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5 APROXIMAÇÕES DAS PRÁTICAS AFETIVO-SEXUAIS DAS MULHERES

5.4 A primeira vez a gente nunca esquece?

Neste tópico, a respeito do lugar da primeira relação sexual na vida das interlocutoras, destacam-se a idade com que tiveram a primeira vez e o tipo de relacionamento da jovem, com o objetivo de discutir qual a faixa etária que as jovens “perderam a virgindade” e em qual tipo de relacionamento se encontravam (namoro, casamento) (ver Tabela 7 abaixo).

Tabela 7 - Caracterização da idade e o tipo de parceiro da primeira vez das adultas jovens

INTERLOCUTORAS IDADE DA 1º VEZ PARCEIRO

Maria (26) 20 Namorado Ana (31) 17 Namorado Bianca (33) 14 Namorado Lilian (31) 15 Namorado Raquele (28) 15 Namorado Cristina (31) 16 Namorado Roberta (31) 17 Namorado Rose (31) 17 Namorado

Fonte: Formatação da autora

De acordo com a Tabela 7, a faixa etária que as jovens tiveram a primeira relação sexual foi entre 14 e 20 anos de idade. Três delas tiveram com 17 anos, duas com 15 anos, uma com 20, uma com 16 e outra com 14 anos de idade. Com todas as interlocutoras as relações sexuais aconteceram com o namorado. O Quadro 10 é composto das perguntas e as respostas dadas pelas interlocutoras sobre a primeira relação sexual.

Quadro 10 - Quadro de perguntas e respostas sobre a primeira vez das adultas jovens

INTERLOCUTORAS PERGUNTAS RESPOSTAS

Maria (26) Anna: Como foi sua

primeira vez?

Aconteceu quando já estava na faculdade, namorei com ele por um ano e ninguém soube da minha família. Anna: Porque namorasse

escondido?

Não tinha interesse em

namorar com ele, não gostava muito dele. Eu, nem esperava que pudesse ser com ele, eu nem pensava nisso,

simplesmente aconteceu. Anna: Mas vocês tinham

intimidades?

Tinha sim, aconteceu naturalmente.

Anna: E porque aconteceu?

Por carência.

Ana (31) Anna: Como foi sua

primeira vez?

Inesquecível. Foi no meu quarto, com direito a som, música romântica. Ele me pegou no colo, tudo lindo, tudo maravilhoso.

Bianca (33) Anna: Como foi sua

primeira vez?

Foi bom. Mas tive medo que minha mãe descobrisse.

Lilian (31) Anna: Como foi sua primeira vez?

Foi meu presente de 15 anos. Falei com ele de manhã que eu decidi e depois a gente foi pro motel.

Raquele (28) Anna: Como foi sua primeira vez?

Ele sempre tentava ter alguma coisa. Mas só depois de conversar é que fui mulher dele(...) A gente conversava sobre se descobrissem, se ele me assumiria.

Cristina (31) Anna: Como foi sua primeira vez?

Não gostei da experiência. Senti muita dor, foi diferente do que pensava. Achei que não ia sentir dor.

Roberta (31) Anna: Como foi sua primeira vez?

Olha, foi depois da gente ter muitos sarros e amassos, mas demorou três anos para ter relação com ele (...). Foi assim, na praia, decidi lá, na hora da relação.

Rose (31) Anna: Como foi sua

primeira vez?

Foi bom, demorei cinco anos para ter a relação e fiquei grávida na primeira. Fonte: Formatação da autora

Maria (26) é uma mulher muito tímida e reservada, teve seu primeiro namorado entre os 16 e 17 anos, a relação durou um ano e meio e acabou porque ele a traiu e o considerava muito machista. A interlocutora e o rapaz são nativos da região, criados na mesma comunidade, ambos receberam as instruções de como deve se comportar um rapaz e uma moça, segundo os padrões de gênero. Com seu segundo namorado, Maria (26) teve a primeira relação sexual, revelando que foi por carência que ela transou com ele. Ao falar da relação com o segundo namorado, revela: “não tinha interesse em namorar com ele, não gostava muito dele”. Esse tipo de atitude demonstra uma certa autonomia frente a ter que estar apaixonada para acontecer a primeira vez. Compreende-se que esta interlocutora rompeu na sua trajetória sexual a associação entre amor e sexo, para que uma mulher possa ter a primeira transa. Outras possibilidades de sentimentos, vontades e desejos podem estar presentes para se ter uma relação sexual, podendo acontecer mediante apenas, tesão e sexo, atração e sexo, desejo e sexo ou carência e sexo, como justifica a interlocutora “por carência”.

