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5 APROXIMAÇÕES DAS PRÁTICAS AFETIVO-SEXUAIS DAS MULHERES

5.6 Contracepção

No eixo noções e o exercício da contracepção e prevenção das DST’s houve diferenças e semelhanças nas respostas das mulheres quanto a noção sobre o método da contracepção, assim como a forma que praticou a própria contracepção. Houve também um caso de exceção sobre o uso frequente da camisinha nas relações sexuais. Para uma melhor visualização das falas, ver quadro 12 abaixo para facilitar a fluidez da leitura.

Quadro 12 - Quadro de perguntas e respostas sobre contracepção das adultas jovens

INTERLOCUTORA PERGUNTAS RESPOSTAS

Maria (26)

Anna: você pode dizer se você se previne da gravidez ou de alguma doença sexualmente transmissível?

Na minha primeira vez eu usei camisinha, mas foi porque ele tomou iniciativa, aí depois continuei usando camisinha. Anna: você chegou alguma vez

a procurar um profissional de saúde?

Sim. Até procurei uma ginecologista, mas não me dei bem com o

anticoncepcional e continuei com a camisinha.

Anna: E com teu atual? Como? Com ele uso camisinha. Anna: Já deixou de usar

alguma vez?

Sim. Ele insiste mais em usar do que eu. Eu nunca comprei, só ele que compra.

Ana (31) Anna: você pode dizer se você se previne da gravidez ou de alguma doença sexualmente transmissível?

Já usei camisinha algumas vezes.

Anna: mais alguma coisa? Já tomei injeção também.

Bianca (33) Anna: você pode dizer se você se previne da gravidez ou de

Quando eu era nova eu não sabia usar o

alguma doença sexualmente transmissível?

anticoncepcional não, eu achava que era para tomar só quando tivesse relação, aí eu engravidei. E depois engravidei de novo tomando injeção. Agora sou laqueada.

Lilian (31) Anna: você pode dizer se você se previne da gravidez ou de alguma doença sexualmente transmissível?

Ah, eu usei camisinha na primeira vez e uso até hoje.

Anna: e se não tiver camisinha na hora?

Aí não faço não. Raquele (28)

Anna: você pode dizer se você se previne da gravidez ou de alguma doença sexualmente transmissível?

Eu nunca me preveni. Passei quatro anos para engravidar, a gente queria ter um filho. Depois usei algumas vezes.

E agora, como tá? Agora a gente tá tentando engravidar de novo e depois fazer a ligação. Cristina (31) Anna: você pode dizer se você

se previne da gravidez ou de alguma doença sexualmente transmissível?

Na primeira vez não usei nada de camisinha. Vim tomar anticoncepcional depois.

Anna: Fosse no médico? Não. Da minha cabeça mesmo. Aí quando quis engravidar eu parei. Fiquei grávida, depois engravidei de novo tomando injeção e agora tô tentando

conseguir a ligação. Roberta (31) Anna: você pode dizer se você

se previne da gravidez ou de alguma doença sexualmente transmissível?

Nunca usei nada não.

Anna: mas tu sabia que podia engravidar?

Sabia. Anna: nunca procurasse ir no

médico?

Eu não. Eu conversava com minha prima que era casada e só.

Fonte: Formatação da autora

Observa-se no quadro acima extratos de falas das interlocutoras sobre o uso de métodos contraceptivos. Detendo-nos ao uso de anticoncepcionais para evitar gravidez, Maria (26), Ana (31), Bianca (33) e Cristina (31), cada uma relata sua experiência e nos revelam uma certa ocasionalidade, vejamos: Maria diz que “não me dei bem com o anticoncepcional e continuei

com a camisinha”; Ana “tomou” injeção; Bianca fazia uso errado do anticoncepcional, e Cristina fez uso por conta própria.

Sobre o uso do anticoncepcional injetável, Ana (31), Bianca (33) e Cristina (31) revelaram que já fizeram uso desse método contraceptivo. Ana não fez uso sistemático. Bianca e Cristina falaram que engravidaram usando anticoncepcional. Nessa questão, especialmente no que concerne às duas últimas interlocutoras, é necessário destacar dois pontos: o primeiro deles são as informações a respeito do uso do anticoncepcional injetável aconteceram em um período pós-adolescência, e ambas já tinham tido uma gravidez na adolescência, engravidando, portanto, do segundo filho(a). E, a segunda questão é o conhecimento de ambas sobre o uso correto de métodos contraceptivos. Bianca diz que “achava que era para tomar [anticoncepcional] só quando tivesse relação, aí eu engravidei”, e Cristina revela que as informações que tinha foram fruto da sua “própria cabeça” quando questionada sobre prevenção e doenças.

Quando se escreve informação certa sobre método anticoncepcional, diz-se que essa informação deve ser orientada por um profissional de saúde. Elas não tiveram informação correta sobre o método do uso do anticoncepcional e qual seria o mais adequado para seu corpo e sua rotina, especialmente, no caso de Cristina. Porém, a ausência de informações não fica apenas restritas às dificuldades que as jovens das classes populares têm em ter acesso a informação profissional, e que isso se dá devido a regulação do corpo da mulher e principalmente se for jovem (QUADROS; ADRIÃO; XAVIER, 2011; XAVIER, 2011; 2016). Mas, sobretudo, pela dupla moral sexual, que dificulta essas jovens frequentarem serviços de saúde para adquirirem informações sobre planejamento familiar sem serem notadas pela comunidade. Vimos, em tópico anterior, o quanto essas jovens tiveram que esconder o namoro para evitarem maiores repressões em suas vidas.

