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Contributo da Extensão Agrária para o Desenvolvimento Comunitário Sustentável

Para uma melhor apreciação do contributo da extensão agrária no desenvolvimento comunitário é importante trazer a definição deste conceito de desenvolvimento. Consagrado em 1950 pelas Nações Unidas (Silva, 1962), o desenvolvimento comunitário é concebido por Ander-Egg como sendo o seguinte:

Uma técnica social de promoção do homem e de mobilização de recursos humanos e institucionais mediante a participação ativa e democrática da população, no estudo, planeamento e execução de programas ao nível de comunidades de base destinados a melhorar o seu nível de vida.

(Ander-Egg, 1980: 69)

Analisando as tendências de instituições de ensino no desenvolvimento comunitário Carmo (2001) identificou dois tipos de instituições seguintes:

 As de formação de quadros para o desenvolvimento social e económico ou de educação básica da população adulta e

 As instituições de intervenção de índole tecnológica, sociológica e de extensão rural.

Com base nos dois tipos de instituições acima indicados nota-se que a extensão rural corresponde a ambos. Contudo, acreditando nas Tecnologias de Informação e de Comunicação (TIC) na era digital contemporânea, Gates (2012), Mazula (2011) e Lobo (2001), argumentam a necessidade de se poder combinar os métodos presenciais e virtuais, mas reconhece-se o desafio de acesso as TIC sobretudo no meio rural.

Wellard (2011) destacou o papel dos serviços de extensão no desenvolvimento comunitário pelo seu papel na mobilização dos produtores, no treinamento das comunidades e na facilitação de processos de desenvolvimento comunitário. Avaliando o processo de difusão de tecnologias nalguns países africanos, nomeadamente Uganda, Malawi e Gana, Wellard (2011), constatou que a formação de extensionistas, muitas vezes escassa, é crucial para o bom desempenho dos serviços de extensão, sobretudo a formação de curta duração. Que a formação feita aos extensionistas sobre agricultura sustentável e capacitação comunitária

85 no Gana contribuiu sobremaneira na mudança de atitude das comunidades. Assim, aconselhou a capacitação regular em serviço para atualização de conhecimentos aos extensionistas e contribuição no aumento da adoção de tecnologias pelos produtores assistidos e não abrangidos pelo serviço de extensão.

Gana produziu um programa cíclico de formação em serviço de extensionistas para períodos de cinco anos (Wellard, 2011). Este investimento em programas de capacitação parece dispendioso mas os resultados são compensadores e notam-se impatos positivos no seio das comunidades assistidas por esses extensionistas em Moçambique (Gêmo, et al., 2006; Cuangara e Moder, 2011). De modo comum em Uganda, Gana e Malawi, Wellard (2011) deparou que todos os programas de formação de extensionistas incentivavam visitas a produtores para a sua assistência. Nesses três países foram verificados aumentos de produção nas culturas de milho, mapira e mandioca mais assinaláveis nos produtores assistidos pela extensão do que nos não abrangidos.

Para além da produção, a segurança alimentar também aumentou e o capital físico revelou- se mais estável, facto evidenciado pela preservação e compra de bens. Em contrapartida, a revenda de bens teve tendências de reduzir, contrariamente ao que acontece quando existe fome ou crise. As ações de extensão nas comunidades têm o mérito de buscar mecanismos de envolver grupos vulneráveis sobretudo mulheres e jovens (Feder, et al., 2004; FAO/MINAG, 2009, ANSA, 2009; Alage e Carmo, 2014).

A participação da mulher nos programas de extensão tem contribuído na sua capacitação para que ela participe no processo produtivo e alivie a situação de vulnerabilidade familiar sobretudo em termos de segurança alimentar e nutricional. Igualmente, a mulher conseguiu melhorar a sua participação na tomada de decisão em relação a produção e renda familiar e melhoria das condições de vida. A qualidade de vida inclui o respeito pelos direitos humanos, preservação da diversidade cultural e a capacidade de os cidadãos participarem ativamente nas decisões que determinarão o seu futuro (WCSD, 1987; Merege et al., 2000).

