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A teoria de S. FREUD (1856-1939) desempenhou e ainda desempenha um papel chave para a compreensão do ser humano no mundo contemporâneo. Hoje é comum encontrarmos teóricos que apresentem um ceticismo arrogante em relação à teoria freudiana compreendendo-a como teoria científica já supostamente superada.

Este sentimento de suposta superação da teoria de FREUD é difundido especialmente por quem não teve um contato mais detido e criterioso com a produção científica de FREUD ou não pode alcançar a profundidade e a novidade revolucionária de sua teoria. É inegável que outros estudiosos desta área, partindo dos estudos de FREUD, conseguiram reinterpretá-lo ou efetivaram um trabalho de aprofundamento e ampliação de conceitos trabalhados por ele. Porém, é importante considerar uma distinção básica entre originalidade teórica e re-arranjo teórico. Esses termos são por si só explicativos do ponto que estamos considerando quanto ao esforço intelectual para cada uma destas ações.

O sentido do esforço epistemológico para tal investida parece residir na compreensão da sexualidade quanto talvez a mais importante dimensão humana, que culmina nas práticas para a formulação e ordenação das teorias, do ponto donde partem as articulações teóricas em torno do tema, considerando o contexto cultural e o momento histórico e político onde transita cada autor que, sempre com grande empenho, busca superar os pensamentos e propostas metodológicas de FREUD. A diferença, a nosso ver, está na originalidade, abrangência e profundidade das teorias freudianas. O que encontramos com freqüência é a subdivisão de sua teoria, tratando temas específicos separadamente de seu referencial original e de conjunto, elaborado por FREUD. É comum também a apropriação indevida de conceitos desenvolvidos por este teórico, desvirtuando os sentidos de expressões e substituindo termos por seus sinônimos, numa terrível ocultação de fontes, das quais, muitos dos trabalhos de FREUD já trataram.

Não faltam interpretações idealizadoras do indivíduo e da sociedade como compensação da complexa e difícil compreensão da relação do homem com ele próprio

e com sua história de vida. A especialização no campo da Psicanálise fez de seu subsídio teórico um mosaico mais confuso que se possa imaginar, muitas vezes desconexo e superficial. A dimensão teórica de “conjunto”, termo da Filosofia, sobre a sexualidade é encontrada mais significativamente no trabalho de FREUD. Uma das características do exercício da produção teórica moderna e contemporânea é justamente a especialização. Talvez esse seja um fator de dificuldade para o alcance da abrangência da teoria freudiana. FREUD teve uma formação diferenciada, privilegiando em medida considerável, para o seu tempo, o pensamento filosófico antigo. Sua interlocução com a Filosofia é, muitas vezes, descurada e pouco estudada.

Na tentativa de ilustrar o significado de sua obra abriremos um espaço para apresentarmos alguns dados sobre sua vida e seu contexto histórico. Com o cuidado de não tentar inutilmente psicanalizar o próprio FREUD, buscamos na biografia existencial alguns determinantes para a explicitação do contexto social e cultural de seu trabalho e atuação.

Nascido a 06 de maio de 1856, na Morávia, na época um distrito da Áustria, onde hoje é a cidade de Pribor na Tchecoslováquia, e falecido a 23 de setembro de 1939 em Londres, vítima de um câncer no maxilar que suportou por 16 anos e o obrigou a submeter-se a 33 cirurgias, usar prótese e ingerir quantidades enormes de analgésicos.

FREUD faleceu, portanto, na Inglaterra, onde asilou-se após a invasão nazista à Áustria e após prisões relâmpagos, perseguições e interrogações da Gestapo a seus filhos Anna e Martin FREUD, acontecimentos que o fizeram sofrer mais fortemente os conflitos políticos de seu tempo. SIGMUND FREUD era o terceiro filho do senhor Jakob FREUD, e o primeiro filho de seu segundo casamento. Jakob casou-se aos 41 anos com a jovem Amália de 21 anos, que viria a ser a mãe de Sigmund. Jakob era um bem sucedido comerciante de lã até 1860, quando da guerra austro-italiana, onde seu bem estar financeiro sofrera, em decorrência da guerra, violento declínio e a família tivera que mudar-se para Viena, onde Sigmund vive quase

toda a sua vida. Sigmund teve dois irmãos por parte do primeiro casamento de seu pai, e mais cinco irmãs e um irmão da mesma união da qual ele nasceu. FREUD conhecia bem os preceitos do Judaísmo, seguido por seu pai, embora pessoalmente não praticasse formalmente a religião de tradição judaica.

