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Na mencionada área homologada pelo Decreto Presidencial 28.03.2005, existem elementos etno-histórico-antropológicos que a

QUESITOS DA UNIÃO/FUNA

1.5. Na mencionada área homologada pelo Decreto Presidencial 28.03.2005, existem elementos etno-histórico-antropológicos que a

caracterizam?

Sim, “na mencionada área homologada pelo Decreto Presidencial 28.03.2005, existem elementos etno-histórico-antropológicos que a carac- terizam”. A seguir é apresentada uma série de argumentos que possibilitam os peritos fazerem uma afirmação desse nível.

A área periciada situa-se ao sul da bacia do rio Apa e está, portanto, inserida no território onde tradicionalmente estavam distribuídos os tekoha dos Kaiowa. Esses territórios sempre estavam radicados em pontos especí- ficos ao longo dos cursos d’água, como atestam fontes documentais desde o período colonial, analisadas por diversos autores, tais como Branislava Susnik (1975), Bartomeu Melià et al. (1976), Antonio Brand (1993), Fran- cisco Silva Noelli (1993) e Gilson Rodolfo Martins (2003), dentre muitos outros.

Na segunda metade do século XIX, sobretudo durante a guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864-1870) e a realização dos trabalhos da Comissão de Delimitação das Fronteiras entre Brasil e Paraguai, foi pro- duzida uma documentação que atesta a presença dos Kaiowa na região, conforme explicado nas respostas aos quesitos dos Autores. Isto por si só não autorizaria a afirmação de que especificamente a área periciada era ocupada por uma comunidade Kaiowa. A documentação apenas abre a pos- sibilidade para que ali tenha existido essa comunidade, já que a área em litígio está situada em seu território de ocupação tradicional.

A seguir contam os argumentos que atestam que essa área específica, foco da perícia, é terra tradicional de ocupação da comunidade Kaiowa de Marangatu.

Os dados etnográficos resultados da pesquisa de campo foram minu- ciosamente compostos e interpretados pela combinação de procedimentos científicos de pesquisa em antropologia e etno-história, através do entre- cruzamento de métodos de registro genealógico, de histórias de vida e de narrativas sobre as trajetórias individuais. Utilizaram-se ainda a análise de fontes escritas oficiais e não-oficiais e a pesquisa bibliográfica. Tais proce- dimentos permitem atestar que a atual comunidade Kaiowa de Marangatu, que se encontra na vila Campestre e na área rural que ocupam provisoria- mente, é composta por Kaiowa remanescentes ou descendentes da mesma comunidade indígena que ali vivia ocupando integralmente a terra agora periciada, de acordo com seus usos, costumes e tradições. Alguns indivídu- os que não nasceram em Marangatu, mas em outras comunidades Kaiowa, como a professora Léa Aquino (aldeia Amambai) e Hamilton Lopes (aldeia Pirakua), foram para Antônio João por motivos variados e hoje em dia mantêm fortes laços de parentesco, aliança política e reciprocidade com as pessoas de lá. Por isso já construíram um sentimento de pertencimento àquela comunidade indígena, na qual estão inseridas.

A interrupção da posse da terra pelos Kaiowa não se deu por livre e espontânea vontade dos índios em deixarem aquela área. Deu-se sim pela pressão para que deixassem o local ou mesmo pela remoção forçada da comunidade indígena pelos primeiros particulares que requereram terras

na área periciada, como fica claro no ofício que Agapito de Paula Boeira enviou ao SPI, em 1952, analisado anteriormente. Nele o autor denunciou violências e maus tratos que os índios dessa comunidade estariam sofreram no processo de esbulho da terra que ocupavam. Essas ações datam de perío- do anterior à chegada de muitos dos ocupantes atuais, os quais, pelo que foi possível averiguar, não se envolveram diretamente nas violências e maus tratos ali descritos.

Fatos da mesma natureza dos que foram relatados naquela carta estão presente na memória dos índios mais idosos que sofreram e convi- veram com as pessoas que sofreram tais violências. Elas também foram relatadas por regionais que conviveram com os índios naquele período, como é o caso do senhor Carlos Zanchet.

A comunidade de Ñande Ru Marangatu, incluindo os mais velhos, apontam o produtor rural Pio Silva, com mais de 90 anos de idade, como sendo a única pessoa que ainda vive na região e que teria promovido a expulsão de famílias Kaiowa da área que adquiriu do governo e que an- tigamente correspondia à da antiga Fazenda Fronteira. Ele, porém, nega peremptoriamente que isso tenha ocorrido.

