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A FUNAI tem um controle seguro e confiável das populações residentes em suas reservas daquela região de fronteira, no S/SO do

QUESITOS APRESENTADOS PELOS AUTORES

3.24. A FUNAI tem um controle seguro e confiável das populações residentes em suas reservas daquela região de fronteira, no S/SO do

Mato Grosso do Sul? O fato da maioria daquelas fronteiras serem fronteiras secas, entre o Brasil e o Paraguai, não propiciaria o fluxo permanente de índios Guarani-Kaiowa do outro lado da fronteira para o nosso território, atraídos pela nossa melhor assistência, sobretudo a médico-sanitária aos índios, principalmente para as índias gestantes do Paraguai, em busca do auxílio-natalidade, e o oferecimento da aposentadoria aos velhos índios paraguaios, homens e mulheres com mais de 60 anos, que aqui são registrados como brasileiros?

Se os experts dos Autores estão usando a expressão “controle” para se referir a uma espécie de fiscalização ou a um ato de controlar o direito

de ir e vir dos indígenas, aí então a resposta é negativa para a primeira per- gunta desse quesito.

Por outro lado, em termos de censo demográfico, a FUNAI não tem um banco de dados frequentemente atualizado sobre as populações residen- tes nas reservas indígenas situadas na região de fronteira. Mas a FUNASA possui informações atualizadas que servem de base para a aplicação de po- líticas públicas de relevância social, como na área de saúde. Contudo, ainda hoje em dia existem comunidades indígenas que até o ano de 2005 não constavam na relação da FUNAI e da FUNASA. Este é o caso da comuni- dade Kaiowa de Cerro’i, localizada no município de Guia Lopes, na região serrana de Maracaju, bacia do alto curso do rio Paraguai, onde as pessoas vivem como “índios de Corredor”, isto é, com assentamentos implantados entre as cercas das fazendas e as margens da rodovia que dá acesso a Jardim e Bonito (cf. Pereira 2006).

O fato de grande parte dos limites territoriais do Brasil com o Pa- raguai ser constituído de “fronteiras secas” favorece a existência de um grande fluxo de indivíduos, índios e não-índios, de um lado para o outro: do Brasil para o Paraguai e do Paraguai para o Brasil. Este fluxo de pessoas não se dá apenas pelo amparo social que podem ter em um dos países. No caso dos Kaiowa das comunidades de Ñande Ru Marangatu, no Brasil, e Pysyry, no Paraguai, esse fluxo ocorre principalmente para a manutenção e o fortalecimento de relações de parentesco, aliança e reciprocidade.

O translado de indivíduos para visitação a familiares e amigos, ou para a participação em atividades festivas e religiosas, como aquelas que acontecem entre os membros das comunidades de Marangatu, do lado brasileiro, e Pysyry, do lado paraguaio, não constituem em si crime de ne- nhuma natureza. Este fluxo está inclusive previsto e assegurado no direito internacional. Em convenções que tratam do direito internacional, está esta- belecido que os povos indígenas situados em região de fronteiras nacionais possam manter relações sócio-culturais com comunidades do mesmo grupo étnico situadas em ambos os lados da fronteira.

A Convenção n°. 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 07/06/1989, da qual o Brasil é signatário, mais precisamente na Parte VII, que trata dos Contatos e cooperação através das fronteiras, está estabelecido o seguinte em seu Artigo 32:

Os governos deverão adotar medidas apropriadas, inclusive mediante acor- dos internacionais, para facilitar os contatos e a cooperação entre povos indígenas e tribais através das fronteiras, inclusive as atividades nas áre- as econômica, social, cultural, espiritual e do meio ambiente (Magalhães 2003: 31-46).

O Brasil não é apenas um mero signatário da Convenção OIT n°. 169, mas também a referendou por meio do Decreto Legislativo n°. 143, de 20/06/2002, assinado pelo senador Ramez Tebet, parlamentar peemede- bista pelo Mato Grosso do Sul e falecido em 2006, quem na época estava respondendo pela Presidência do Senado Federal.

Portanto, salvo melhor juízo, não é papel do Estado Brasileiro, muito menos da FUNAI, que está ligada ao Ministério da Justiça, cercear o direito de ir e vir entre os membros das comunidades indígenas de Marangatu e Pysyry.