Sigmund FREUD casou-se em 1886, aos trinta anos, com Martha Bernays, cinco anos mais jovem que ele, filha de um famoso rabino da época. O namoro entre eles teve a duração de quatro anos e durante esse tempo encontraram-se cerca de seis vezes. Por causa dos estudos de FREUD moravam em cidades diferentes e namoravam quase que exclusivamente por correspondência.

Da união do casal nasceram seis filhos: em 1887 nasceu Mathilde, em 1888 nasceu Jean-Martin, que recebeu o primeiro nome de seu então amigo CHARCOT, em 1891 nasceu Oliver recebeu esse nome em homenagem a Cromwell, em 1892 nasceu Ernst, nome homenageando BRÜCKE, em 1893 nasceu Sophie e em 1895 nasceu Anna, a mais jovem e a única dos filhos que veio a interessar-se por trabalhar com os temas de pesquisa desenvolvidos pelo pai.

FREUD formou-se em Medicina, centrando mais tarde seus interesses pela clínica neurológica. Conclui sua formação acadêmica em medicina no ano de 1881. É interessante salientar que em Viena no final do séc. XIX, todo estudante de Medicina era obrigado a cursar três anos de seminários de Filosofia para leitura e debate de temas. Foi neste período que o jovem estudante tomou maior proximidade com as questões da Filosofia. Mesmo antes de ingressar na formação superior FREUD estudou e aprendeu por si só os seguinte idiomas: latim, grego, espanhol, inglês, italiano, além de ter estudado na infância com seus pais, o hebraico.

No momento em que terminou o curso de Medicina estava convencido de que não queria praticar a clínica médica, mas queria tornar-se um pesquisador, vontade que logo teve que relativizar, por dificuldades financeiras. Passou então à atuação em Medicina prática, mesmo sem se identificar com o que fazia. A vida de FREUD somou 83 anos de um perfil bastante peculiar que despertou sentimentos tão

contraditórios, entre o desprezo e admiração nas pessoas de seu convívio. Segundo seus biógrafos FREUD era uma pessoa tímida, introspectiva, porém mentalmente muitíssimo ativa.

Na biografia de FREUD por JONES, Ernest: “VIDA E OBRA DE SIGMUND FREUD” (JONES:1975) há registros de que FREUD aprendeu muito do comportamento humano observando os próprios pais. Na pág. 41 da referida obra JONES escreve: “O pai encarnava para FREUD o princípio da realidade e a mãe o princípio do prazer.” Então mesmo antes de formalizar a teoria que mais tarde viera a colaborar com o sentimento dialético do viver humano, este já havia se mostrado de alguma forma na vida do personagem em questão.

Segundo JONES as contribuições de FREUD para a questão da sexualidade só acontecem de fato após seus 36 anos de idade. Seus registros biográficos apontam que FREUD inicia os estudos sobre o “Complexo de Édipo” mais ou menos aos 41 anos. Portanto, seu trabalho no campo da sexualidade é fruto de uma maturidade etária e científica e de sua disciplina para a pesquisa sobre a condição psico-emocional humana, seus limites e sua evolução.

No texto de outro biógrafo seu, MANNONI, Octave. (1996) “FREUD: UMA BIOGRAFIA ILUSTRADA”, o autor considera que FREUD nunca abandonou nenhuma de suas idéias, mesmo depois de superá-las, o que na realidade era uma ação para reformulá-las ou aperfeiçoá-las. Quando estudamos a vida de FREUD percebemos que algumas de suas fontes de pesquisa acompanharam-no a vida inteira. É o caso da história de Moisés no manuscrito: “Moisés e o Monoteísmo”, e também da obra “A Saga de Édipo-Rei” e outros textos que, com o passar do tempo, ele relia e articulava novas interpretações, considerando a dinâmica do aprofundamento do aprendizado.

O contexto histórico em que viveu FREUD, ou seja, o lugar histórico de sua vida biológica, foi sempre um lugar de conflitos, mudanças e realidades difíceis. Tendo que lutar até para sobreviver às dificuldades financeiras até cerca de seus sessenta anos, quando sua obra começou a ser reconhecida. Após esse período, quando estava

bem próximo de completar setenta anos, descobriu o câncer na mandíbula e sofreu com ele até seus últimos dias. Diante de tudo o que vivia, as dificuldades econômicas, de saúde e as dificuldades decorrentes da aceitação ou não de seu trabalho, percebe-se que estas experiências deixaram marcas profundas em suas formas de ser e de relacionar-se com seus colegas de campo de trabalho. Em todas as biografias de FREUD encontramos referência à sua política de tratamento com os colegas que era de uma amistosidade delicada. Muitos foram sumariamente excluídos de seu convívio por disputas teóricas ou mesmo por discordarem de seus pontos de vista. Alguns depoimentos de colegas seus o acusam de insensibilidade.

