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3 QUEM SÃO ESSAS MULHERES?

4.4 Entre medo e desejo

Sobre o lugar da primeira relação sexual, encontramos em várias narrativas relatos sobre a primeira vez acompanhada pelo medo da descoberta pela mãe de não ser mais virgem e, por conta disso, ser obrigada a sair de casa para morar com o namorado. Assim como há a presença de narrativa na qual a jovem foge de casa para passar a noite com o namorado, para assim as famílias unirem matrimonialmente o casal.

17 Segundo Renata Sousa (2017), a cultura do estupro tem origem no processo de construção social da sexualidade,

em que os binarismos se fazem presentes. Homens e mulheres vão produzindo e reproduzindo papéis e estereótipos para cada um. No caso dos homens, o papel de ativo, imperativo e rude. E as mulheres, como passivas, amorosas e submissas. Essa construção para uma imagem de masculinidade e virilidade, abrem as portas para que aos homens seja concedido o direito de tomar o corpo da mulher ao seu próprio prazer. Enquanto às mulheres foram ensinadas a dizerem “não” mesmo querendo dizer “sim”. Alguns homens interpretam o “não”, como charme, ou se” fazer de difícil” e ultrapassam a barreira do direito humano universal, da inviolabilidade do corpo humano.

Quadro 4 - Primeiras relações sexuais

INTERLOCUTORA PERGUNTAS RESPOSTAS

Alexandra (18) Anna: Você já transou alguma vez?

Não.

Anna: Nunca teve primeira vez? Desde aquele teu namorado?

Sim. Todo mundo se espanta porque eu passei três anos com ele e mais alguma coisinha

Anna: Você não perdeu a virgindade, mas outras coisas aconteceram?

Sim, né.

Anna: E qual foi o motivo assim, o que foi que você achou que não era com ele?

Não porque assim, eu gostava muito dele, comecei com ele eu tava com 13 anos, até meus 16, eu nunca tive a vontade de casar cedo.

Anna: Certo Aí eu fiquei com medo de

caso acontecesse alguma coisa com ele e meus pais pedisse pra eu casar com ele e tal por que com minha irmã acabou sendo assim, de certa forma é.

Ariane (18) Anna: Você já transou alguma vez?

Não.

Lisa (19) Anna: Você já transou

alguma vez?

Não, nunca fiz.

Anna: Mas, nunca teve nadinha?

Já. Mas, evitei.

Anna: E como foi isso? Com um rapaz, irmão de uma amiga, a gente não tinha nada. Um dia fui dormir na casa da minha amiga e ele ficou no quarto dela. Aí ele tentou ter relação comigo, mas eu não quis não.

Nala (17) Anna: Você já transou

alguma vez?

Sim. Anna: E aí? Como é que foi

essa transa?

E aí que eu fiz e fiquei morrendo de medo. Agora minha mãe vai descobrir e eu tô morta, ai meu Deus eu vou morrer! Fiquei louca mesmo! Aí eu falei pra ele: eu não quero mais nada contigo não.

Anna: Tu fez e terminou? Foi, fiquei com muito medo. Aí ele fez: eu não vou

terminar não. Aí a gente ficou e deu uns quinze dias aí terminou, porque eu não tava aguentando mais, tava com medo de que minha mãe descobrisse e a gente terminou.

Letícia (23) Anna: Você já transou alguma vez?

Sim

Anna: E como foi? Como meu marido, depois do casamento.

Fernanda (22) Anna: Você já transou alguma vez?

Sim

Anna: E como foi? Foi aquela história que tu fugiu?

Foi. Fugi para morar com o ele.

Anna: E vocês tavam namorando há quanto tempo?

3 meses. E eu queria casar.

Anna: Então foi planejado? Foi. Eu e ele.

Anna: E como foi a transa? Só na quarta tentativa que consegui.

Helena (19) Anna: Você já transou alguma vez?

Já.

Anna: E como foi? Ah! Fiquei cismada. Anna: Como assim? Insegura.

Anna: Com medo de tua mãe descobrir?

É. E acabou descobrindo. Daí casei.

Fonte: Formatação da autora

Durante a pesquisa de campo foi observada a presença do controle da sexualidade das jovens, a partir da união do casal de jovens quando a família da moça descobre que ela mantém relações sexuais com o namorado. Entende-se essa prática como a materialização de uma cultura que trata desigualmente as relações de gênero. Onde, numa cultura machista, a vivência da sexualidade por uma jovem ainda é vista como proibido, pelo fato de sobre o corpo feminino jovem recair a moral da família e, quando esta perde a virgindade, a jovem e a família perdem a honra. E ao unir o casal, a honra é recuperada.

