELES que versam sobre os sonhos, eles já se tornaram objeto de estudo psicológico. Informam-nos as referidas obras que os sonhos não são enviados pelos deuses e não são de natureza divina, mas que são ‘demoníacos’, visto que a natureza é ‘demoníaca’, e não divina. Os sonhos, em outras palavras, não decorrem de manifestações sobrenaturais, mas seguem as leis do espírito humano, embora este, é verdade, seja a fim do divino.” (1996, p. 40)

FREUD cita, em nota de rodapé, as obras de ARISTÓTELES que tratam dos sonhos. Esta nota número dois da página 40, registra o seguinte:

“De divinatione per somnum, II (Trad.,1935, 377), e De somniis, III Trad., o primeiro trabalho em que os sonhos foram tratados como tema de estudo psicológico parece ter sido o de ARISTÓTELES (Sobre os Sonhos e Sua Interpretação). Declara ARISTÓTELES que os sonhos são de natureza ‘demoníaca’, e não ‘divina’ indubitavelmente, essa distinção teria grande significado, se soubéssemos traduzi-la corretamente”. (1996, p. 40)

Como vemos pela interpretação de FREUD quando ele destaca a conotação psicológica da afirmação de ARISTÓTELES, ele está apoiando sua análise interpretativa no fato de que segundo seus levantamentos históricos sobre o tema, ARISTÓTELES se caracteriza como o primeiro a considerar que os sonhos tinham ligação com a natureza humana, refutando a possibilidade sobre-humana, preferindo considerar que era algo do ‘espírito’ humano ou da natureza humana “demoníaca” por tanto da vida humana e não sobre-humana.

Em uma breve conclusão quanto ao alcance da identidade dos sonhos em ARISTÓTELES, FREUD destaca o seguinte tema para fechar esta idéia neste momento da obra:

“ARISTÓTELES estava ciente de algumas características da vida onírica. Sabia, por exemplo, que os sonhos dão uma construção ampliada aos pequenos estímulos que surgem durante o sono. ’Os homens pensam estar caminhando no meio do fogo e sentem um calor enorme, quando há apenas um pequeno aquecimento em certas partes.’ E dessa circunstância infere ele a conclusão de que os sonhos podem muito bem revelar a um médico os primeiros sinais de alguma alteração corporal que não tenha sido observada na vigília.” (1996 p.40-41)

Sobre a ligação dos sonhos com a questão da saúde encontramos também uma nota de rodapé acrescentada pelo próprio FREUD em 1914, portanto quatorze anos após a publicação original da obra de nossa referência aqui, onde ele faz menção aos trabalhos de Hipócrates considerado o pai da medicina: “(...) O médico grego Hipócrates aborda a relação entre os sonhos e as doenças num dos capítulos de sua famosa obra [Medicina Antiga, X (Trad.,1923:31). Ver também Regimem, IV, 88, passim. (Trad.,1931:425, etc.)].

Em um ponto mais adiante, na mesma obra, “A Interpretação dos Sonhos”, no texto: As Relações Entre os Sonhos e as Doenças mentais, FREUD considera que a questão dos sonhos historicamente tem despertado a atenção dos homens desde os mais

místicos aos grandes filósofos e cientistas, daquele com o conhecimento mais elaborado até o de conhecimento mais simplista. Dentro desta consideração ele cita dois importantes filósofos ocidentais: “ Kant escreveu em algum ponto de sua obra [1764]: “O louco é um sonhador acordado.” ...” Schopenhauer [1862:1, 246] chama os sonhos de loucura breve e a loucura de sonho longo.” (1996, p.125)

Ainda quanto à investigação dos sonhos, os estudiosos da vida de FREUD comentam que um dos textos que mais vezes foi lido por FREUD foi o texto bíblico que fala da interpretação dos Sonhos do Faraó, desvendado por José, que fora vendido por seus irmãos. Este relato bíblico, marcante página da história dos hebreus, é freqüentemente usado por FREUD como base de sua argumentação sobre a capacidade reveladora dos sonhos na dinâmica da identidade social do homem. Não foi de maneira diferente que FREUD apropriou-se da famosa peça“A Saga de Édipo Rei”, referência a partir da qual FREUD fundamentou sua teoria do “Complexo de Édipo”.