Mas o que distingue seu modo de vida do modo de vida de outros homens do seu tempo é a intensidade de suas crises internas e sua dedicação desmedida à pesquisa a respeito do homem em sua dimensão mais expressiva: a sexualidade. Para que entendamos a sexualidade, como uma importante dimensão humana, precisamos compreender, senão a complexa abrangência e a profundidade, ao menos, as bases do pensamento de Sigmund FREUD a esse respeito. Não é nossa intenção, nem consideramos que tenhamos possibilidades de fazer tal coisa, apresentar um resumo interpretativo da obra de FREUD ou destacar aspectos relevantes de sua obra para as Ciências Modernas. Pretendemos, outrossim, apresentar tópicos de sua vasta e rica produção teórica e metodológica no campo da Sexualidade e no encaminhamento da proeminência da Sexualidade na organização e entendimento do comportamento humano.

Em meio a toda dinâmica moderna da vida política, econômica e cultural do fim do século XIX e início do século XX, no sentimento social decorrente de suposta e propalada superioridade absoluta do homem ocidental, os estudos deste pesquisador, que ao contrário da esmagadora maioria dos estudiosos da época, não pesquisara o mundo exterior, mas o mundo interior humano, descortinara-se uma realidade que viria a contribuir para relativizar, de uma forma bem específica, esta superioridade humana.

A característica principal das teorias freudianas, seguindo esse raciocínio, era que o Inconsciente, interior desconhecido de cada homem, poderia fazer brotar a qualquer momento, reações, sentimentos ou atitudes inesperadas pelos indivíduos. Com

essas e muitas outras teorias como: a própria formulação da Psicanálise compreendida como a psicologia profunda para a elucidação de distúrbios neuróticos, também definida como a Ciência do Inconsciente, FREUD marcou, inovou e fez avançar as questões sobre a condição humana, a sociedade, a cultura e a educação sexual, afetiva e produtiva do sujeito humano.

As formulações da teoria psicanalítica de FREUD definem estruturas da vida mental que abrangem as categorias: Econômica, a Topográfica e a Dinâmica; o reconhecimento da Repressão e da Transferência que gravitam em torno do que ele chamou de Instinto Sexual, ponto de partida para toda sua proposição teórico-científica. É inegável que FREUD contribuiu crucialmente para o desencadeamento da luta pelo conhecimento psicológico do homem.

Dentro do universo da psicanálise organizada por FREUD há a integração ordenada de toda uma teoria sobre a psique do ser humano. A partir do desenvolvimento individual de cada um de nós é possível, depois de FREUD, caracterizar nosso perfil psicológico a partir de características de nosso comportamento, seja ele consciente ou inconsciente.

Para a compreensão do indivíduo é necessário não apenas compreender sua história de vida do contexto exterior, mas compreender a relação entre as influências do meio em que vive, a história de vida que produziu e produz, a partir dessas influências e, sobretudo, a relação entre ele, o sujeito-desejante e os que partilham da sua convivência. Este conjunto de relações forma seu mundo interior que a psicanálise chama de psiquê.

Para a compreensão desta integração complexa e dispositiva da realidade humana FREUD estudou os processos da vida mental. Passaremos a apresentar uma espécie de introdução conceitual dos aspectos gerais de seu trabalho, recorrendo aos recursos da análise informativa, buscando fazer compreender as categorias da vida mental formuladas por ele depois de muito estudar e pesquisar seus pacientes.

Segundo a teoria psicanalítica existem princípios fundamentais que organizam todo o desenvolvimento humano. Esses princípios fundamentais estão dispostos na vida mental sob a organização da categoria Econômica. Essa categoria, a econômica, faz-se representativa da idéia de que os instintos, para a psicanálise, têm uma quantidade de energia definida, cabendo por tanto ao chamado aparelho mental, enfocando o rigor deste aspecto administrativo da mente, impedir o represamento desta energia buscando manter baixo o volume de excitação da mesma. Esses processos mentais, originais ou internos, de controle de energia contam com um regulador que é o princípio de prazer- desprazer, representado assim: o prazer - que relaciona-se com a redução da excitação, e o desprazer que, ao contrário do primeiro, relaciona-se com o aumento da excitação. Portanto, a econômica marca a dialética do aumento e diminuição da excitação da energia.

Com referência ao mundo externo, na ação de desenvolvimento do indivíduo, o princípio do prazer original dá lugar ao princípio da realidade. Assim os princípios fundamentais que organizam todo o desenvolvimento humano, como anunciamos acima, são conhecidos, a partir de FREUD, como: o Princípio da Realidade e o Princípio do Prazer. São princípios contrários entre si que resultam na dinâmica da ação humana para o seu desenvolvimento em estruturas comportamentais. O Princípio da Realidade caracteriza-se pelo adiamento do prazer e pela tolerância temporária de sentimentos de desprazer. Já o Princípio do Prazer caracteriza-se pelo adiamento da realidade e pela tolerância do prazer.

Passaremos a considerar o ponto de vista Topográfico que é a descrição da composição do aparelho mental humano. O aparelho mental é composto basicamente de Consciência e a Inconsciência que, quanto às suas especificidades e inter-relações de atribuições temos: o Id, que é, a grosso modo, um repositório de impulsos instintivos em processos inconscientes, o Ego, que representa a parte superficial do Id modificada pelo mundo externo e pelo Superego, portanto mediador e “funcionário” do consciente, e o Superego que se desenvolve originalmente do Id e o domina representando as inibições do instinto que são característicos do homem.

A categoria da vida mental Dinâmica, representada pelos processos mentais de instintos orgânicos que possuem uma reserva de energia somática intensa. Essa energia somática é articuladora da compulsão e da repetição representadas mentalmente, para o próprio indivíduo, como imagens e ou idéias com carga afetiva. Esses instintos ditos orgânicos subdividem-se em dois instintos básicos: o instinto do Ego: aqueles de autopreservação, e o instinto do Objeto aqueles para a relação com os objetos ou mundo externo. Teoricamente é possível admitir que haja dois outros instintos que fundamentam a existência, interação e expressão do Ego como mundo e do Objeto como mundo exterior, assim colocados. Essa sustentação seria a dinâmica entre: Eros - para a construção de tudo o que representa a Vida e Tanatos - para a destruição do que está vivo representando a Morte.

É importante registrar que, na teoria psicanalítica, à força de Eros dá-se o nome de Libido, que é a própria energia sexual do ser humano. É de fundamental importância salientar que as categorias mentais expostas aqui, não são de maneira alguma o ponto de partida da psicanálise e sim suas conclusões mais gerais após intensas pesquisas e estudos rigorosos, através do trabalho de FREUD, em seus primeiros ciclos teóricos.

A preocupação primeira da Psicanálise foi a elucidação dos impulsos neuróticos do ser humano. Para tal empenho na investigação da vida mental, foram decisivas o Reconhecimento da Repressão na inibição da energia e impulso sexual - a libido, a Importância do Instinto Sexual, que é o instinto de mais ampla manifestação contraditoriamente à repressão que sofre pela cultura. Além do reconhecimento da importância do que ele chamou de instinto sexual e o reconhecimento da repressão sócio-cultural a esse instinto, a ocorrência do que FREUD chamou de Transferência foi o que permitiu primariamente, a detecção de algum tipo de neurose no indivíduo. Esta última é a expressão de que o indivíduo não venceu as relações edipianas da infância familiar. Com a articulação dessas importantes teses preliminares: importância do instinto sexual, reconhecimento da repressão e transferência de sentimentos, foi possível que a cultura humana ficasse ciente de que os sintomas neuróticos nada mais

são do que a manifestação de que o indivíduo sofreu repressão de sua sexualidade e que, o que foi reprimido manifesta-se por vias indiretas como que uma substituição dos instintos reprimidos.

Até aqui acreditamos ter deixado claro que pensamento formalizado por FREUD a respeito da sexualidade da criança é, na realidade, o ponto de chegada da Psicanálise. E é este precisamente o ponto que nos permitirá fundamentalmente produzir o itinerário para um trabalho desafiador, e ainda, podemos dizer, exaustivo e inovador no campo teórico-acadêmico, buscando suscitar o interesse e a atenção criteriosa daqueles que trabalham pedagogicamente o tema em escolas e organizações educacionais.

A exposição de diretrizes conceituais concernentes à tipologia do pensamento freudiano revela a originalidade de seu esforço e produção teórica e a distância, nos círculos de formação de educadores e agentes educacionais, motivados para um trabalho prático e institucional de educação sexual, deste referencial teórico e suas bases epistemológicas, éticas e político-sociais.

2.3 Contextualização epistemológica da Psicanálise e a produção da Identidade