Nessa direção, no caso de fazer o uso correto de um método contraceptivo (injetável ou pílula) após já ter tido uma gestação, observa-se que elas buscaram informação com profissionais de saúde. Agora, sem terem receio de serem vistas saindo de uma consulta de planejamento familiar, porque já se tornaram mães, não são mais virgens, possuem um companheiro e sentem-se mais livres para buscarem informações corretas sobre método.

No que concerne ao uso de algum método contraceptivo, falando especificamente no uso de preservativos, apenas duas interlocutoras relataram fazer uso frequente, Maria (26) e Lilian (31). Dentre elas, Lilian (31) foi a única que já na primeira relação sexual fez uso de camisinha e afirmou nunca ter relações sexuais sem o uso da mesma; “Ah, eu usei camisinha na primeira vez e uso até hoje”. Tal atitude diz respeito a uma autonomia sobre seu corpo, no

sentido de sustentar o controle do desejo em si e do outro quando a camisinha não está em cena. Isso fica mais evidente quando questionada sobre a possibilidade de não ter uma camisinha “na hora”, e ela responde que “aí não faço”.

Assim como também uma atitude de independência frente as regulações da sexualidade, na qual a cultura machista reproduz a ideia de que meninas que negam realizar o sexo sem a camisinha e só com a presença desta, atribui-se a elas a existência de uma experiência sexual longa. Assim, sobre o fato de já terem se prevenido, tanto Maria (26) quanto Lilian (31), trazem cada uma sua especificidade. Maria nos revela que o uso da camisinha constante nas relações sexuais com seus dois namorados deve-se mais a iniciativa deles do que dela; "mas foi porque ele tomou iniciativa, aí depois continuei usando camisinha”. “Ele insiste mais em usar do que eu”, deixando toda a responsabilidade da compra e uso para os namorados, como pode-se ver na seguinte fala: “Eu nunca comprei, só ele que compra”. Além disso, ela também deixa a responsabilidade para ele o fato de mesmo sem a camisinha na cena terem as relações sexuais. No caso de Lilian (31), ela assume a responsabilidade pela presença da camisinha durante a cena sexual, negando ter a relação sexual caso o parceiro rejeite usá-la; “aí eu não faço”.

Observa-se em Maria (26) e Lilian (31) um roteiro dos scripts sexuais que possibilita menos embate com o cenário cultural local. Dito em outras palavras, elas não precisam se expor ou correr o risco ao ter que buscar informação em algum equipamento de saúde para evitar a gravidez pelo uso do método contraceptivo. No caso de Maria, os namorados tinham a iniciativa de colocar a camisinha na cena sexual liberando-a do risco da exposição na comunidade, enquanto Lilian exigia o uso da camisinha pelo parceiro.

Um dado interessante a respeito do uso da camisinha é que a grande maioria das interlocutoras não fazem ou nunca fizeram uso. Raquele (28) e Roberta (31), revelam isso sobre a prevenção, respectivamente: “eu nunca me preveni” e “eu nunca usei nada”. Ambas não tiveram acesso a informação, escondiam da família e da vizinhança que tinham relações sexuais com seus namorados, e isso implica em não se expor em algum equipamento de saúde, a busca por informações sobre planejamento familiar.

No caso de Raquele (28), esta relatou ter poucas amizades e que toda e qualquer informação sobre este tema concentrava-se entre ela e o namorado. Porém, havia no casal o desejo de engravidar e a reprodução simbolizava a ratificação do laço de amor existente entre ambos. No momento da entrevista a interlocutora afirmou que estão tentando engravidar novamente, repetindo a história da primeira gravidez.

A rede de conhecimento ou a rede de contatos e conversas sobre assuntos de ordem da sexualidade, no que se refere a Raquele (28) fica entre ela e o namorado, enquanto para Roberta

(31) o diálogo se dá através da prima, uma vez que esta já era casada. As informações sobre a sexualidade ficam mais “seguras” ao trocar ideias com alguém da sua rede do que um profissional de saúde, pelo fato de não se exporem publicamente. A única exceção, continua sendo a Maria, que afirma ter procurado uma ginecologista.

Desse modo, sobre o fato de ter havido interlocutoras que relataram nunca ter se prevenido, tal fato, diz respeito a seus scripts sexuais estarem relacionado a um roteiro em que o cenário cultural local ditava a norma de como deve ser o comportamento afetivo sexual. Observa-se que através da necessidade de esconder a vida sexual ativa até que o segredo fosse revelado e para escapar desse cenário cultural machista, mesmo sabendo do risco de uma gravidez, ambas se lançavam a esse risco pela impossibilidade de buscar informação em algum equipamento de saúde, já que outras instâncias de informação haviam falhado, como exemplo a escola.

Dessa forma, observa-se que as noções e exercícios da contracepção e prevenção das DST’s, de um modo geral, as interlocutoras nos revelaram através de suas falas como se preveniram durante a adolescência. Fica claro que elas demonstraram que há uma prevenção precária ou inexistente, muito em função da regulação dos corpos das jovens naquele momento da vida, especialmente, marcada pela dupla moral sexual. E quando houve a presença da prevenção essa é marcada especialmente pela camisinha, e não por outros métodos.