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O poder estabeleceu, quase sempre, uma relação negativa com o sexo. Quando é estabelecida esta base de relação há a produção da direção comportamental das

pessoas aos objetivos pré-definidos para o capital, pela extorsão da energia sexual para o trabalho.

A negatividade aqui apontada é um dos elementos para a fixação das políticas de poder sobre o sexo. Dentre esses elementos FOUCAULT destaca outros como: “A relação negativa. Com respeito ao sexo, o poder jamais estabelece relação que não seja de modo negativo: rejeição, exclusão, recusa, barragem ou, ainda, ocultação e mascaramento.” (1988, p. 81)

As relações quase sempre estão baseadas em regras. A regra da relação discutida aqui é, numa explicação bem objetiva para a realidade ocidental, a que define que o poder submeta o sexo. Assim temos a seguinte interpretação de FOUCAULT:

“A instância da regra: O poder seria, essencialmente, aquilo que dita a lei, no que diz respeito ao sexo. O que significa, em primeiro lugar, que o sexo fica reduzido, por ele, a regime binário: lícito e ilícito, permitido e proibido.(...) A forma pura do poder se encontraria na função do legislador; e seu modo de ação com respeito ao sexo seria jurídico- discursivo.” (1988, p. 81)

Para que houvesse a conformação desta regra, criaram-se indicativos de segurança, partindo da suposição de que o sexo é uma ameaça ao que há de bom no ser humano. O que tornou possível uma censura bastante complicadora da vivência sexual. Verifica-se assim que os conflitos em torno do sexo apontam para uma negatividade do mesmo. Para maiores esclarecimentos relativos aos tais complicantes, destacamos esta diferenciação em FOUCAULT:

“O ciclo da interdição: não te aproximes, não toques, não consumas, não tenhas prazer, não fales, não apareças; em última instância não existirás, a não ser na sombra e no segredo. (...) Renuncia a ti mesmo sob pena de seres suprimido; não apareças se não quiseres desaparecer.Tua existência só será mantida à custa de tua anulação.

A lógica da censura: Supõe-se que essa interdição tome três formas; afirmar que não é permitido, impedir que se diga, nega que exista. Formas aparentemente difíceis de conciliar. Mas é aí que é imaginada uma espécie de lógica em cadeia, que seria característica dos mecanismos de censura:liga o inexistente, o lícito e o informulável de tal maneira que cada um seja, ao mesmo tempo, princípio e efeito do outro: do que é interdito não se deve falar até ser anulado no real; o que é inexistente não tem direito a manifestação nenhuma, mesmo na ordem da palavra que enuncia sua inexistência; e o que deve ser calado encontra- se banido do real como o interdito por excelência.” (1988, p.81-82)

O modo com que as culturas ocidentais têm organizado suas regras sexuais culmina num tipo de exercício de poder sobre o sexo que disfarça muito bem suas fontes, uma vez que não mais existe um foco específico. O poder mina de todo o tipo de relações. Isto acontece porque este poder já foi introjetado e assimilado por todos. Esta compreensão é transformada em uma espécie de denúncia em FOUCAULT, que a organiza apontando uma culminância de dispositivo:

“A unidade do dispositivo: O poder sobre o sexo se exerceria do mesmo modo a todos os níveis. De alto a baixo, em suas decisões globais como em suas intervenções capilares, não importando os aparelhos ou instituições em que se apóie, agiria de maneira uniforme e maciça; funcionaria de acordo com as engrenagens simples e infinitamente reproduzidas da lei, da interdição e da censura: do Estado à família, do príncipe ao pai, do tribunal à quinquilharia das punições quotidianas, das instâncias da dominação social às estruturas constitutivas do próprio sujeito, encontrar-se ia, em escalas diferentes apenas, uma forma geral de poder”. (1988, p. 81-82)

FOUCAULT não deixa dúvidas de que, para o poder, o sexo é algo tão negativo quanto perigoso e que, por isso, precisa ser dominado e combatido visando seu direcionamento utilitário. O domínio do sexo produz a obediência. A obediência é condição fundamental para a manutenção do estado social do poder. Os estudos de FOUCAULT sobre as relações históricas entre poder, sexo e discurso, apontam para a

interdependência destas temáticas para a organização social e para a vida particular dos homens e mulheres modernos.

