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O ficante, a paquera, o namoro: o início do despertar das práticas afetivo-sexuais

5 APROXIMAÇÕES DAS PRÁTICAS AFETIVO-SEXUAIS DAS MULHERES

5.2 O ficante, a paquera, o namoro: o início do despertar das práticas afetivo-sexuais

No eixo relacionamentos, as interlocutoras trazem em suas falas os tipos de relacionamentos vividos, o tempo de passagem de uma paquera para o namoro e o casamento pela gravidez. Para compor a análise, apresentada no quadro 8, utilizou-se o resumo das observações sobre o tema, registradas no diário de campo.

Quadro 8 - Relacionamentos vividos pelas adultas jovens

INTERLOCUTORAS Diário de campo

Maria (26) Experimentou a paixão com o namorado atual, que faz 4 anos que estão junto. Com relação a primeira relação sexual que tiveram referiu ter pensado como seria e foi algo que saberia que aconteceria. Diferentemente da sua primeira experiência sexual.

Ana (31) Ana beijou, ficou e namorou muito, teve experiências com meninas e o relacionamento atual é com um homem que já tinha ficado com ele.

Bianca (33) Bianca teve três namorados, o primeiro com 14 anos, engravidou da filha. O segundo era do sul do país, onde foi morar por onze anos e o terceiro namorado, seu atual marido está casada com ele há cinco anos.

Lilian (31) Afirma que teve muitos namorados e muitos ficantes. Teve seu primeiro namorado com quatorze anos e foi um rapaz que ela queria muito namorar. Paqueraram durante alguns meses até que houve o primeiro beijo e tornaram- se ficantes. Um dia ele a pediu em namoro e

aniversário de quinze anos ela foi para o motel e teve sua primeira relação sexual em que ela disse que se deu esse presente.

Raquele (28) Conheceu seu marido com quatorze anos, disse que quando deu de cara com ele na casa da vizinha, foi amor à primeira vista e se apaixonou até hoje.

Cristina (31) Cristina falou em nossas conversas que teve cinco namoros sérios e com o penúltimo morou com

engravidando de sua primeira filha. O último namorado, seu marido hoje é o pai de seus três meninos. Ela

resumiu sua história atual como uma aventura/ um amor/uma cabana.

Roberta (31) Roberta teve um único namorado. Paqueraram por meses antes de começar o namoro até que com a gravidez tiveram que casar

Rose (31) Rose teve três namorados, com o primeiro começou aos doze anos e aos 17 engravidou. O segundo referiu um namoro rápido. E o terceiro e último é seu atual marido e pai de sua segunda filha. Se conheceram por telefone. Fonte: Formatação da autora

Na história de vida de Lilian (31), observa-se que: com seu primeiro namorado, eles paqueram por alguns meses, até que depois do primeiro beijo, tornam-se ficantes, passa-se mais um tempo e ela é pedida em namoro perdurando por sete anos o relacionamento. A interlocutora também declara que teve muitos ficantes e namorados posteriormente.

Tal história com o primeiro namorado demonstra o caminho do relacionamento, ou seja, paquerar, ficar, namorar. O ficar representa relação sem compromisso, líquida, pois pode escorrer pelas mãos como água, como pode evoluir para um compromisso como o namoro. Como foi o caso do primeiro relacionamento de Lilian (31).

Sobre esta interlocutora, o processo paquerar, ficar e namorar, não está sempre presente em sua vida, ou seja, há a presença do ficar, sem necessariamente namorar. Entendemos por outro lado, que se permitir a ter muitos ficantes sem necessariamente namorar em um contexto em que há a presença de uma regulação da sexualidade das jovens, significa que a interlocutora tem atitudes diversas em relação ao comportamento “recatado” que se espera de uma adolescente. A interlocutora relatou que, bastava que rolasse uma química, para que se relacionasse sexualmente com o rapaz, fato que aconteceu diversas vezes com rapazes diferentes.

Outra interlocutora que traz a experiência da paquera em sua prática afetivo-sexual é Roberta (31),que teve um único relacionamento em sua vida, começando pela paquera que ela afirma ter durado meses antes de começar a namorar até os dias atuais tornando-se casados.

Trajetórias como a de Roberta (31) são frequentes no contexto pesquisado devido as regulações da sexualidade da jovem, no qual a adolescente casa em função de manter a honra da família, uma vez que perdeu a virgindade.

