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FOUCAULT define com clareza quatro grandes estratégias para a descrição e o enquadramento pelo poder, das práticas sexuais. Vejamos tais categorias: histerização do corpo da mulher, pedagogização do sexo da criança, socialização das condutas de procriação e psiquiatrização do prazer perverso, categorias marcantes na obra de FOUCAULT:

“A histerização do corpo da mulher: tríplice processo pelo qual o corpo da mulher foi analisado – qualificado e desqualificado – como corpo integralmente saturado de sexualidade; pelo qual, este corpo foi integrado, sob o efeito de uma patologia que lhe seria intrínseca, ao campo das práticas médicas; pelo qual, enfim, foi posto em comunicação orgânica com o corpo social (cuja fecundidade regulada deve assegurar), com espaço familiar (do qual deve ser elemento substancial e funcional) e com a vida das crianças (que produz e deve garantir, através de uma responsabilidade biológico-moral que dura todo o período da educação): a Mãe, com sua imagem em negativo que é a ‘mulher nervosa’, constitui a forma mais visível desta histerização”. (1988, p. 99)

Eis uma forma encontrada pela sociedade moderna para assinalar a mulher como um perigo sexual eminente, sem desobrigá-la das tarefas relativas à manutenção e organização da família. Sabe-se que o senso comum reforça os estereótipos sexuais e,

entre muitos, destaca-se o rótulo da mãe aflita e constantemente nervosa. São três séculos de inculcação destes papéis. Vê-se o resultado claramente, no exército de mulheres que luta para entender e superar as formas de introjeção das identidades sociais dominantes. Também a sexualidade da criança, segundo FOUCAULT, sofreu interferência objetiva:

“Pedagogização do sexo da criança: dupla afirmação, de que quase todas as crianças se dedicam ou são suscetíveis de se dedicar a uma atividade sexual; e de que tal atividade sexual, sendo indevida, ao mesmo tempo ‘natural ‘ e ‘contra a natureza’, traz consigo perigos físicos e morais, coletivos e individuais; as crianças são definidas como seres sexuais ‘liminares’, ao mesmo tempo aquém e já no sexo, sobre uma perigosa linha de demarcação; os pais, as famílias, os educadores, os médicos e, mais tarde, os psicólogos, todos devem se encarregar continuamente desse germe sexual precioso e arriscado, perigoso e em perigo; essa pedagogização se manifestou, sobretudo na guerra contra o onanismo, que durou quase dois séculos no Ocidente”. (1988, p. 99).

Percebe-se a mesma preocupação em conter e atribuir um sentido negativo à sexualidade da criança e à sexualidade da mulher, objetivando uma vigília externa e uma culpabilização e desconfiança interna, criando uma vulnerabilidade que facilitava o controle, dentro da mesma lógica da produção e em tempos de crise de mão-de-obra para o trabalho industrial. O sentido de preservação e multiplicação da família e a responsabilidade da mãe, mesmo nervosa, continua a ser da mãe e a intenção disciplinadora da criança, que será o adulto de amanhã, só terá continuidade se nascerem mais e mais crianças. Assim, conforme FOUCAULT, vejamos o seguinte dispositivo:

“(...) socialização das condutas de procriação: socialização econômica por intermédio de todas as incitações, ou freios, à fecundidade dos casais, através de medidas ‘sociais’ ou fiscais; socialização política

mediante a responsabilização dos casais relativamente a todo o corpo social (que é preciso limitar ou, ao contrário, reforçar), socialização médica, pelo valor patogênico atribuído às práticas de controle de nascimentos, com relação ao indivíduo ou à espécie.“. (1988, p. 100)

As medidas sociais são exatas medidas de controle, onde cada casal confessa- se socialmente. Casamento, nascimento, óbito... Informações que permitem vários tipos de interferências. A sociedade moderna não tardou a criar instituições de trabalho e apoio social que passaram a empenhar em fazer cumprir os objetivos capitalistas em fase se consolidação.

Neste momento, a sociedade já aprendia, sob duras penas, a classificação do normal e anormal para o comportamento sexual humano. Assim, os que não se encontravam dentro dos preceitos de normalidade, sofriam o efeito do seguinte dispositivo:

“(...) psiquiatrização do prazer perverso: o instinto sexual foi isolado como instinto biológico e psíquico autônomo: fez-se a análise clínica de todas as formas de anomalia que podem afeta-lo; atribuiu-se-lhe um papel de normalização e patologização de toda a conduta; enfim, procurou-se uma tecnologia corretiva para tais anomalias.” (1988, p. 100)

Aqui temos a classificação, o diagnóstico e o tratamento do sexo supostamente perverso. Tal consideração nos remete à identificação dos fundamentos da moralização e institucionalização das práticas supostamente oficiais e ao esforço de

CAPÍTULO III

MARCOS FILOSÓFICOS E EPISTEMOLÓGICOS DE FREUD,

REICH E FOUCAULT E SUAS POTENCIAIS APROPRIAÇÕES

REFERENCIAIS (TEÓRICAS) E EDUCACIONAIS (PRÁTICAS) NAS

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO E ATUAÇÃO INSTITUCIONAL DA

EDUCAÇÃO SEXUAL

Os temas que pretendemos abordar no capítulo presente tratam a dinâmica da Educação Sexual. Apontamos, nas páginas anteriores, a necessidade de formação de uma base científica de reflexão sobre o tema, ainda muito distante da realidade atual das principais iniciativas institucionais e referenciais sobre Sexualidade e Educação.

Passadas duas décadas de diferentes práticas de Educação Sexual, acabamos por constatar uma acentuada banalização ou saturação do tema, quer pela insuficiência de algumas iniciativas de educação sexual escolar, quer pela massificação do discurso da sexualidade, das práticas e vivências consumistas, produzindo uma ampla desumanização dos sentidos e práticas da sexualidade. O voluntarismo, o espontaneísmo e o ecletismo, a improvisação, as contradições e carências de uma

abordagem educacional emancipatória da sexualidade levam os pesquisadores a delinear uma necessidade de re-qualificação teórica do tema e sua fundamentação.

As propostas recentes, particularmente aquelas assumidas pela política educacional recente, através da propositura da Orientação Sexual como tema transversal guardam particularidades teóricas e limites práticos que devem ser esclarecidos. O eixo central da presente pesquisa gravita ao redor da intenção de resgatar os autores “clássicos” e determinantes da configuração do campo teórico- metodológico e significativo da sexualidade, suas bases conceituais, disposições metodológicas e contribuições reflexivas.

3.1 A Sexualidade, Educação Sexual e História da Sexualidade em FOUCAULT: