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Eucaristia e martírio: Visita de Cristo à prisão

MÁRTIRES E CONFESSORES

2.1. Prisioneiros com Cristo, unidos a Cristo, imitando-O até ao fim

2.1.2. Eucaristia e martírio: Visita de Cristo à prisão

No outono, com o agravamento das condições atmosféricas, as condições de trabalho pioraram consideravelmente; a chuva e a lama dificultavam muito a vida quotidiana, tanto mais que nesta fase os prisioneiros já se encontravam descalços e esfarrapados. Em 27 de novembro de 1948, os prisioneiros, menos cem do que no início (devido às mortes) partem rumo à grande prisão em Shkodra, uma parte do caminho a pé, de noite, carregados e em condições muito duras, fortemente vigiados para evitar evasões e depois presos seis a seis para viajarem de camião até à prisão. Encontram-se na prisão com alguns sacerdotes que não viam há meses, tendo-se apercebido de que alguns tinham morrido, entretanto, outros tinham sido internados no Hospital – e alguns permaneciam ainda naquela prisão.

Foram presos, Zef (ainda diácono) e 16 sacerdotes na cela nº 7, um espaço exíguo e os restantes na cela nº 5; as condições eram infra-humanas221, e como referido, não existia sistema de refeições, dependendo os prisioneiros, totalmente, da ajuda das famílias para assegurar o seu sustento. Aos Domingos, era possível receberem uma curta visita da família, sendo chamados cinco a cinco para comparecerem no local, algemados e separados dos visitantes por grades; encontravam-se de tal modo desfigurados e esqueléticos que os familiares não os reconheciam: quando a família reclamava: “queremos ver o Zef Pllumi”, ele tinha de gritar “sou eu, aqui estou”, situação que o leva a estabelecer um paralelo com o “Ecce Homo”. Nestas visitas, os prisioneiros deviam pedir aos familiares o alimento para a semana seguinte, e Zef comenta que o recinto se tornava como que uma grande feira em que todos

220 Cf. PLLUMI, Zef, Rrno vetem per me tregue, 199.

83 gritavam para se fazer ouvir, atrás das grades, até que o apito do guarda soasse e os obrigavam a regressar à cela, sem sequer poder haver lugar a despedidas.

Na Páscoa de 1949, aconteceu um episódio que levou aos sacerdotes prisioneiros da cela nº 7 uma alegria indescritível: Cristo visita-os na prisão! Zef Pllumi narra o sucedido, com verdadeira emoção. Num Domingo anterior, 15 dias antes da Páscoa, a irmã do Padre Leon Kabashi apresentou-se na visita com uma Religiosa Servita, Irmã Dava (entretanto expulsa do convento, agora encerrado; dedicava-se atualmente a pedir esmola para levar aos sacerdotes na prisão). O Padre Leon pediu à sua irmã um par de botas de lã e dirigiu-se à Irmã Dava, dizendo: “por favor traz-me, dentro das botas de lã, o “Débito, a Dívida da Páscoa”, expressão de código para que os guardas prisionais e espiões “profissionais” que ali se encontravam sempre, não percebessem que se tratava de Jesus Sacramentado. A Irmã Dava responde que lhe trará.

No dia de Páscoa, a irmã traz-lhe roupa e a Irmã Dava as botas de lã, que tinha confecionado com um forro cuidadosamente cosido, no interior do qual tinha colocado, em cada uma, 25 Hóstias consagradas, devidamente resguardadas por um corporal. Para que os guardas não percebessem do que se tratava, a Religiosa refere: “Só pude trazer desta vez estas botas, mas foram feitas com muita dedicação e conforme os teus gostos”222. Ao regressar à cela nº 7, o Padre Leon Kabashi encarrega Zef, por ter confiança nele e ser habilidoso, de abrir as meias, o que conseguirá com a ajuda de uma agulha que mantém clandestinamente na cela. Depois de retiradas cuidadosamente as 50 Hóstias, ajoelham em adoração, após o que o Padre Leon Kabashi incumbe Zef de proteger Cristo até ao momento em que possam confessar-se mutuamente e depois comungar223; recomendou-lhe que, em caso de qualquer imprevisto, consumisse todas as Hóstias. Zef dormiu com os dois corporais envolvendo as

222 PLLUMI, Zef, Rrno vetem per me tregue, 206.

223Zef confidencia que se sente como o Mártir da comunhão das catacumbas, São Tarcísio, de 12 anos,

violentamente morto por ter levado a Hóstia consagrada às prisões de Roma onde se encontravam presos os cristãos que iriam ser martirizados no dia seguinte.

84 Hóstias sobre o peito, perto do coração, sentindo-se feliz, não obstante a situação de cativeiro. Naquela noite, confessaram-se uns aos outros, por ser Páscoa, mas os restantes sacerdotes ainda não sabiam que as Hóstias consagradas se encontravam na cela. Na manhã seguinte, 2ª feira de Páscoa, antes do pequeno-almoço, o Padre Tomé Laca anuncia: “Irmãos, Cristo está aqui no meio de nós. Recebamos Aquele que foi sacrificado por nós, para que nós estejamos prontos a ser sacrificados por Ele”224. E todos os prisioneiros da cela nº 7 recebem a comunhão das mãos do Padre Tomé Laca, comungando com grande alegria, o que faz Zef comentar que se repetia no século XX o mesmo que nas catacumbas dos primeiros séculos do cristianismo, no tempo da perseguição. Depois, o Padre Leon Kabashi encarregou Zef de fazer chegar as restantes Hóstias consagradas aos sacerdotes da cela nº 5; Zef conseguiu aproximar-se do Padre franciscano Donat Kurti, passando-lhe rapidamente para a mão o corporal dizendo: “O Sacramento”, e fazendo-lhe sinal para não esconder, pois poderia tornar- se suspeito, mas que guardasse o corporal na mão, juntamente com os óculos; ele entendeu e conseguiu passar o controlo. O mesmo rito de confissão entre os padres e comunhão repetiu- se na outra cela, nessa noite.

Os sacerdotes permaneceram na prisão até abril de 1949, mês em que se considerou que as condições climáticas já eram de novo propícias à secagem de pântanos, pelo que cerca de 300 dos prisioneiros foram conduzidos a um outro pântano no Sul, o pântano de Maliqi; neste contingente, integravam-se Zef Pllumi e 13 sacerdotes.