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CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA MÚSICA

No documento O MÚSICO E SUA ÓPERA (páginas 133-154)

3 HISTORIOGRAFIA MUSICAL E CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

4 METODOLOGIA e ANÁLISE DAS NARRATIVAS

4.4 CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA MÚSICA

Das narrativas coletadas, podemos observar que a contribuição dos entrevistados para o desenvolvimento da música ocorreu basicamente em três vertentes complementares e respondem à minha segunda questão de pesquisa: como é discursivizada a contribuição desses músicos para o desenvolvimento da música de concerto no Brasil em suas narrativas?

Nos anos 1950/1960, a capacidade técnica e artística dos entrevistados em seus instrumentos os destacava no cenário musical brasileiro. A contribuição inicial de Botelho, Devos e Odette foi colocar seus instrumentos em evidência, elevando o nível técnico e artístico encontrado no Brasil, principalmente o da clarineta e o do fagote.

Nessa vertente, Odette destacou-se por sua concepção mais ampla de música, pois diferentemente dos outros dois entrevistados, havia bons flautistas atuando no Rio de Janeiro de então. Outra vertente trata da formação de alunos e, a terceira, do relacionamento dos entrevistados com os principais compositores brasileiros da época, o que contribuiu para o aumento do repertório para os seus instrumentos.

Para mim, é evidente que todas as vertentes e seus desdobramentos derivam da primeira. Ao colocarem seus instrumentos em destaque e mostrarem que o fagote, a flauta e a clarineta podiam ser tocados em outro patamar ou com outro foco, Devos, Botelho e Odette tornaram seus instrumentos mais conhecidos do público e com isso atraíram alunos e chamaram a atenção de compositores que escreveram obras direta ou indiretamente a eles dedicadas. Em uma visão mais ampla, contribuíram para o reconhecimento e enobrecimento da profissão no Brasil.

4.4.1 “O instrumento de sopro pode ser solista numa orquestra” - a divulgação do instrumento e a formação de alunos

Hoje em dia, pela minha experiência, posso afirmar que a grande maioria das pessoas desconhece como é a dinâmica do estudo da música. Se há graduação em curso superior, estranham haver mestrado e doutorado nessa área, confundem o oboé

com o fagote, não sabem os nomes da maioria dos instrumentos ou não reconhecem seu som. Enfim, apesar do fascínio que exerce, o mundo da música é desconhecido para a maioria. Nos anos 1950 e 1960, acredito que o desconhecimento era ainda maior. Botelho, no segmento abaixo, nos narra como ajudou a divulgar o seu instrumento e a música de concerto em lugares distantes das capitais, no interior do Brasil.

Eu corri o Brasil inteiro tocando com um piano, com o Miguel Proença, com a Laís de Souza Brasil e outros mais, [...] Eu toquei em lugares onde Judas perdeu as botas. Eu cheguei a tocar uma vez no Acre, em Rio Branco, em que o público não sabia o que eu ia tocar, pensava que eu ia tocar chorinho (risos).

[...] Era assim. Hoje não. Hoje, você sabe que o clarinete é um instrumento de sopro, é um instrumento como qualquer outro. [...]. Mudou muito, muito. Tinha colega meu que eu tinha certeza que tinha vergonha de andar com o violino na mão. Então fazia uma caixa que não parecia violino para passar despercebido.

(JB: 188/1008 a 1024)

Então, você vê, o que existe na realidade é o desconhecimento. Hoje, o músico já é mais respeitado [...]. Aqui no meu edifício, todo mundo, são dez apartamentos que tem aqui, todo mundo tem um respeito comigo. Falam que

“ele é músico”, “músico, é?” “É músico”, e começam a falar o que eu sou. (JB:

188/985 a 992)

Botelho faz um paralelo da época em que seu instrumento e o repertório erudito eram quase que desconhecidos – “Eu cheguei a tocar uma vez no Acre, em Rio Branco, em que o público não sabia o que eu ia tocar, pensava que eu ia tocar chorinho” – e os dias atuais – “Era assim. Hoje não. Hoje, você sabe que o clarinete é um instrumento [...] como qualquer outro”. Botelho se alinha como um músico que difundiu conhecimento e música Brasil afora (“Eu toquei em lugares onde Judas perdeu as botas”) e como alguém orgulhoso que contribuiu para o crescimento e valorização da profissão de músico (“todo mundo tem um respeito comigo. [...] Falam que “ele é músico”, “músico, é?” “É músico”, e começam a falar o que eu sou”). Como contraponto, narra a postura do colega que tinha vergonha de sua profissão – “Mudou muito, muito. Tinha colega meu que eu tinha certeza que tinha vergonha de andar com o violino na mão”.

