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MÁRTIRES E CONFESSORES

2.1. Prisioneiros com Cristo, unidos a Cristo, imitando-O até ao fim

2.1.3. Continuação da Via Sacra

Neste campo de trabalhos forçados, bastante mais vasto que o anterior, encontraram-se muitos prisioneiros, provenientes de diversas prisões – e ali se encontravam concentrados

85 certamente mais de metade dos intelectuais da Albânia, ex-ministros, escritores, professores, economistas, engenheiros, padres católicos e estudantes225.

Deveriam trabalhar horas no pântano, com 70-80 cm de água cheia de rãs e sanguessugas, que tentavam afastar com a pá; depois tentavam esfregar as pernas com sabão, o que resultava apenas durante cerca de meia hora. A única maneira eficaz de as fazer sair do corpo era queimando-as com um cigarro; o incómodo era de tal ordem que o prisioneiro que auxiliasse outro a livrar-se das sanguessugas, com o cigarro, se tornava a pessoa mais querida na sua vida. Esta situação tornava unidos muçulmanos, cristãos, de qualquer quadrante político (ballista, zoguista); … quando regressavam ao campo, procuravam a pessoa que o tivesse ajudado para lhe agradecer, independentemente das suas convicções ideológicas ou políticas: “ali na água do pântano, enterrávamos as ideologias de religião, da sociedade e da política – e permanecia somente o Homem. Esta é a verdadeira lei e mandamento do Senhor”226.

Como as condições de trabalho eram duríssimas e a água impedia que empurrassem os carrinhos de mão, os prisioneiros viam-se constrangidos a carregá-los às costas, o que levou um Engenheiro a comentar: “Olha, frade Zef, o que dizer quando a matéria domina o espírito? Em vez de o Homem andar no carrinho de mão, aqui é o carrinho de mão que anda às costas do Homem. Este é o cúmulo do materialismo!”227.

225De acordo com o testemunho do documentário “Burg se s'u bë bashkëpunëtor i sigurimit kujto.al | Arkiva

Online e Viktimave të Komunizmit”, 10.01.2019, as penas atribuídas a determinada acusação eram muito mais pesadas consoante o grau de estudos do réu. Assim, pelo crime de “agitação política contra o comunismo”, um analfabeto seria condenado a 3 anos de prisão, uma pessoa com estudos médios receberia a condenação de 6 anos e uma pessoa com estudos superiores, 10 anos de prisão.

226 PLLUMI, Zef, Rrno vetem per me tregue, 212. 227 PLLUMI, Zef, Rrno vetem per me tregue, 213.

86 À noite, um dos intelectuais comentava: “Estaline proclamava a justiça da sociedade, a luta de classes para atingir uma sociedade justa, sem classes, mas na verdade reduzia todas as pessoas à escravatura, tirando-lhes todas as riquezas e bens que poderiam ter”228.

Neste campo, aparece um médico de Shkodra, Luigj Radoja, que vem trabalhar para o campo também na qualidade de prisioneiro pois, apesar de ser comunista, fora condenado como traidor; era muito crítico do estado de saúde dos prisioneiros e a todos dirigia palavras de ânimo. A ele, veio juntar-se um outro médico, o Dr. Pustina, também comunista e com o mesmo estatuto de prisioneiro; quando este lhe perguntava como podia encorajar os prisioneiros, inclusive os que se encontravam condenados em termos de saúde, Luigj Radoja respondia que “ fiz o juramento de Hipócrates, e este dizia que mais do que o medicamento ou até o bisturi numa operação cirúrgica, o que de facto cura é a palavra; e que essa palavra ainda tem mais peso quando proferida por um médico, um sábio. O ser humano acredita em todos o que o ajudam, seja Deus, o rei, o médico, o professor ou o sábio”229. Um dia em que Zef ficou paralisado do lado direito do corpo e é assistido pelo Dr. Pustina, este comenta:

“Frade Zef, nós prisioneiros não temos aqui condições humanas. Vivemos pior que os animais. Eu sou comunista, nunca acreditei que existe um Deus, mas agora comecei a rever as minhas convicções. Vocês trabalham no pântano, eu faço as minhas contas e penso: “Como é que vocês trabalham sem alimento? De acordo com as premissas científicas, vocês já deveriam ter todos desaparecido. A vossa carne deveria ter sido consumida até ao osso: o Homem é uma máquina que trabalha com carburante. Vocês recebem muito poucas calorias e gastam muitas calorias, diariamente. Não existe animal de trabalho que trabalhe como vós, nestas condições. Todas as vossas reservas deveriam estar esgotadas, não somente a gordura, mas também a carne e até o osso – esta é uma conclusão científica exata: deveriam estar todos aniquilados, mortos. Não existe Doutor no mundo que possa refutar esta conclusão. Que força sobrenatural mantém vivo este animal de trabalho. Este facto causa em mim um choque espiritual. Estou em crise. Eu vejo claramente que existe uma força sobrenatural, que mantém vivas estas pessoas transformadas em animais. Escuta, eu vou repetir mais uma vez: eu nunca acreditei na existência de Deus, mas agora não posso negar a existência sobrenatural: encontro-me perante

228 PLLUMI, Zef, Rrno vetem per me tregue, 211. 229 PLLUMI, Zef, Rrno vetem per me tregue, 215.

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evidências científicas, provas. A doutrina da matéria acabou, a matéria chegou ao limite, agora estamos no domínio do sobrenatural. Eu estou em crise espiritual. E não é uma simples coincidência: porque é que agora, depois das oito da noite, vem aqui um frade católico ter comigo? Eu vejo claramente que é uma planificação de uma força sobrenatural”230 .

Não querendo alongar com outros testemunhos narrados pelo Padre Zef Pllumi acerca da sua experiência como prisioneiro nos trabalhos forçados, tanto nos pântanos como nas minas, percebemos melhor a dureza da vivência os mártires suportaram, unidos a Cristo. Com estas breves histórias, percebemos melhor que algumas das últimas palavras proferidas pelos mártires fossem estas, como um eco das suas vidas:

Viva Cristo Rei! Viva a fé e Cristo!