Os desafios que a extensão enfrenta no desenvolvimento comunitário não diferem muito dos desafios gerais de atuação dos serviços de extensão abordados por Chambers (1983), Swanson e Claar (1991), Rivera e Qamar (2003), Gêmo et al., (2006), Eicher (2007) e

DNEA (2014b). Em relação ao envolvimento de mulheres no desenvolvimento comunitário a extensão identifica mulheres nas comunidades que possam assumir o papel de agentes de extensão e apoiar na sensibilização e difusão de tecnologias para outros produtores (DNEA, 2007, 2014b) e outras pessoas vulneráveis (Mather et al., 2004). De um modo geral a percentagem de extensionistas em muitos países em África ainda não satisfaz as cifras ideais de 1 extensionista para 200 a 300 produtores, havendo cifras na margem de 1:500. Quanto a extensionistas do sexo feminino a proporção é muito baixa com uma média de 9% de mulheres extensionistas (Reid & Salman, 2000; Gemo, 2006; Gadzirayi, et al., 2008, Philibert et al., 2008; DNEA, 2014b). Para suprir este défice o envolvimento de mulheres nas comunidades como facilitadoras, produtoras de contato ou promotoras comunitárias é fundamental, conforme supra referido.

As mulheres, desempenhando esses papéis como ativistas comunitárias ganham maior capacidade de liderança, de coordenação e de advocacia e mobilização, fatores essenciais à sua participação efetiva. Com este fato, o desafio de limitado número de mulheres extensionistas pode ser, em parte, impulsionador da participação da mulher no desenvolvimento comunitário.

A busca de alternativas para a contratação de mais mulheres extensionistas é encorajada atendendo ao maior número de mulheres produtoras do que dos homens (DNEA, 2014b). Esta abordagem foi encorajada por Negrão (2001) aquando às cheias do ano 2000 em Moçambique, usando estratégias de adaptação aos contextos adversos enquanto se procuram soluções de médio e longo prazos. A análise em relação a sustentabilidade leva a crer que os serviços de extensão agrária contribuem para a sustentabilidade a nível comunitária através da promoção das seguintes ações (Wellard, 2011):

 Redução da destruição de recursos naturais e da dependência das comunidades ao combustível lenhoso;

 Pequenos sistemas de rega e redução da dependência à chuva;

 Fortalecimento institucional através de ligações institucionais e integração de projetos ao nível dos Ministérios da Agricultura;

87  Difusão horizontal de tecnologias e de experiências de sucesso. Wellard (2011) constatou que dois a três produtores das aldeias não abrangidas pelos serviços de extensão foram beneficiados por produtores das zonas assistidas pela extensão, em Uganda e Gana. Coleman (1990) considerou as iniciativas deste género como sendo fruto do papel do capital social na criação do capital humano, consistente portanto com o modelo descrito por DFID (1998). A informação foi referida por Ostrom e Hess (2006), como um bem comum e por isso a sua partilha é fundamental;

 Difusão de e retroalimentação pelas comunidades.

De forma conclusiva a extensão agrária assume um grande papel na capacitação das comunidades através da mobilização, formação e difusão de tecnologias e de informações úteis ao desenvolvimento. Estas ações contribuem numa colaboração efetiva intra e inter- comunidades e organizações (Albuquerque, 2008).

Porém, os desafios ainda persistem e a ligação com outros intervenientes é necessária para almejar um desenvolvimento comunitário sustentável, equitativo e o bem-estar socioeconómico dos seus membros (Boon, et al., 1999; Bandeira, 2000; Swanson & Mohamed, 2002; Rivera & Qamar, 2003; Carmo, 2008; Zivkoic et al., 2009; Esgaio e Carmo, 2010; Wellard, 2011; Chipeta, 2013). Para além do desafio de coordenação entre os intervenientes, a extensão no desenvolvimento comunitário não se deve descurar dos princípios das necessidades sentidas, cooperação, autossustentação e da universalidade (Carmo, 2001). A maioria das ações de extensão agrária decorre no meio rural e por isso a extensão não se dissocia dos desafios que influenciam a educação da população rural no seu contexto geral.

