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Contribuição à formação do sujeito

O MÉTODO AUTOBIOGRÁFICO É O “FALAR DE MIM MESMO?”

1.7 Contribuição à formação do sujeito

O debruçar autobiograficamente sobre a própria experiência é sem dúvida estimulante, pois pressupõe, ao relembrar fatos ocorridos, valorizar e explorar dimensões pessoais do “eu” enquanto sujeito, refazendo toda a trajetória e o consequente processo do qual resultam hoje os entendimentos e representações, a gama de saberes acumulados nestes percursos, derivados de experiências e interações, das relações sociais, os quais, de acordo com Teixeira (2003, p. 60), revelam o sujeito e a coletividade personificada nele, com mostras de alegrias e/ou tristezas, sucessos e/ou fracassos, com os quais, sem dúvida, hoje definimos e assumimos posturas socioculturais.

Uma vez que o sujeito narra sua própria história de vida e também a experimenta, o método autobiográfico deixa de ser apenas investigação, passando a constituir também sua formação, a qual salienta Josso (2010) como sendo resultado da integração na “nossa consciência e nas nossas atividades, aprendizagens, descobertas e significados efetuados de maneira fortuita e organizada, em qualquer espaço social, na intimidade com nós próprios ou com a natureza” (JOSSO, 2010, p. 71).

Toda narrativa e história de vida são, de acordo com Ferrarotti (1988, p.

27), “uma totalização sintética de um sistema social”, evidenciando a influência clara, conforme Antunes (1978), quer do meio social (rural e urbano), quer dos universos simbólicos (família, escolar, laboral, religioso, recreativo e cultural), na construção da história de vida de cada um, ou seja, as narrativas autobiográficas deixam transparecer claramente que as relações interpessoais são o ponto axial do processo educativo/formativo (ANTUNES, 1978, p. 51).

1.8 As ferramentas e o interminável registro autobiográfico...

O método autobiográfico, de acordo com Delory-Momberger (2012), é uma abordagem narrativa - tanto fenômeno que se investiga, quanto método de

investigação – ocupando-se da forma de construir e analisar tais fenômenos narrativos.

Conforme Gomes (2014, p. 13), ao dialogar o método com a história da educação, apresenta também as diretrizes que devem orientar seus estudos: 1) a dimensão subjetiva da escrita autobiográfica; 2) a convivência de tempos na escrita autobiográfica; 3) as relações do texto autobiográfico com seu autor; 4) a dimensão subjetiva da leitura da escrita autobiográfica.

Ao nos referirmos à convivência de tempos na escrita autobiográfica, enfatizamos um aspecto a que o pesquisador precisará sempre dirigir sua atenção: o autobiógrafo, ao recordar o passado, o faz no presente em que escreve, que é outro tempo. Discorrer sobre o passado comporta, assim, sempre, uma dimensão anacrônica, impossível de ser totalmente apagada. [...]. Em relação à terceira das diretrizes que elencamos acima, isto é, quando se consideram as relações do texto autobiográfico com seu autor, diversos pontos precisam ser realçados. Há que se levar em conta, por exemplo, a natureza das intenções do escrito autobiográfico, bem como o público a quem cada autor se dirige [...]. Ainda no que concerne às relações entre texto e autor, é fundamental ter em mente que os escritos autorreferenciais aludem a pessoas, instituições, contextos, nem sempre conhecidos suficientemente pelo leitor, e seu uso precisa ser complementado, nas pesquisas, pelo estudo de outros documentos, para que sua análise se realize de maneira pertinente [...].

Finalmente, cabe considerar a dimensão subjetiva da leitura da escrita autobiográfica: a interpretação do escrito autobiográfico é sempre subjetiva, parcial e situada. Os mesmos textos poderiam ser compreendidos e/ou interpretados de forma distinta por leitores diferentes, que realizariam análises também subjetivas, parciais e situadas, fundadas em suas vivências e repertórios socioculturais.

