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Tamanco 162 de Fandango Caiçara

“MEU BUM JISUIS” TUDO ISSO É FANDANGO?

2.7 O Fandango “do tempo de dantes” em Guaraqueçaba

2.7.4 Os instrumentos 123 do Fandango Caiçara

2.7.4.8 Tamanco 162 de Fandango Caiçara

No Fandango Caiçara, considerado por alguns como o ‘auge da festa163’, é o tamanqueado, executado nas modas batidas, onde os cavalheiros batem fortemente seus tamancos164 de madeira no assoalho, este também de madeira, consistindo assim, numa repercussão sonora que servia em muitos

162 A expressão correta é “tamanco” e não tamanca como é usualmente pronunciado, bem como executa-se o “tamanqueado” e não sapateado, como se faz em alusão a sapateados de danças europeias.

163 Daí surge certa conotação do Fandango Caiçara como dança machista, pois, no suposto

‘auge’ – tamanqueado - apenas os homens o executam, fortemente, caracterizando-o com certa superioridade ao ficarem exibindo-se.

164 Bittar (2003, p. 16) cita suposições de alguns folcloristas, entendendo-o como uma forma adulterada de uma luta simbólica entre cristãos e mouros, como acontece no fandango no Nordeste do Brasil, sendo o sapateado, símbolo do trotar dos cavalos.

casos, para avisar outras comunidades do Fandango que acontecia por aquelas bandas.

Há de salientar a preferência pelos tamancos confeccionados com cepos de madeira “de lei”, como a canela (Ocotea Catharinensis), mas também a Laranjeira (Citrus sinensis), reconhecidos como de melhor qualidade e maior resistência, diferente da caxeta que repercute sonoridade ‘choco’ ou ‘abafado’, sendo, inclusive mais frágil.

Os tamancos podem ser confeccionados165 com as pontas arredondadas ou pontudas, sendo, de acordo com Anísio Pereira (2000), “pontudos era pra quem dançasse melhor”.

Antônio Alves Pires (2003), acerca das modas no Fandango, diz que, acaso for “muito rápida, não tem jeito pra gente. Tem que ser longe assim. Por acaso toco um batido, aqui vai uma meia hora166 pro cara dançar e acabar de bater”, assim, há modas em que o tamanqueado tornava-se dificílimo devido a sua demora e portanto, excessivamente cansativo.

Os cavalheiros por vezes, num ambiente familiar, disputavam entre sí aquele que melhor batia o tamanco167 sobre o assoalho.

Certa vez, de acordo com informação oral de João Manoel Vidal Lopes (2008), num Fandango na casa de Dico Américo, tamanha a força do batido do tamanco, demoraram a perceber que as sapatas da casa tinham quebrado e a casa estava quase desabando; Manoel Euzébio (2005) lembra que no Batuva

“depois dos bailes, de manhã cedo, o pessoal ia arrumar as telha canal que corriam e caiam do telhado né, com a tamancada da noite”; já Liberato Barreto (2004) relata que nesta mesma comunidade “faziam um furo no tamanco e punham chumbo e cobriam com plástico. Mas quebrava assoalho até de canela”.

165 Em Guaraqueçaba ainda existe um formato rústico de tamanco, sobreposto ao cepo apenas por duas tiras de borracha entrecruzadas, perfazendo um “x”, deixando os dedos amostra;

noutros município, há um tipo de tamanco artesanal, mas também vendido em lojas (por isso a facilidade de tê-lo no Fandango), todo recoberto com couro, muito usual inclusive, como calçado diário, como o fazia o velho Durçolino, pelas ruas de Guaraqueçaba.

166 Impossível hoje visto o caráter de apresentações e baile em que se apresenta o Fandango.

Como diz no pé de moda: “quero da a despedida / pra falar na moda curta /quem faz moda comprida / ta arriscado a pagar multa”.

167 Nesse sentido, Azevedo (1978) descreve o “machadinho”, apelido herdado do pai, pois da força que batia o tamanco no assoalho, chegava a quebrar as tábuas deste, porém no Balneário de Caiobá-Matinhos/PR.

em formato de “X” (foto B) e utilizado em Paranaguá e Morretes (foto C)

Fonte: Zé Muniz.

2.7.5 “eita modinha boa, rapaz”!

“quem me vê estou cantando de alegre me há de chamar saiba Deus e todo mundo que eu canto pra não chorar”.

(“pé de moda” recolhido com José Hipólito Muniz).

“A moda é mais velha que a música”. Assim Nicolau Pereira afirmava certa vez em que esteve no Ponto de Cultura Casa do Fandango, alertando-nos a diferença entre moda, ou seja, o Fandango e a música, propriamente dita, no caso, a sertaneja.

De acordo com Amaral (1921), a poesia de viola no Brasil se divide em moda e trova, afirmando não existirem grandes diferenças, pois ambas falam de amor, festas, casamentos e na estrutura – usam versos de cinco ou sete sílabas; o que as diferencia é exatamente a origem, a moda é brasileira e a trova é portuguesa, pois “a moda é a brasileirinha filha e neta de brasileiros, harmônica, integrada na paisagem: a trova é a menina lusitana de arrecadas e tamanquinhos, ou a mestiça ainda muito saída do pai” (AMARAL, 1921, p. 7).