Ana (31) é a única interlocutora deste grupo que revela ter ficado tanto com meninas como meninos. Segundo ela, esta vivência serviu para que pudesse experimentar qual das parcerias lhe agradava mais. Revelando-se ser dos rapazes sua maior preferência. Ao contar o fato de ter ficado com meninas, ela não esconde a satisfação de ter passado por esta experiência em sua vida, falando com convicção que foi bom ter ficado com elas. Sobre namorar, Ana refere ter namorado apenas rapazes e com as meninas apenas ficou.

É possível compreender a partir da biografia de Ana (31) que, ao iniciar-se nas práticas afetivo-sexuais, revelando ter gostado muito quando começou a beijar e a ficar e se definindo como uma pessoa de “coração grande”, pode-se dizer que o significado deste “coração grande” não está vinculado unicamente ao que socialmente se entende como alguém que tem a capacidade de amar demais, ou um coração que é capaz de amar muitas pessoas ao mesmo tempo, para ela um coração que está aberto a muitas possibilidades e formas de estar com o outro/a.

Tanto Lilian (31) como Ana (31) apresentam práticas afetivo-sexuais que vão de encontro com o que família e comunidade esperam de uma adolescente. As meninas não recebem aprovações por terem tido várias experiências no campo da sexualidade, como acontece com os meninos, pois de modo geral são estigmatizadas, as relações desiguais de gênero, hierarquiza homens e mulheres, apoiando os homens em relação a quantidade de relações sexuais que pratica e apoiando mulheres que se mantêm “recatadas”. As duas interlocutoras rompem com a dupla moral sexual quando não são recatadas aos termos das expectativas sociais e vivem práticas afetivo-sexuais, no quesito quantidade de relacionamentos, muito próximas ao que se espera de um rapaz.

As outras interlocutoras, entretanto, não relatam a experiência do ficar como fazendo parte de suas experiências afetivo-sexuais ou relatam essa vivência uma única vez em suas vidas. Dentro das que relataram nunca ter ficado estão Raquele (28), Maria (26), Rose (31), e Roberta (31). Já Bianca (33) e Cristina (31) revelaram que antes de namorar ficaram antes com o namorado.

No caso de Raquele, o motivo de não ter tido a vivência do ficar foi pelo modo como aconteceu a história do casal, ele foi a primeira pessoa que lhe despertou desejo. Quando se viram se interessaram um pelo outro, no entanto foi numa festa na comunidade que se viram pela segunda vez e foi pedida em namoro, estando com ele até os dias atuais.

Maria (26) referiu nunca ter ficado com alguém, seus relacionamentos migravam da paquera ao namoro com os três namorados que teve. Já Rose (31) teve três namorados, começando pela paquera e indo para o namoro sem ter passado pelo tempo do ficar. E Roberta (já comentado acima) também nunca ficou

Bianca (33) relatou sobre seu primeiro namoro. Começou a paquerar durante os ensaios de quadrilha das festas juninas, pois era seu par, e no dia de São João, ele a pediu em namoro, quando se beijaram pela primeira vez. Só com o segundo namorado teve um período em que ficavam sem compromisso, até que foi pedida em namoro. Já Cristina (31), que teve três namoros sérios antes do atual companheiro, revelou ter paquerado e começando a namorar sem antes ter passado pelo ficar com eles. Com o último namorado, seu atual marido, ela paquerou, ficou e em seguida tornou-se companheira dele, até os dias atuais.

A partir dos roteiros sexuais apresentados acima, remetemos a John Gagnon (2006), no qual o autor menciona que as/os jovens vão ensaiando em suas trajetórias sexuais roteiros que lhes foram repassados desde criança. No caso em análise, os roteiros indicam padrões de iniciação, modos de controle e dominação na relação entre mulheres e homens, que são ensinados inclusive antes de saberem em que consiste uma relação sexual. Esses padrões são apreendidos dentro do circuito integrado em que a jovem participa, como família, escola, igreja. Nesta rede a jovem aprende sobre sua sexualidade e também que há uma dupla moral sexual, na qual ao homem quase tudo é permitido, desde que seja para manutenção da masculinidade e virilidade, e à mulher cabe ser recatada e se resguardar, de acordo com as expectativas sociais, para que ela se torne uma mulher para casar e ter filhos (QUEIROZ; RIOS, 2013).