Observa-se que este relacionamento é desconhecido por sua família, o fato de não estar apaixonada pelo rapaz e manter o namoro apenas pela atração física sentida por ele, não justifica perder a “liberdade”, que já é vigiada, por um relacionamento no qual não há investimentos por

parte da jovem. Utilizou-se o conceito de roteiro intrapsíquico de Gagnon (2006) pois este compreende um diálogo ente as expectativas culturais e sociais do comportamento e os próprios desejos. Compreende-se que o diálogo que ela mantém se apoia nas expectativas sociais do comportamento de uma jovem no contexto em que vive e seus próprios desejos, utilizando o namoro escondido como estratégia para escapar do controle da sexualidade por parte da família e comunidade.

Assim, ela se envolve com um rapaz durante seu curso universitário no qual ela não se apaixona por ele, refere que o que chamou a atenção foi a beleza dele, mas o sentimento dela por ele não ultrapassa os limites da atração física. Não o apresenta à família para não haver controle sobre sua liberdade, tem relações sexuais com ele livre de qualquer questionamento de estar apaixonada e termina o relacionamento, segundo registros de diário de campo, quando o relacionamento não está dando mais certo.

Já Ana (31) apresenta muito mais a cena da primeira relação sexual do que propriamente os sentimentos devotados ao rapaz com quem teve sua primeira transa. Ana relatou na entrevista o envolvimento com várias pessoas, entre meninos e meninas, contando que queria experimentar tudo. Afirmou que tinha um coração grande e que por isso se envolveu com muitas pessoas. Para Ana, a paixão não era essencial para o relacionamento afetivo-sexual, a presença da atração física, o desejo e o tesão bastavam para um envolvimento mais íntimo.

Bianca (33) relata que durante sua primeira vez sentiu “medo” que a mãe descobrisse que não era mais virgem. A presença do medo durante este momento justifica-se pelo fato de na comunidade de Gaibu há a possibilidade de a jovem sair de casa indo morar com o namorado na casa da sogra (esta geralmente acolhe a nora), e mesmo sabendo desta possibilidade, de sair de casa e se unir a alguém ainda na adolescência, a jovem tem relações sexuais. Compreende- se que o controle acontece de diversas maneiras, para que a adolescente não inicie sexualmente, devendo esperar até o casamento. No entanto, o que observamos foi que as jovens burlam as regras e se entregam aos próprios desejos e vontades. Bianca transou aos 14 anos de idade, isto é, teve sua primeira relação sexual antes mesmo de ter a “idade certa” para começar a namorar.

Já Raquele (28), Roberta (31), Rose (31), Cristina (31), Lilian (31) e Ana (31), tiveram suas primeiras relações sexuais após a idade de 15 anos, conhecida na comunidade como a idade em que os pais geralmente autorizam o namoro.

No caso de Raquele (28), a interlocutora declara: “Ele sempre tentava ter alguma coisa. Mas só depois de conversar é que fui mulher dele (...) a gente conversava sobre se descobrissem, se ele me assumiria.”. Conversar, para Raquele, compreende o fato de saber se o namorado a assumiria se fosse expulsa de casa por ter tido relações sexuais.

Na mesma direção, Roberta (31) e Rose (31), apresentam respectivamente: “demorou três anos para ter relação com ele” e “demorei cinco anos para ter a relação”. A partir destas falas e conforme a tabela 7 (Caracterização da idade e o tipo de parceiro da primeira vez das adultas jovens), as interlocutoras tiveram a primeira relação sexual aos 17 anos, “idade certa” para que uma jovem inicie sexualmente, conforme Shuña, Rodrigues e Benevides (2015), declarou ser a ideia que os/as jovens da pesquisa acreditam que deve acontecer. Ou seja, estas interlocutoras tiveram a primeira relação sexual, conforme expectativas da própria juventude.