Reconhecendo a necessidade de haver uma forte ligação entre a educação, agricultura e desenvolvimento rural, a FAO e a UNESCO realizaram a Cimeira Mundial de Desenvolvimento Sustentável em 2002, tendo como ponto fulcral da agenda o lançamento da Estratégia sobre a Educação da População rural (EPR). A EPR que inclui a extensão agrária ou rural (Gasperini, 2003) surgiu na sequência da implementação dos objetivos preconizados na Cimeira Mundial de Alimentação e da Educação Universal21. O enfoque pelo meio rural deve-se ao reconhecimento de que (i) mais de 80% da população em África

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é rural, 70% da qual se encontra na África Sub-Sahariana22; (ii) o índice de analfabetismo é duas a três vezes mais alto nas zonas rurais do que nos centros urbanos23 (iii) e com índices de pobreza mais altos.

Mazula (2011) baseada na experiência moçambicana apresenta de forma interessante, quatro características da população rural: (i) população constituída sobretudo por camponeses que vivem ou sobrevivem da terra; (ii) muito ligados à terra onde nasceram, perdendo identidade a medida que se afastam da mesma; (iii) o camponês é um trabalhador nato, porém vive em extrema pobreza e (iv) preocupado com a gestão da terra, com o seu bem e educação dos filhos.

O acesso aos serviços de extensão é fundamental no ganho de competências dos cidadãos para melhor enfrentarem o mundo em mudança dos padrões de produção e de consumo. Tais competências permitem a adoção de um pensamento crítico, inovador, criatividade e flexibilidade para a mudança, incluindo valores (UNECE, 2012), como decorre na aplicação de metodologias participativas de extensão agrária. As iniciativas atuais de desenvolvimento no mundo, embora incipientes, reconhecem cada vez mais a rica vivência que caracteriza o campo, os movimentos sociais caracterizados por uma dinâmica social e educativa, com fortes laços sociais de ensino e aprendizagem (Arroyo e Fernandes, 1999; Foo & Harris, 2010).

Segundo o MICOA (1999) os efeitos de crises são mais severos no meio urbano do que no meio rural porque (i) o campo providencia mais opções para sobrevivência do que a cidade; (ii) as cidades possuem serviços, os quais tendem a escassear de forma aguda e posteriormente de forma crónica quando há crises. Esses movimentos parecem associados às condições sócio económicas dos cidadãos incluindo idade. Os mais idosos, em idade de reforma, começam a necessitar menos de serviços quotidianos típicos de grandes cidades como transportes e emprego e vão para o campo dedicar-se à agricultura.

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Até 2030 continua sendo a maioria, cujas projecções apontam para cerca de 58% da população rural na África Sub-Sahariana (FAO/UNESCO/-IIEP, 2006).

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Cerca de 18% da população mundial é analfabeta; desta, aproximadamente 64% são mulheres. Na África Sub-Sahariana, a população de analfabetos ronda 38%, dos quais 61% são do sexo feminino. Entre os jovens (15-24 anos), as taxas de analfabetismo são de 12% da população mundial; a nível da região Sub-Sahariana 23% não sabem ler nem escrever, dos quais 59% são do sexo feminino12 (UNESCO, 2004).

89 No campo todos os gestos são educativos. Aqui se fala mais com gestos do que com palavras. Isto é uma característica muito forte do movimento social do campo (Arroyo e Fernandes, 1999: 9). A participação da comunidade deve ser mais ousada, incluindo o seu envolvimento noutras tarefas de solidariedade e de desenvolvimento socioeconómico (University of Brighton, 2012). Nesta perspetiva a extensão agrária deve estar atenta ao contexto rural e a sua dinâmica onde decorre a maior parte das suas atividades.