A divulgação do instrumento está intimamente ligada ao crescimento do interesse dos alunos pelos instrumentos de sopro de meus entrevistados. Outra

vertente da contribuição desses músicos está na formação de alunos, o que ajudou na criação de orquestras sinfônicas pelo país.

Você vê os colegas, os jovens tocando hoje clarinete, de qualquer jeito, eu acredito que eu colaborei pra isso. Podem não ter sido meus alunos, mas eles me ouviram tocar e essa influência que deve ter havido. O Freitas uma vez disse numa entrevista que eu assisti em que ele dizia assim, “eu não fui aluno do Botelho, mas trabalhei com ele e aprendi muito com ele, não só na música, mas na convivência”. (JB: 181/655 a 662)

Dos três entrevistados, Botelho é o que mais narrativiza a sua influência para a formação de novos clarinetistas, mesmo que de forma indireta - “os jovens tocando hoje clarinete. De qualquer jeito, eu acredito que colaborei para isso. Podem não ter sido meus alunos, mas eles me ouviram tocar e essa influência que deve ter havido”.

Novamente, através do diálogo construído, introduz a voz de José Freitas100 para confirmar sua influência também sobre os colegas profissionais - “eu não fui aluno do Botelho, mas trabalhei com ele e aprendi muito com ele. Não só na música, mas na convivência”, evocando, também, o bom relacionamento com os colegas (“não só na música, mas na convivência”) como um dos fatores motivadores para o bom desempenho do grupo, o que transcende o aspecto puramente profissional da música.

No segmento abaixo, Botelho afirma sua preocupação com o ensino e a formação de alunos, creditando a si e à sua geração influência no meio musical que contribuiu para o desenvolvimento da música no Brasil como um todo.

[...] Hoje você não tem dificuldade mais de ter um bom fagotista, um bom clarinetista. Nós nos preocupávamos muito com isso, ensinando, plantando, [...]

eu no clarinete, Devos no fagote. A gente foi fazendo alunos, de uma maneira direta ou indireta, nós influenciamos muito os alunos e também os outros instrumentos. Eu ia tocar em São Paulo com a orquestra jovem, com a Orquestra Sinfônica Juvenil de São Paulo, e cada vez que eu tocava lá, os meninos, os garotos de 14, 15, 16 anos diziam, “professor toca sempre, vem sempre tocar conosco aqui, porque a gente vai aprender e o senhor mostra para o público que instrumento de sopro pode ser solista numa orquestra”. (JB:

173/255 a 281)

100 José Freitas é um importante clarinetista carioca. Considerado ótimo músico pelos colegas e maestros, Freitas trabalhou como assistente de Botelho na OSB durante décadas, tornando-se primeiro-clarinetista da OSB após a aposentadoria de Botelho.

As aulas do instrumento, normalmente, são ministradas individualmente.

Exigem percepção aguçada e olhar atento do professor para que ele possa estimular e retirar do aluno o máximo de seu potencial. Há o desenvolvimento de uma relação muito próxima e única entre o professor e cada um de seus alunos. Botelho se alinha como mestre e faz um paralelo do ensino com a jardinagem, pois ambos exigem tempo, trabalho e paciência para darem frutos. Botelho coloca sua narrativa no coletivo. Como pista de contextualização, utiliza a primeira pessoa do plural, ou a primeira pessoa do singular que se refere a mais de um, para referir-se a uma geração de músicos que ajudou a suprir o Brasil de novos profissionais da música – “Nós nos preocupávamos muito com isso, ensinando, plantando, [...] eu no clarinete, Devos no fagote. [...] A gente foi fazendo alunos, [...] nós influenciamos muito os alunos e também os outros instrumentos”. Em outra passagem interessante para ilustrar a sua contribuição, Botelho, em diálogo construído (“professor [...], vem sempre tocar conosco aqui, porque a gente vai aprender e o senhor mostra para o público que instrumento de sopro pode ser solista numa orquestra”), introduz um suposto pedido de jovens estudantes de música de São Paulo que o alinham como um importante divulgador do instrumento e de suas possibilidades técnicas. Botelho, por sua vez, se projeta discursivamente através de frases de outras pessoas como um músico ciente de sua importância para tornar a clarineta e o repertório de seu instrumento conhecidos e valorizados.