Cada pesquisador tem uma maneira própria de selecionar os trechos de um texto autobiográfico mais expressivos para sua investigação, e, portanto, um mesmo escrito autobiográfico, como qualquer outro documento que guarda traços do passado, está sempre aberto a novas inquisições. (GOMES, 2014, p. 13).

Um dos instrumentos de coleta das quais se serve o método, enquanto material primário constitui-se exatamente de autobiografias - narradas ou escritas - tendo a memória como elemento basilar, recolhida de entrevista ou conforme aqui proposto minha própria narrativa de vida; já os secundários são compostos de materiais e documentos pessoais de variadas espécies, seja fotográfico, recortes de jornais, correspondências, etc, portanto, justifica a utilização de farto material oriundo das vivências e pesquisas autodidatas com a cultura caiçara, sendo estes evidentemente mais subjetivos.

Para Abrahão (2003), o trabalhar com estas narrativas

não é simplesmente recolher objetos ou condutas diferentes, em contextos narrativos diversos, mas, sim, participar na elaboração de uma memória que quer transmitir-se a partir da demanda de um investigador. Por isso, o estudo autobiográfico é uma construção da qual participa o próprio investigador, razão pela qual, dada a particularidade de seu modo de produção. (ABRAHÃO, 2003, p.

85/86).

O aspecto intrareflexivo que o método possui, de acordo com Barreneche-Corrales (2008, p. 04) condiz, não em “saber o que o sujeito pensa do passado”, mas sim em procurar entender como estes construíram o mundo, como o vestiram de significados e como infundiram nesse mundo construindo suas emoções (ou não).

A autobiografia que aqui se pretende, não trata-se de um monólogo dito perante um observador, mas sim, constitui relato de convivência [não pesquisa com tempo determinado] com e na própria cultura, resultantes de conversas informais dentro dos vínculos de relações sociais deste sujeito enquanto um ser cultural interessado em sua própria identidade cultural e agora, ‘também’

um pesquisador.

Primariamente a autobiografia em sí com a inovadora possibilidade da escrita “de dentro pra fora” e suas secundárias fontes, configura-se tal como interminável, pois, embora a produção documental seja espacial e temporariamente finita, possibilita a abertura de campos de identificação para além do texto, não se encerrando na própria narrativa, pois

Há interminabilidade, por sempre possibilitar uma continuidade, já que o autor-personagem poderia retomar a narrativa, mesmo nos textos que se referem a momentos específicos da vida. A marca desses momentos em toda a história do sujeito sempre pode ser redimensionada e, portanto, retomada como continuidade do relato antes escrito. Essa qualidade de abertura do texto autobiográfico possibilita ao leitor um terreno fértil para identificações e projeções.

(TEIXEIRA, 2003, p. 44).

Sendo uma história que nós contamos a nós mesmos e aos outros, conforme Abrahão (2003, p. 86), o que se diz “é tão importante como o que se fica por dizer. O como se diz revela uma escolha, sem inocências, do que se quer falar e do que se quer calar” (NÓVOA, 2001, p. 07).

Não se pretende neste tipo de estudo invocar narcisisticamente qualquer forma de ego para a pesquisa, mas de acordo com Abrahão (2003, p. 88), ao escolher professores para pesquisa (auto)biográfica, bem o sabem que são e

foram seres humanos, longe de escolhê-los por quaisquer características de

“super-homens ou super-mulheres”, mas sim, porque possuem histórias de vida com características que realçam positividades “quase heroica”, ou seja, o fortalecimento do ser social, cultural, histórico, político.

A esta ‘escolha’, enquanto sujeito pesquisado, trata-se de uma

‘responsabilidade’, da qual não pretendo abrir mão, pois entendendo que a vida é permeada de escolhas e conforme Freire (2000) “a minha não é uma presença neutra na história, devo assumir tão criticamente quanto possível sua politicidade” (FREIRE, 2000, p. 14).