Estes produtos da cultura humana foram amplamente relidos e re-interpretados por FREUD, à medida de sua motivação, para desvendar e auscultar as contradições entre a dimensão consciente e as vivências e representações afetivas e emocionais que marcam a realidade humana.

A estruturação progressiva da psicanálise, que consideramos ter início nos trabalhos de FREUD, prova que mais do que criar um método para interpretar a mente humana, este estudioso influenciou mudanças significativas nas formas de compreender as relações familiares e humanas em geral, colaborou para a construção do sentimento social a respeito da criança enquanto ser humano em formação. FREUD foi o primeiro teórico a considerar a criança dentro do ambiente familiar e como fruto deste, enfim, transformou o entendimento ocidental do que seja sexualidade humana hoje.

Este processo de formação e estruturação progressiva da teoria psicanalítica diz com clareza da sua característica epistemológica por quanto toma um objeto à responsabilidade de investigação da natureza filosófica das questões que se apresentam

como partes deste objeto para a construção de seu sentido seja ele estrito, ou ainda, lato.

O rigor epistemológico da Psicanálise está estreitamente ligado à razão que ela investiga a condição humana a partir do homem, o que colabora, a seu modo, para que seja possível estabelecer um sistema relacional entre o indivíduo e a sociedade porquanto se possa partir de outros campos teóricos, da sociedade para o indivíduo, com igual determinação. Porém a atuação da teoria psicanalítica para a compreensão do indivíduo é marcadamente uma propriedade desta ciência psicológica. Assim, a colaboração da psicanálise para a sociedade é que o indivíduo perceba-se a si, para poder perceber seu contexto social.

O suporte teórico que sustenta a proposta da Psicanálise é muito bem identificado e exclusivo deste campo do conhecimento, embora considere as contribuições da Filosofia para o entendimento do homem, não há como confundi-lo com outros referenciais pela natureza da investigação, através do método que lhe é próprio. Quanto às características da teoria, a Psicanálise conta com um peculiar vigor do que identificamos como renovação teórica quanto às suas questões fundamentais. Para este trabalho buscamos reposicionar a importância de FREUD como interlocutor da Filosofia e da Educação, uma vez que suas contribuições são a base para a aproximação de uma teoria sobre o Homem, centrado da questão do Desejo e da Sexualidade. Mas, não ignoramos de forma alguma outros teóricos que, a partir de teoria freudiana, desenvolveram outras contribuições para a Psicanálise que, mesmo na sua diversidade e até em sua possível oposição, procuram responder a questões comuns. Quanto ao método psicanalítico, consideramos que este implica logicamente na adoção e esclarecimento de toda uma teoria para a prática da cura ou superação de neuroses, sua proposta original. Embora formulado para uma problemática que se viu moderna, o método tanto quanto a teoria psicanalítica reúne uma variedade de concepções e termos científicos quanto à preocupação filosófica do homem no mundo e do homem nele mesmo. O método psicanalítico se afirma como uma lógica para a superação dos problemas psicológicos.

Na aplicação do método da Psicanálise no exercício dinâmico do dia-a-dia observa-se, grosso modo, a exposição por parte do paciente e a reflexão e problematização investigativa e conjunta com o psicanalista dos problemas para o tratamento das neuroses. A fala do paciente, a memória para o confrontamento das fases primárias da sua vida com a fase de vivência atual, a correlação dos elementos culturais civilizatórios, a consciência e a busca do inconsciente, entre outras características, criam a exclusividade do método em questão.

Por todas essas considerações buscamos explicitar a identidade epistemológica da Psicanálise, considerando dentro dos liames aos quais ela se assenta, a profundidade que este campo de saber conquistou no alcance dos problemas da sexualidade, como base de todas as neuroses que possamos desenvolver. Pela seriedade e eficiência de seu método, pela exclusividade de seu campo de ação e pela profundidade de sua teoria é que vemos a teoria psicanalítica como perspectiva viável e aporte legítimo para a ação da Pedagogia como mediação para a Educação Sexual.

2.4 FREUD e a Educação Sexual da Criança: elementos para uma interpretação