Em seu texto clássico da História da Sexualidade I, FOUCAULT expressa uma preocupação com o entendimento de seus leitores a respeito de sua concepção de poder. Começa como que, por eliminação, esclarecendo justamente o que em sua concepção não é poder, para adiante registrar seu entendimento do termo. Assim:

“Esse termo ‘poder’, porém corre o risco de induzir a vários mal- entendidos. Mal-entendidos a respeito de sua identidade, forma e unidade. Dizendo poder, não quero significar ‘o Poder’ como conjunto de instituições e aparelhos garantidores da sujeição dos cidadãos em um Estado determinado. Também não entendo poder como modo de sujeição que, por oposição à violência, tenha a forma da regra. Enfim não o entendo como um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou grupo sobre outro e cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo social inteiro. (...) Parece-me que se deve compreender o poder, primeiro, como a multiplicidade de correlações de força imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas ou ao contrário. As defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais”. (1988, p.88-89)

A partir dos estudos de FOUCAULT, se pretendemos seguir por uma abordagem histórico-interpretativa das sexualidades ocidentais, deve-se considerar os dispositivos de controle da sexualidade apontados por ele, se não de forma crítica, ao menos de forma analítica dos acontecimentos históricos que concorreram para a produção do panorama constituído de signos e de significados da sexualidade.

A vivência da sexualidade não tem sido um exercício de auto-conhecimento, um exercício de conhecer e deixar conhecer. Por todos os percalços que historicamente a sexualidade tem passado, pela forma como se tem desenrolado seu sentido, as

sociedades ocidentais vivem hoje, ainda, uma sexualidade alienada, dirigida por plásticas e modelos que na maioria das vezes são estranhos aos indivíduos. É como se a própria sexualidade, no seu sentido mais humano – o prazer – fosse algo que estivesse fora dos limites corporais. No outro, para o outro ou em qualquer lugar metafísico, difícil de alcançar.

Não há uma concepção única de sexualidade, mas deveríamos estar atentos ao caráter intrínseco da sexualidade, exatamente o prazer; o prazer a que todos temos direito. Alienar o prazer da sexualidade é aliená-la do homem. Sem a condição do prazer a sexualidade está sujeita a toda e qualquer tentativa de dominação. A dominação sexual moderna representou muito mais que a redução da sexualidade à sua forma reprodutiva, matrimonial e heterossexual. Representou o esforço social de sujeição do sexo ou da energia sexual à disciplina do trabalho. Representou a exploração e a alienação do trabalhador.

No balanço dos referidos esforços encontraremos indicativos que apontam para alvos objetivos de sujeição social, por motivos lógicos. A agressiva investida do saber e do poder sobre a sexualidade da mulher e da criança, sobretudo a partir do século XVIII, pode ser interpretada como uma espécie de otimização da mão-de-obra, uma vez que mulheres e crianças começaram, nesta fase da história, a integrar definitivamente a massa operária das indústrias urbanas, que iniciavam seu desenvolvimento mais expressivo. Essas intervenções precisas significavam institucionalmente, as “boas vindas” para o mundo oficial do trabalho capitalista. Dentro dessa mesma lógica, o século XIX produz, depois de acumular um certo perfil da sexualidade ideal para as sociedades, seus objetivos capitalistas, sociais e religiosos. Neste momento histórico são objetos de controle: a criança e a repressão da prática masturbatória, a mulher histérica, o casal malthusiano e o adulto perverso, dentro de uma classificação que privilegia os “fora do padrão”, no sentido de maiores fontes de informação dobre a sexualidade humana. Esses percalços históricos são também, o que irão delinear o que de fato chamamos hoje sexualidade. Vejamos o conceito de sexualidade na visão de FOUCAULT:

“A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade subterrânea que se aprende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder” (1988, p.100)

FOUCAULT vai além na dimensão política e social da sexualidade. Em suas interpretações o dispositivo histórico da sexualidade é irmão gêmeo de um outro dispositivo. O “dispositivo de aliança”, entendido por FOUCAULT dessa forma: “Pode-se admitir, sem dúvida, que as relações de sexo tenham dado lugar, em toda sociedade, a um dispositivo de aliança: sistema de matrimônio, de fixação e desenvolvimento dos parentescos, de transmissão dos nomes e dos bens”. (1988, p. 100)

O dispositivo da sexualidade se superpõe ao dispositivo de aliança, caminhando junto com ele no sentido do controle das práticas e da organização de interesses de poder. Para maior clareza consideremos tal assertiva:

“O dispositivo de aliança se estrutura em torno de um sistema de regras que define o permitido e o proibido, o prescrito e o ilícito; o dispositivo de sexualidade funciona de acordo com técnicas móveis, polimorfas e conjunturais de poder. O dispositivo de aliança conta, entre seus objetivos principais, o de reproduzir a trama de relações e manter a lei que as rege; o dispositivo de sexualidade engendra, em troca, uma extensão permanente dos domínios e das formas de controle. Para o primeiro, o que é pertinente é o vínculo entre parceiros com status definido; para o segundo, são as sensações do corpo, a qualidade dos prazeres, a natureza das impressões, por tênues ou imperceptíveis que sejam. Enfim, se o dispositivo de aliança se articula fortemente com a economia devido ao papel que pode desempenhar na transmissão ou na circulação das riquezas, o dispositivo de sexualidade se liga à economia através de articulações numerosas e sutis, sendo o corpo a principal – corpo que produz e consome”. (1988, p. 101)

O sentido do termo aliança em FOUCAULT é traduzido nas formas de regulação da sociedade. Esta regulação está orientada para garantir os processos de produção e conseqüentemente de consumo. Fatores básicos de referenciais para a estruturação da sociedade organizada pelas relações capitalistas. A razão da aliança é, portanto a reprodução das relações sociais existentes no contexto que acabamos de apontar. A sexualidade enquanto dispositivo, na concepção de FOUCAULT, não tem como razão o reproduzir, mas proliferar as formas de controlar as populações, inovando, anexando, inventando e reinventando modos cada vez mais eficazes de controle global das sociedades.

Seguindo esta linha de interpretação da abordagem de FOUCAULT sobre a sexualidade e as faces do que se possa entender por repressão sexual, cabe destacar a seguinte idéia do teórico em questão:

“Deve-se admitir, portanto, três ou quatro teses contrárias à pressuposta pelo tema de uma sexualidade reprimida pelas formas modernas da sociedade: a sexualidade está ligada a dispositivos recentes de poder; esteve em expansão crescente a partir do século XVII; a articulação que a tem sustentado, desde então, não se ordena em função da reprodução; esta articulação, desde a origem, vinculou-se a uma intensificação do corpo, à sua valorização como objeto de saber e como elemento nas relações de poder”. (1988, p. 101-102)

Para FOUCAULT o dispositivo da sexualidade nasce do dispositivo da aliança. Historicamente, o dispositivo da aliança organizou-se em torno de questões sexuais como: as leis de proibição ao incesto, o valor da virgindade, a condenação do sexo fora do casamento, entre outros que reforçavam a valorização da aliança como retidão de caráter perante a sociedade e perante Deus. O dispositivo da sexualidade é uma espécie de tática de poder para a sujeição mais eficaz dos indivíduos.

O âmbito da família é caracteristicamente o âmbito da aliança, mas é nele que se desenvolve com maior rigor as bases do dispositivo da sexualidade. Vejamos esta compreensão na interpretação de FOUCAULT: “A família é o permutador da

sexualidade com a aliança: transporta a lei e a dimensão do jurídico para o dispositivo de sexualidade; e a economia do prazer e a intensidade das sensações para o regime da aliança”. (1988, p.103)

A família, portanto, pode ser entendida como o elemento tático fundamental para o dispositivo da sexualidade. Sendo assim, é um âmbito de aliança que precisa, aos olhos do poder, ser preservada e suas influências ampliadas e efetivadas. Através da sexualidade se exerce um tipo específico de poder. O poder que, em primeira instância, age sobre os corpos. Assim o dispositivo da sexualidade é de fato um dispositivo político. A materialidade do sexo nos corpos é o arcabouço da sexualidade entendida como dispositivo de controle.

Para FOUCAULT o sexo se encontra na dependência histórica da sexualidade. Não há sexualidade sem sexo e o sexo sofre as influências reais dos significativos dos dispositivos da sexualidade. FOUCAULT aponta um contraponto para a sexualidade. Fazendo a interação: “Contra o dispositivo da sexualidade, o ponto de apoio do contra- ataque não deve ser o sexo-desejo, mas os corpos e os prazeres”. (1988, p. 147)

Para ilustrar os novos caminhos apontados por FOUCAULT destacamos uma citação que fez de Laurence, D.H.”(1967) Atualmente, nossa tarefa é compreender a sexualidade. Hoje em dia, a compreensão plenamente consciente do instinto sexual importa mais do que o ato sexual”.(LAURENCE, in FOUCAULT, 1985, p. 147)

Extrapolando este modo de entendimento das urgências quanto à sexualidade, consideramos que é muito importante estudar a sexualidade sob seus aspectos históricos como fez FOUCAULT, e ainda nos planos, filosófico, político, econômico, sociológico, psicológico e biológico. É por este motivo que defendemos uma educação sexual, voltada para o aporte multidisciplinar de conhecimento. Esta perspectiva busca superar os enfoques reducionistas, principalmente aqueles marcados pela reprodução dos estereótipos e preconceitos de classe, de identidade política e de definição cultural dos papéis sexuais. Nossa visão sobre o tema busca sensibilizar aos educadores, aos

agentes de educação, alunos e cidadãos, da necessidade de uma abordagem científica, crítica, humanista e reflexiva sobre o tema e seus derivados.

