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O que significa o efeito “circulação” defendido por alguns antropólogos ao se referirem aos indígenas que foram destituídos de

QUESITOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

2.15. O que significa o efeito “circulação” defendido por alguns antropólogos ao se referirem aos indígenas que foram destituídos de

seus Territórios Tradicionais? Tal fenômeno aconteceu no caso dos indígenas de ÑANDE RU MARANGATU?

Pelo que se pode entender, o termo “circulação” vem sendo caracterizado em alguns estudos como um conceito chave para a com- preensão dos processos de territorialização dos Kaiowa e Guarani no estado de Mato Grosso do Sul, especialmente pelos antropólogos Fabio Mura e Rubem F. Thomaz de Almeida. Fabio Mura explicitou a impor- tância do conceito na perícia judicial que elaborou para a terra indígena Yvy Katu, no município de Japorã, em artigo publicado em Fronteiras: Revista de História e em sua recente tese de doutorado (Mura 2004, 2006). Já a leitura do relatório de identificação da terra indígena Ñan- de Ru Marangatu, elaborado pelo antropólogo Rubem F. Thomaz de Almeida, evidencia que ele também faz uso do conceito com o mesmo sentido desenvolvido por Fábio Mura nos trabalhos anteriormente ci- tados. É importante observar que os referidos antropólogos trabalham em colaboração, discutindo e incorporando contribuições recíprocas nos trabalhos realizados por cada um deles: tanto Rubem F. Thomaz de Almeida acompanhou o trabalho pericial de Fabio Mura em Yvy Katu, quanto Fabio Mura acompanhou o trabalho identificação em Maranga- tu, realizado por Rubem F. Thomaz de Almeida.

Na página 26 do relatório circunstanciado de identificação e delimi- tação da terra indígena Ñande Ru Marangatu, o antropólogo Rubem, no item 1.5.5, denominado “Circulação: um conceito importante”, explica o sentido e as implicações do conceito para a elaboração do relatório. Como o texto não é muito extenso, optou-se por transcrevê-lo e comentá-lo:

Os “traslados intermitentes” mencionados acima serão aqui denominados de “circulação”. A existência e funcionamento do fenômeno são relevan- tes de serem conhecidos, pois esta compreensão auxilia o entendimento do problema aqui discutido. Trata-se de um procedimento que se verifica tanto entre os Kaiowa como entre os Ñandeva. Configura um movimento intermitente e compulsório de circulação dentro de uma determinada re- gião, praticado pelas famílias indígenas. Esta região define-se como sendo o espaço que compreende o tekoha, isto é, o “lugar onde os Kaiowa reali-

zam o seu modo de ser”, mas sobre o qual repousa um interdito que impede

que estas famílias ocupem e usufruam integralmente disso que seria seu habitat. Tornado, este tekoha, fazenda, e impedidas as famílias de ocupá-lo plenamente, os Kaiowa fazem de tudo para permanecer em “seu LUGAR”, seja ‘escondendo-se’ nas matas ou trabalhando, de forma permanente, em sua própria terra que se tornou fazenda, com a anuência do fazendeiro. Descoberto pelo fazendeiro aqui, transladam-se para lá, de onde seguirão, após serem novamente descobertos, para acolá e assim sucessivamente. Em alguns casos (como os grupos do Mangaysyti, no Jatayvary, por exem- plo) podem passar-se anos até que voltem a seus lugares. Os depoimentos dos próprios fazendeiros ilustram com clareza este movimento quando afirmam que os índios saltavam de um lugar a outro. Esta circulação e a persistência sobre lugares específicos indicam a pertinácia sobre o lugar e revelam ou contribuem para melhor entender os espaços ocupados pelas famílias do LUGAR antes da chegada do colonizador. Marangatu encaixa- se com precisão nesse perfil e apresenta, além disso, a peculiaridade da comunidade manter-se dentro do tekoha por mais de 50, sorte da qual não compartilham inúmeras situações dos Kaiowa e dos Ñandeva no MS. Esta especificidade tem levado funcionários da sede da FUNAI em Brasília a considerar que o Ñande Ru Marangatu deve ser incluído na categoria cons- titucional como “terra de ocupação permanente”; menos “afortunados” os Kaiowa do Jatayvary, onde se verificou mesmos procedimentos e práti- cas colonizadoras, mas que foram compulsoriamente impossibilitados de manter-se nas redondezas, seja considerado equivocadamente pela FUNAI como NÃO tendo havido ocupação permanente apesar da variação para um e outro caso ser apenas circunstancial – o tema será discutido mais amplamente no relatório de identificação da Terra Indígena do Jatayvary em elaboração, já que em relação ao Ñande Ru Marangatu não pairam dú- vidas de que efetivamente é uma terra “permanentemente ocupada” – v. Artigo No. 231, Parágrafo 1o, Constituição Brasileira de 1988 (Thomaz de

Almeida 2000: 26).

O autor trabalha o conceito de circulação em uma proposta com- parativa entre os estudos que realizou nas comunidades de Jatayvary e Marangatu. Circulação é, portanto, a maneira como o autor caracteriza os “traslados intermitentes” das famílias indígenas em volta do epicentro de determinado tekoha.

É possível afirmar que esse “fenômeno aconteceu no caso dos in- dígenas de ÑANDE RU MARANGATU”, pois a partir do momento em que as famílias foram desalojadas da terra, elas mobilizaram uma série de

alternativas procurando permanecer o mais próximo possível das terras do tekoha. Como já foi discorrido em outras partes da perícia, o epicentro do tekoha Ñande Ru Marangatu é o morro Marangatu, que fica em uma das propriedades da família de Pio Silva. Daí o esforço das famílias da comu- nidade de Marangatu em permanecerem próximas a esse local, além do fato de ser este o local onde tentaram se fixar quando tomaram a decisão de retornar à área em litígio, disputando a posse com os proprietários (Thomaz de Almeida 2000: 26-27).

2.16. Os indígenas de ÑANDE RU MARANGATU reclamam,

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