A prática da música de câmara é uma atividade extremamente prazerosa e essencial para o desenvolvimento do músico, pois ali ele se expressa da forma mais pessoal e tem total domínio da escolha do repertório e organização do programa, assim como da interpretação que deseja dar às obras. Outra característica dessa forma de fazer música é o estreitamento dos laços afetivos e profissionais dos músicos envolvidos ao longo dos ensaios e concertos realizados, em especial, quando atuam em turnês.

Eu comecei a lecionar. [...] O primeiro aluno que eu tive, era até um alemão. Ele ouviu um programa meu na Rádio MEC, logo quando eu cheguei, toquei um programa com o Homero Magalhães, depois eu toquei com uma pianista chamada Piera Brizze. Com Geraldo Parente, toquei vários programas. Então ele me procurou, eu morava até aqui em Santa Teresa, tava grávida, não sei, acho que era do Jaime, deve ser. [...]. Aí depois me chamaram aqui no Rio, no Conservatório Brasileiro [...] Na Graça Aranha. [...]. Depois, na Pró-Arte teve

uma inflação de flautistas, pessoal da música popular, todo mundo estudou comigo. (OED: 238/1947 a 1961)

No segmento acima, Odette narra que tocava o repertório de música de câmara para flauta com excelentes pianistas como Homero Magalhães, Piera Brizze e Geraldo Parente e o divulgava em programas de rádio. Odette conquistava, desta forma, espaço no cenário musical, era reconhecida pelos colegas, fortalecia seus laços profissionais e afetivos, além de passar a ser conhecida pelo público e procurada por alunos desejosos de estudar a flauta com ela – “O primeiro aluno que eu tive, era até um alemão. Ele ouviu um programa meu na Rádio MEC. Logo quando eu cheguei, toquei um programa com o Homero Magalhães”.

A trajetória de Odette no ensino da flauta tem o diferencial de seu instrumento ser muito utilizado na música popular. Assim, músicos hoje reconhecidos na música popular e outros, atuantes nas orquestras e professores universitários101, tiveram aulas regulares com ela. Dos três entrevistados, Odette foi a professora com maior número de alunos, quer por ser a flauta um instrumento extremamente popular, de fácil aquisição e, normalmente, de custo inferior à clarineta e ao fagote, quer por Odette ter sido professora em diversas instituições - como nos Seminários de Música Pró-Arte (a partir de 1952), no Conservatório Brasileiro de Música (a partir 1966) e na Universidade de Brasília (1974 a 1994), bem antes dos demais entrevistados. Odette também lecionou em inúmeros cursos de férias nos últimos cinquenta anos (Salvador, Brasília, Ouro Preto, Diamantina, Teresópolis, Curitiba, etc.). Por outro lado, sua metodologia de ensino102 (ou falta de metodologia, como ela prefere) estimulava a curiosidade do aluno para um repertório variado e abrangente, o que lhe permitia alcançar estudantes de música com os mais variados interesses e a diferenciava dos demais professores – “O que eu passei? Uma atitude em relação à música”. Assim, pode-se compreender por que a narrativa de Odette traz mais elementos que a alinham como professora de

101 Em sua tese de doutorado, Raul D’Ávila nos traz um lista dos alunos de Odette na UnB. Além desses alunos, posso citar Mauro Senise, Marcelo Bernardes, Lourenço Baita, David Ganc, Daniel Garcia, Raul Mascarenhas, Danilo Caymmi, Paulinho Jobim, Paulinho Guimarães, Alberto Rosemblitz, todos ex-alunos de Odette.

102 A metodologia de Odete foi objeto de estudo para a tese de doutorado de Raul Costa D’Ávila intitulada Odette Ernest Dias – discursos sobre uma perspectiva pedagógica da flauta.

inúmeros flautistas - “Depois, na Pró-Arte teve uma inflação de flautistas, pessoal da música popular. Todo mundo estudou comigo”.

[...] eu procuro é uma maneira de ver a música, uma maneira de ver, de estudar. Não é uma escola, vamos dizer, uma curiosidade com o repertório, né?

um repertório diferente. A abordagem da música contemporânea também. O que eu passei, uma atitude em relação à música. [...] É mais uma atitude do que uma técnica. É uma maneira de estudar, o relacionamento com a música, a música como expressão. Uma coisa também sem hierarquia, [...] Então o que eu passei pras pessoas também é confiança que eles têm em si mesmos.