Desta determinação conceitual e ética nasce nossa proposta política e institucional, a de construir uma educação sexual capaz de fazer a crítica dos papéis tradicionais e, ao mesmo tempo, decifrar e criar argumentos de superação dos discursos massificantes que entendem a sexualidade como mercadoria, o prazer como produto e a própria condição humana como uma questão econômica ou mercenária. Esta dimensão política nos impulsiona para uma abordagem crítica, histórica, analítica, educacional, ética e esteticamente libertadora, passível de ser pensada e vivenciada numa sociedade que venha a superar os padrões ditados pelo poder dominante, quer no campo das relações materiais, quer no campo das relações de poder e de reprodução ideológica e institucional.

CAPÍTULO II

A DIALÉTICA DA SEXUALIDADE NA SOCIEDADE

CONTEMPORÂNEA. As Concepções Matriciais dos discursos

sobre Sexo e Sexualidade: FREUD, REICH e FOUCAULT

Neste capítulo intentamos apresentar as premissas teóricas e as bases referenciais, analíticas e interpretativas, de nosso método de pesquisa. Buscamos pautar a análise da sexualidade como produto histórico e dimensão da práxis social humana. Para nossa concepção, esta premissa, a priori, circunscreve o método dialético e a possibilidade de interpretar a sexualidade. Buscaremos ainda apresentar aqui as principais contribuições do pensamento de FOUCAULT e a conceituação de sexualidade; suas bases conceituais, suas premissas básicas, seu método e principais contribuições no “esclarecimento” da sexualidade, produzido em seu universo epistemológico, com seus limites e contradições.

Apresentaremos ainda nossos estudos sobre FREUD e seu proclamado pioneirismo, na determinação do campo da sexualidade como tema de investigação, seus conceitos fundantes, as obras referenciais de sua produção e destacada influência na cultura ocidental. Buscaremos problematizar a possibilidade de constituir propostas práticas e determinações políticas e institucionais, no campo da Educação Sexual, a partir da retomada do universo epistemológico e potenciais aproximações da obra de FREUD na Educação Sexual.

Por fim, apresentaremos a análise de REICH a política e a sexualidade; sua crítica à família, ao casamento e à sociedade autoritária, sua contundente crítica ao capitalismo e à sexualidade controlada, bem como sua proposta de uma economia sexual como forma de libertação subjetiva e subversão social.

Nesta direção, o presente capítulo identifica as definições fundamentais de FREUD, REICH e FOUCAULT sobre Sexo, Sexualidade e Educação Sexual. Escolhemos estes três campos temáticos pela sua ampla significação nos discursos e enfoques atuais presentes nas teorias da sexualidade que, explícita ou intuitivamente, consubstanciam as principais iniciativas de delimitação de um campo teórico e prático de estudos da Sexualidade.

Nossa intenção foi, até o momento, a de investigar as bases e diferenças estruturais entre estes três grandes teóricos da sexualidade de modo a visualizar possíveis apropriações institucionais de seu pensamento e de suas contribuições teóricas à questão da Sexualidade e Educação Sexual. A sistematização conceitual, não necessariamente desvinculada dos diferentes universos epistemológicos e matrizes filosóficas que sustentam tais produções, poderia dar condições para identificar tantos reducionismos e apropriações parciais, até mesmo banais e desonestas, destes autores, em muitas iniciativas voluntaristas e espontaneístas de abordar a temática. A ausência de uma ampla produção de tais estudos na, Filosofia e na Educação, herança de nossas raízes culturais, na Universidade e na sociedade, amplia a dificuldade de aportes esclarecedores destes esforços e de seus limites estruturais.

Considerando o levantamento das vertentes historiográficas para uma abordagem da educação sexual no Brasil, respeitando as exigências de investigação e reflexão que são reservadas ao trabalho de educação, ou ao menos sensibilização, para a Sexualidade Humana, apresentamos nosso breve parecer sobre o percurso histórico das iniciativas em Educação Sexual no país, buscando registrar valorativamente a luta por todas as conquistas já produzidas até agora. Esperamos apresentar uma radiografia crítica destas iniciativas e propostas institucionais.