Como registrado nas respostas dadas a quesitos apresentados pela União/FUNAI e Ministério Público Federal, Ñande Ru Marangatu e Pysyry fazem parte de um mesmo tekoha guasu, sobre o qual foi inserida uma li- nha divisória entre dois países platinos. No passado, de fins da década de 1940 até a de 1970, muitas famílias Kaiowa de Ñande Ru Marangatu foram obrigadas a abandonar seu território no Brasil e a se estabelecerem no Pa- raguai, em Pysyry, onde o governo havia reservado terras a seus parentes e amigos residentes na outra margem do rio Estrela. Depois, com o processo de redemocratização do país e a redefinição do papel do Estado Brasileiro, a partir da década de 1980, muitos Kaiowa regressaram do Pysyry para Ñande Ru Marangatu e passaram a reivindicar seus direitos sobre aquela terra indígena.

Como os índios foram obrigados a deixar suas terras em Ñande Ru Marangatu, quando voltaram para a região, e passaram a reivindicar di- reitos sobre elas, foram retratados por setores da sociedade regional como “índios paraguaios”. A atribuição de uma nacionalidade paraguaia a todos os Kaiowa de Ñande Ru Marangatu tem sido uma estratégia usada delibe- radamente para não reconhecê-los como indígenas brasileiros e, portanto, desconsiderar suas reivindicações. Também tem sido utilizada para des- qualificar toda a fala dos índios sobre o processo de esbulho que sofreram por parte de alguns dos primeiros não-índios que ali chegaram, em fins da década de 1940 e meados da década seguinte.

Em muitos processos existentes na Justiça Federal em Mato Grosso do Sul, nos quais há conflitos de direitos envolvendo comunidades indí- genas e produtores rurais, tem sido muitíssimo comum, como estratégia do contraditório, atribuir a nacionalidade paraguaia a indígenas de dife- rentes etnias, estejam elas ou não na zona de fronteira. No Processo de n° 2001.60.00.003866-3, na 3ª Vara da 1ª Subseção Judiciária de Campo Grande, este argumento foi utilizado para tentar caracterizar os Terena da Terra Indígena Buriti, localizada nos municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, como paraguaios. Neste caso em particular, as decisões até agora tomadas pela Justiça Federal não corroboram a tese de que aque-

les Terena são estrangeiros, tampouco foi isso o que os peritos do Juízo naquele processo constataram em seus estudos de natureza antropológica, arqueológica e histórica (ver Eremites de Oliveira & Marques 2003).

Amplos setores da imprensa local e regional também têm atuado no sentido de vulgarizar essa representação de “paraguaios” sobre os Kaiowa, contribuindo para a construção e consolidação de um imaginário coletivo e de uma opinião pública desfavoráveis à comunidade indígena de Ñande Ru Marangatu.

Os Kaiowa ocupam no Brasil pequenas aldeias situadas em uma faixa de terra de cerca de 150 km de cada lado da fronteira com o Paraguai. Nesta faixa de terra existem vários núcleos de povoamento desta etnia. Vários de- les foram demarcados como reservas e nelas os índios recebem assistência do Estado Brasileiro e de missionários e ONG’s. Os Kaiowa consideram a faixa de terra retro descrita como o território historicamente ocupado pelo grupo. Ali eles estavam radicados antes que se estabelecessem as atuais fronteiras nacionais entre Brasil e Paraguai.

O estabelecimento das fronteiras nacionais impôs certa limitação ao trânsito dos Kaiowa entre suas aldeias, mas eles sempre seguiram mantendo relações de visitação e intercâmbio religioso entre as comuni- dades situadas nos dois lados da fronteira. Em muitos casos ocorreram mudanças de famílias nucleares de acordo com as vantagens ou desvan- tagens de se fixar residência em determinado local, porém desde que se disponha de parentes vivendo no local, com os quais se possam estabe- lecer relações de aliança.

Um fato interessante é que o processo de desmatamento e ocupa- ção das terras, pelas frentes de ocupação agropastoris, geralmente ocorreu primeiro no lado brasileiro e depois no paraguaio. Por este motivo, muitas famílias de comunidades que viviam do lado brasileiro foram expropriadas das terras que ocuparam entre as décadas de 1930 a 1970. Neste período era comum que os Kaiowa procurassem abrigo entre os parentes que viviam nas reservas demarcadas no Brasil, ou mesmo em comunidades Kaiowa si- tuadas do lado paraguaio, como ficou claro no estudo comparativo de várias genealogias. Com o processo de mobilização da comunidade de Marangatu para reocupar a terra, algumas dessas pessoas retornaram para o lado bra- sileiro, onde viveram até que foram expulsos da terra, conforme explicado nos Capítulos 1 e 2 desta perícia.

O deslocamento de população entre os dois lados da fronteira não é um fenômeno exclusivo da população indígena. Situação semelhante, po- rém em proporções bem maiores, ocorre entre a população não-indígena que vive na zona de fronteira entre os dois países, como é o caso de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. Muitos regionais têm parentes dos dois lados

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