De tal modo que algumas jovens evitam manter a relação sexual por medo de que a família descubra que tem vida sexual ativa e as casem. Interlocutoras como Alexandra (18) e Ariane (18), não tem relação sexual penetrativa e até evitam relacionar-se com algum rapaz para que suas “liberdades” não sejam cerceadas pelo casamento. Como bem coloca, Lisa (19):

também virgem, refere ter tido intimidades com um rapaz, mas que evitou dar prosseguimento, “com um rapaz, irmão de uma amiga, a gente não tinha nada. Um dia fui dormir na casa da minha amiga e ele ficou no quarto dela. Aí ele tenteou ter relação comigo, mas eu não quis não”.

Observa-se em seus relatos, que há narrativas com a presença de sentimento de insegurança a respeito das emoções devotadas ao rapaz, como não ser o amor da vida da jovem, ou não saber se é com ele que pretende se casar. Tais relatos traduzem a ideia machista de que no caso das jovens, a vida sexual deve estar atrelada ao amor e ao casamento. Essa desigualdade das relações de gênero leva algumas interlocutoras a “escolha” por manterem-se virgens, evitando as relações sexuais com os namorados, mas na verdade, estão correspondendo a heteronormatividade, principalmente, quando Alexandra (18), narra que evitou a penetração nas relações sexuais enquanto esteve namorando.

O outro caso é Nala (17), ao revelar sobre sua primeira experiência sexual, sentido durante a transa o medo da mãe descobrir que perdeu a virgindade: “E aí que eu fiz e fiquei morrendo de medo. Agora minha mãe vai descobrir e eu tô morta, ai meu Deus eu vou morrer! Fiquei louca mesmo! Aí eu falei pra ele: eu não quero mais nada contigo não”, a jovem relata o medo que sentiu durante a relação sexual, caso a mãe viesse descobrir que não era mais virgem. Chegando a terminar a relação logo após a transa e, mesmo continuando, com poucos dias não conseguiu sustentar o relacionamento. Percebe-se a partir do relato de Nala que ela não suporta a pressão de ter “desobedecido” a norma heteronormativa a respeito da iniciação sexual na adolescência, e o fim do namoro se revela como estratégia para não ser descoberta que não é mais virgem.

As relações desiguais de gênero, no campo dos direitos sexuais, exercem sobre a mulher opressões que influenciam para que a jovem inicie sexualmente e ao realizar ainda é necessário esconder. No entanto, mesmo com a possibilidade do casamento, caso seja descoberta, algumas outras jovens vêm tendo relações sexuais. Percebe-se como uma atitude de resistência a esta norma, quando especialmente se trata de uma regra que coloca mulheres e homens em patamares hierarquizados, privilegiando uns em detrimento de outras.

Já Fernanda (22) fugiu de casa para ir morar com o namorado, pois sabendo que se assim fizesse, a família a mandaria morar com ele, então ela relata: “Fugi para morar com ele”. A interlocutora ao fugir para viver a vida sexual precisou ir morar com o namorado com apenas dois meses de relacionamento. No entanto, Fernanda não revelou aos pais que não teve relações sexuais com o namorado na noite em que fugiu, revelando: “Só na quarta tentativa que consegui.” E, desse modo, conseguiu driblar a família e comunidade quanto a real situação

sobre o fato de não ter concretizado a relação sexual, casando-se virgem como assim a família e comunidade deseja. A atitude da jovem age em conformidade com as regulações de gênero, isto é, para ter vida sexual ativa, uma jovem deve estar morando com o parceiro e assim ela vai viver com o rapaz para assumir sua vida sexual e honrar a própria imagem e da família.

A partir da narrativa acima, observa-se que o controle da sexualidade das jovens presentes na comunidade, dificulta “em certa medida” a tomada da decisão de realizar a relação sexual, uma vez que o objetivo do controle é que a perda da virgindade se dê após o casamento. Destaca-se em certa medida porque o controle não acontece em sua totalidade, as jovens constroem estratégias para driblar esse controle. Como exemplo, a Fernanda (22), que fugiu de casa aos 16 anos para viver a sexualidade. E Nala (17) que, mesmo sob forte controle familiar, teve relações sexuais com o namorado quando ela tinha 15 anos de idade.

O que se observa sobre o lugar da primeira experiência sexual para essas jovens é o lugar da construção de estratégias de sobrevivência para lidar com o controle da sexualidade. O medo e o desejo estão presentes nas jovens quando se trata de viver a sexualidade, pois elas desafiam a regra para vivenciar o próprio desejo e ter relação sexual. Desafiar o controle da sexualidade e criar estratégias para ter uma vida sexual, não significa estar livre do medo, mas ao desafiar a norma e realizar a relação sexual é também reconhecer as possíveis implicações que poderão surgir na trajetória sexual, como gravidez e conhecimento da família quanto a vida sexual.

Desse modo, é possível supor que das três interlocutoras virgens, Alexandra (18), Lisa (19) e Ariane (18), utilizem a estratégia de não terem relações sexuais pelo motivo de não desejarem uma união matrimonial tão cedo, como bem revela Alexandra: “nunca tive a vontade de casar”.