(OED: 241/2119 a 2148)

Em conversas que tivemos, Odette me falou do cansaço que sente após as aulas devido ao esforço que emprega para identificar e aproveitar as habilidades do aluno e para superar as suas deficiências. Durante todo o ano de 2011, pude acompanhar o seu trabalho para a preparação do recital de formatura de seu aluno Guilherme Andrea, que ocorreu no dia 10 de dezembro no Conservatório Brasileiro de Música. O nervosismo de Odette antes da apresentação de seu aluno era evidente, mas foi recompensado. Acompanhado por Francisca Aquino ao piano, Guilherme tocou muitíssimo bem. O repertório era variado e difícil, ele tocou músicas de cor, demonstrou segurança e percebia-se que houve muito trabalho envolvendo aluno e professora. Ao final, Guilherme agradeceu longamente à Odette e atribuiu às suas aulas e empenho a evolução que lhe permitiu superar as dificuldade e ser bem-sucedido em seu recital.

Creio que Odette conseguiu passar para Guilherme aquilo em que acredita quando leciona, ou seja, “mais uma atitude do que uma técnica”.

Botelho também traz em suas narrativas estórias de concertos transmitidos pelas rádios que o ajudaram a ser conhecido no meio musical e abriram portas para relacionamentos com importantes compositores e maestros, o que acabou por contribuir para o aumento do repertório da clarineta. A relação dos entrevistados com os compositores brasileiros, todos importantes e presentes nos livros de história da música brasileira do século XX (a maioria deles citados no capítulo dedicado à historiografia musical (3) dessa dissertação), será apresentada na seção seguinte desse capítulo.

Mas, como comentei ao iniciar a seção da contribuição dos entrevistados para a música brasileira, todas as vertentes acabam por derivar da inicial, ou seja, da divulgação que

Devos, Odette e Botelho fizeram dos seus instrumentos e da música de concerto no Brasil.

O meu conhecimento com o [Francisco] Mignone foi através do pai dele. O pai dele [Alferio Mignone] mandou uma carta pra São Paulo, para o maestro Belardi [...] em que ele ligou a rádio e, ondas curtas, conseguiu pegar um clarinetista tocando o Concerto nº 1 de Weber e pensava que era de um país europeu, mas viu que era um tal de José Botelho com a orquestra da Gazeta tocando o Concerto de Weber. Ele ficou entusiasmado. Aquela carta devia estar em minha mão e não peguei ela. E, aí o Mignone foi em São Paulo reger, e eu estava na orquestra e ele disse, “meu pai gostou muito de você”, e no meio dos ensaios, ele disse assim, “eu vou escrever um Concertino pra você” e escreveu o Concerto para Clarineta. (JB: 185/869 a 882)

A vinda de jovens instrumentistas estrangeiros (apesar de nascido no Brasil, incluo Botelho entre eles), de técnica refinada e vontade de se expor e integrar o meio artístico brasileiro, dispostos a conhecer e tocar a música brasileira, tudo contribuía para o sucesso alcançado e a rica história de vida dos três músicos em foco. O segmento acima atesta a importância dos entrevistados para o desenvolvimento da música no Brasil. A partir de um programa de rádio transmitido de São Paulo, Botelho chamou a atenção de Alferio Mignone, que, por sua vez, alertou seu filho (Francisco Mignone) para a qualidade de um jovem clarinetista, “um tal José Botelho”. Utilizando o diálogo construído no qual insere, indiretamente, a voz e a impressão de Alferio Mignone através da voz de Francisco Mignone - “meu pai gostou muito de você”, e do próprio (Francisco) Mignone - “eu vou escrever um Concertino pra você”, Botelho se alinha como um músico reconhecido por sua classe, demonstra que conquistou seu espaço no cenário brasileiro por suas qualidades artísticas e que foi merecedor de honrarias dirigidas apenas àqueles que se sobressaem, pois um importante compositor escreveu uma obra e a ele a dedicou.

A importante contribuição dos três entrevistados pelo fato de terem tido obras a eles endereçadas por importantes compositores será aprofundada na próxima seção.

No entanto, é indispensável se ter em mente que não se trata apenas de escrever uma obra e dedicá-la a um músico. Há a influência, mesmo que indireta, do músico homenageado nas composições. O compositor escreve a obra pensando no músico, em suas habilidades e no seu domínio do instrumento, às vezes, propondo dificuldades técnicas impensáveis até então, mas sabendo que serão superadas pelo músico

escolhido. Essa contribuição para a música é importantíssima, pois, além de aumentar o repertório específico do instrumento, alarga suas possibilidades técnicas, alçando novos instrumentistas a um novo patamar.