Não cabe aos peritos, bem entendido, a apresentação de qualquer juízo de valor sobre assuntos tão sensíveis como, por exemplo, afirmar categoricamente que fulano e cicrano promoveram ou não o processo de esbulho apontado sistematicamente pelos Kaiowa. Tampouco é papel dos experts do Juízo afirmar que “A” e “B” estão mentido ou que “C” e “D” estão falando a verdade sobre os fatos. A própria “verdade objeti- va dos fatos” é algo controverso no campo da sociologia do direito. Este assunto, aliás, por ser um tema tão polêmico, sequer foi mencionado no Relatório de estudo antropológico de identificação produzido por Rubem F. Thomaz de Almeida (2000). No mês de fevereiro de 2007, contudo, o antropólogo explicou ao perito Jorge Eremites de Oliveira, em meio a uma conversa informal, que durante os trabalhos de campo ele manteve bons relacionamentos com a família Silva, sobretudo com Dácio Queiroz Silva, ex-prefeito eleito de Antônio João por duas gestões consecutivas. Explicou ainda que ouviu dos Kaiowa de Marangatu os mesmos relatos sobre es- ses acontecimentos, admitindo que o assunto não foi devidamente tratado em seu relatório. Dácio, por sua vez, é apontado por muitos índios, so- bretudo pelos professores da Escola Municipal Marçal de Souza – Tupã’I, como o melhor prefeito que eles tiveram nos últimos anos, embora saibam que o economista é parte na disputa judicial pela área em litígio. Entre- tanto, igualmente não cabe aos peritos omitirem este tipo de informação tão marcante para os índios, desconsiderando a memória social coletiva da comunidade de Ñande Ru Marangatu, sob pena de não corresponderem às

responsabilidades que lhes foram confiadas pela Justiça Federal. Significa dizer, portanto, que o processo de esbulho apontado nesta perícia foi tratado sob o ponto de vista antropológico e histórico, com base em narrativas orais e documentos escritos, os quais precederam das devidas críticas interna e externa a essas fontes.

Um exemplo prático disso seria não mencionar que o etno-historia- dor Antonio Brand, em sua conhecida tese de doutorado, denominada O impacto da perda da terra sobre a tradição Kaiowa/Guarani: os difíceis caminhos da palavra, trazida a público em 1997, também registrou na dé- cada de 1990 uma entrevista com Don Quitito Vilhalba e outras pessoas da comunidade sobre o assunto. Don Quitito faleceu em abril de 2000, quando estava na Bahia em evento nacional dos povos indígenas, e é pai de Lore- tito Vilhalba. Esta entrevista está em guarani e os peritos tiveram acesso a sua gravação, que foi gentilmente cedida pelo pesquisador e professor da Universidade Católica Dom Bosco (UCBD), em Campo Grande. Em seu trabalho há três referências importantes sobre a área em litígio.

Primeira:

Segundo o relato dos índios, hoje, em Campestre, o Exército teria lhes do- ado, em épocas passadas, 10.525 ha (ou “duas léguas em quadra”), cujos limites seriam: Rio Estrela – Cerro Sombrio – Arroio Estrelinha – divisa seca (Jarakuatia) com outra divisa seca(Brand 1997: 304).

Segunda:

Para Don Quitito, teria um total de 200 famílias, residindo na área propos- ta. A quase totalidade da população de Campestre hoje é dessa área. Cerro Marangatu era tekoha guasu, incluindo vários outros tekoha menores, tais como Cerro Sombrero, citado por alguns informantes. Esta aldeia, Cerro Sombrero, localizava-se dentro de Cerro Marangatu, provavelmente onde está a fazenda Joguare. Residiam hoje, ainda em Campestre, Don Quitito,

capitão; Aniceta Silva; Anastácia Sarate, filha de Francisco; Astúrio Fer-

nandes; e Constâncio Silva, filho de Manoel Bonito.