No Fandango paranaense, Pinto (2006) registrou cerca de 200 marcas; já Azevedo (1975) coletou169 aproximadamente 30 marcas.

Pinto (2005; 2006) afirma ainda, que neste Estado, o Fandango, sob um nome genérico, agregando as mais diversas danças populares, se constitui de

“um conjunto muito grande de danças regionais170”, considera, por exemplo, a Pau-de-Fitas, o Cuá-Fubá, o Vilão-de-Lenço e a Cana-Verde, dentre outras, dizendo que, para bem representá-lo, teria que apresentar umas vinte marcas para assim dar uma ideia de sua riqueza e diversidade (PINTO, 1992, p. 05).

Azevedo (1978) dividiu as marcas do Fandango em dois grupos: Batidas (onde há o batido dos tamancos no assoalho) e valsadas ou bailadas (onde em casal apenas valseiam pelo salão); já Pinto (1992, p. 05) as divide em pelo menos cinco grupos, sendo estes:

A – as Batidas simples com o desenho coreográfico em forma de 8, também simples. Ex.: o Anú. Encaixam-se nesse grupo: Serrana, Serraninha, Serrana Grande, Xará, Xarazinho, Xará Grande, Lageana, Sabiá, Estrala, etc. B – no segundo grupo, incluiremos as batidas e Valseadas com sapateado simples, Palmeado e duplo 8, como são a Porca, Tatu, Caranguejo, Borboleta, Marinheiro, etc. C – no terceiro grupo, as Batidas, Repicadas ou Rufadas (de difícil execução e com desenho coreográfico de 8 coletivo, isto é, na primeira, os folgadores descrevem entre as folgadeiras o desenho de um 8, com a frente e com a de trás, e, no coletivo, eles o fazem com todas as folgadeiras da roda). É o caso da: Andorinha, Querumana, Chico, Caranguejo, Caranguejinho, Tonta, Tontinha, Chimarrita (ou chimarritas) de “L” e muitas outras. D – no quarto grupo, os Bailadinhos Don-Dons (Revolução do Rio Grande do Sul), Sapo, Polquinhas, cujos pares se enlaçam como em qualquer salão de baile seguindo apenas o ritmo [...]. E – o quinto e último grupo seriam as Rodas Passadas, que dispensam o tamanqueado mas são buliçosas, alegres e de um efeito coreográfico tão bonito que mereciam ser

168 Pesquisa iniciada em Paranaguá e sua baia, entre 1952 e 1984; também pesquisas em Ilha dos Valadares, de 1969 a 1972.

169 Realizada de 1948 a 1955, também em comunidades da baia de Paranaguá, inclusive, Medeiros, em Guaraqueçaba.

170 Nos estados do RS, SC, PR e SP, de acordo com Cascudo (1967), o Fandango “é baile, função onde executam várias danças regionais”.

de pés e palmas, e que são dançadas até meia-noite, exigindo do fandangueiro grande dispêndio e energia.[...]; Fandango valsado é um conjunto de danças nas quais não entram batidos de pés e palmas. Há quando muito toque de castanholas com os dedos.

Dança-se madrugada adentro até o dealbar do dia, quando já estão mais ou menos cansados [...]; Fandango rufado-bailado é dançado a partir da meia-noite até três horas da manhã, mais ou menos. As danças tem partes com batidas de pés e palmas, deslizamentos, rodas, giros de valsas.[...].

IMAGEM 34 – caderneta171 (13x20) manuscrita com anotações de “moda de viola litorânea do Paraná” feita por José Hipólito Muniz (2007)

Fonte: Zé Muniz (acervo).

Nestes anos de pesquisa (1999-atual) em Guaraqueçaba, foi possível registrar a letra de algumas, entre batidas e valsadas, como: a Andorinha, o Anu, a Porca, o Sapo, o Xará, o Recortado, o Vilão de lenço, a Tiraninha, o Feliz, o Sabiá, o Tatu, o Manjericão, o Coqueiro, a Faxineira, a Taquariana, a Chimarrita, o Dondom, a Tonta, o Sinsará, o Sinsará-Caloado, o Chico, a Saracura, o Cuitelinho, a Cana Verde, o Marinheiro, a Estrala, o Lírio, a Sempre Viva, o Pega-Fogo, o Balaio, o Tangará, a Puxa-Ponta, o Lagarto, o Papagaio, o Caminho da Roça, a Vassourinha, a Roba-Dama, o Caranguejo, a Graciosa, o Sarrabalho, a Retirada, dentre outras, variando conforme região em que é conhecida.

171 Anotações em 33 páginas, contendo a letra de 50 Dondom, 48 Chimarrita, 04 Retirada, 05 Graciosa, 01 Pega-fogo, 03 Sinsará, 01 Anú, 01 Andorinha, 01 Tonta, 01 Querumana e 01 Sapo.