4.4.2 “Bom, na verdade eu pensei no seu professor” - O conhecimento e a interação com os compositores

Nesta seção, através das narrativas colhidas, analiso a vertente que é, para mim, a mais relevante contribuição de Botelho, Devos e Odette para o desenvolvimento da música de concerto no Brasil, a saber, a influência exercida no cenário musical sobre os colegas e os compositores brasileiros. Como já comentado, a chegada desses jovens músicos europeus influenciou a classe musical pelo fato de eles inaugurarem um novo patamar técnico a ser observado. Nos segmentos abaixo, extraídos das narrativas de Botelho e Devos, podemos detectar que eles têm consciência da influência que exerceram no cenário brasileiro.

A Sinfônica Brasileira, eu trabalhei lá vinte anos, era o Norton [Morozowski], o Emert, Harold Emert, eu, o Devos e o [Zdenek] Svab, quer dizer, o quinteto, a gente se entendia muito bem. Se aqueles solistas tocam de maneira diferente, o outro que vai tocar também tem de tocar igual, senão ele sente-se inferiorizado.

É a mesma coisa que você estar tocando aqui comigo, nós dois, e de repente entra o João das Quintas, assim, tocando muito mal, você sente a diferença logo logo. Então, numa orquestra é assim, se tem um solista que toca muito bem, os outros vão ter de tocar igual a ele, senão, (JB: 177/436 a 447)

Os músicos conhecem/reconhecem as habilidades técnicas e artísticas de seus colegas. As notícias circulam e, quando um músico se destaca de alguma forma, todos do meio musical tomam conhecimento. Minha experiência me diz que a simples presença de um músico diferenciado no cenário musical eleva o padrão técnico exigido dos demais músicos. Botelho cita em sua narrativa o nome de diversos músicos solistas da OSB103 que “tocam de maneira diferente, o outro que vai tocar também tem de tocar igual, senão ele sente-se inferiorizado”. Ele aqui se alinha como pertencente a um

103 Norton Morozowski, flautista, Harold Emert, oboísta e Zdenek Svab, trompista, foram, durante anos, primeiro-solistas e chefes de seus naipes na OSB.

grupo de músicos que exerce influência mútua entre seus pares e sobre todo o corpo orquestral. Finaliza este trecho nos informando a importância do equilíbrio técnico e artístico entre os solistas para que o resultado final do conjunto seja satisfatório -“Então, numa orquestra é assim, se tem um solista que toca muito bem, os outros vão ter de tocar igual a ele, senão”.

Porque, a gente é contratado, por exemplo, para, como é que se diz? pra preencher alguma vaga na orquestra. Mas, também, preencher a vaga, mas se comunicar com os outros músicos, certo? Socialmente e artisticamente. Quer dizer, eu acho que, do ponto de vista artístico, o pessoal sempre me respeitou na orquestra Quer dizer, gostava assim da maneira, ou então o maestro dizia,

“olha, olha”104 e a orquestra faz assim. Então, vai influenciando a maneira, o comportamento artístico, os amigos, se estão gostando disso, porque, eu não me acho, não que eu não faço questão, eu me acho normal. [...] É o meu trabalho, e também, da comunicação, da ajuda ao reforço artístico aos colegas.

Eu acho normal também, que eles tocam muito bem, não é? Tem de aplaudir.

(ND: 280/1699 a 1714)

Devos ressalta a importância da sociabilidade e da comunicação entre os músicos como fator de elevação do nível da orquestra como um todo - “[...], a gente é contratado [...] pra preencher alguma vaga na orquestra. Mas, também, preencher a vaga, mas se comunicar com os outros músicos. Socialmente e artisticamente”, e reconhece sua influência sobre o comportamento artístico dos colegas – “eu acho que, do ponto de vista artístico, o pessoal sempre me respeitou na orquestra. [...]. Então, vai influenciando a maneira, o comportamento artístico”. No segmento acima, Devos

Devos ressalta a importância da sociabilidade e da comunicação entre os músicos como fator de elevação do nível da orquestra como um todo - “[...], a gente é contratado [...] pra preencher alguma vaga na orquestra. Mas, também, preencher a vaga, mas se comunicar com os outros músicos. Socialmente e artisticamente”, e reconhece sua influência sobre o comportamento artístico dos colegas – “eu acho que, do ponto de vista artístico, o pessoal sempre me respeitou na orquestra. [...]. Então, vai influenciando a maneira, o comportamento artístico”. No segmento acima, Devos

No documento O MÚSICO E SUA ÓPERA (páginas 133-154)