Foram capitães: Gregório Sarate; depois seu filho, Francisco Sarate; depois Manoel Bonito, cunhado de Alziro, ex-capitão do Campestre (Brand 1997: 304). [itálicos no original]

Terceira:

A população da área foi expulsa de forma violenta pelo fazendeiro Pio Silva, em 1950. Teria queimado as casas e se utilizado de outros expe-

Paraguai, e para outras aldeias, tais como Dourados e Pirakuá (Brand 1997: 304). [destaques nossos]

Este é o caso de um trabalho acadêmico em que novamente o nome de Pio Silva foi mencionado como um dos responsáveis pela expulsão dos índios da terra que estavam ocupando desde tempos imemoriais. Portanto, não é de hoje que a comunidade indígena de Marangatu e/ou alguns re- gionais, como Agapito de Paula Boeira e Carlos Zanchet, apontam nomes como os de Milton Corrêa, Damico Damiano Corrêa, Lazinho Corrêa e Pio Silva como sendo os “brancos” que teriam promovido a expulsão de famí- lias Kaiowa das terras que estavam ocupando desde antes da chegada deles àquela região. No caso de Agapito de Paula Boeira e Carlos Zanchet, re- gistra-se amiúde que nenhum dos dois apontou o nome de Pio Silva; houve apenas a menção dos nomes de Milton Corrêa e Damico Damiano Corrêa.

Afora o registro documental dessa situação sócio-histórica e as nar- rativas orais dos índios mais idosos, foi possível identificar, na comunidade de Ñande Ru Marangatu, a continuidade dos vínculos societários: parentes- co, alianças políticas, práticas religiosas etc. Tais vínculos se projetam no tempo por sucessivas gerações e no espaço por formas de territorialização típicas da formação social kaiowa, desde o período anterior à expulsão da comunidade até os dias atuais.

A continuidade histórica da comunidade de Marangatu é perfeita- mente perceptível nos vínculos entre as lideranças políticas do grupo. No período em que ainda detinham a posse integral da área periciada, ou seja, imediatamente anterior à alegada expulsão, a comunidade de Marangatu era liderada por Manoel Bonito. Posteriormente Manoel Bonito foi sucedi- do por Alziro, depois por Don Quitito e depois por Loretito, que é o atual cacique. Esses líderes são parentes entre si, sendo que os três últimos são, respectivamente, avô, pai e filho. Os líderes aqui descritos pertencem à pa- rentela politicamente mais importante na comunidade, que por esse motivo também detém a hegemonia na condução política e na prática de atividades festivas e rituais. Os três últimos lograram transmitir a liderança de pai para filho, caracterizando processos de sucessão política tipicamente Kaiowa, como está bem descrito nos estudos de parentesco e organização social do grupo. Isto porque o líder político sempre procura entre os parentes mais próximos alguém que possa desenvolver a habilidade política e ser capaz de sucedê-lo no cargo.

Inevitavelmente, a restrição espacial à que a comunidade foi sub- metida impôs uma série de reveses ao seu formato organizacional e práticas culturais. Todavia, isto não implicou na diluição do sentimento étnico (de pertencimento à etnia Kaiowa), nem dos laços societários de

pertencimento a uma comunidade específica, a comunidade de Maranga- tu, que tem na área periciada sua referência histórica de territorialização. Pelo contrário, as dificuldades enfrentadas após a saída da terra parecem ter fortalecido o sentimento de exclusividade, motivando a comunidade a insistir em reaver as terras nas quais seus anciões e ancestrais desenvol- veram um estilo de vida que consideram próprio, legítimo e verdadeiro de sua etnia. Os membros da comunidade de Marangatu manifestam o senti- mento de compromisso ético e moral em seguir praticando seus costumes, principalmente os rituais religiosos.

O processo de exclusão dos indígenas da posse da terra na área peri- ciada se originou da omissão do SPI, pois o órgão indigenista oficial tinha conhecimento de problemas fundiários na região, envolvendo os índios que lá residiam, como fica evidente na carta encaminhada a sua direção por Agapito de Paula Boeira. Por outro lado, houve uma série de equívocos do Estado Brasileiro, mas especificamente do departamento de terras do antigo estado de Mato Grosso, sediado em Cuiabá, que vendeu e titulou terras na região desconsiderando a posse tradicional indígena, e mesmo a presença de pequenos colonos, anteriores aos grandes proprietários.

Percebe-se, portanto, que tais terras foram inapropriadamente consideradas como devolutas e, portanto, sujeitas à transferência para parti- culares, desde que eles manifestassem o interesse, dispusessem de recursos para recolher as taxas públicas, despesas com medição e demais custos com os procedimentos legais para sua regularização. Afirma-se que a terra na área periciada foi inapropriadamente considerada como devoluta porque ela já era ocupada desde longa data e de forma tradicional pela comunidade de Marangatu. A área periciada constituía o espaço de ocupação tradicional dessa comunidade Kaiowa, cujos membros a denominam de tekoha. Casos semelhantes aconteceram em comunidades vizinhas, que radicavam suas comunidades em pontos esparsos da região e com os quais os Kaiowa de Marangatu desenvolviam intensos intercâmbios matrimoniais, festivos e rituais, constituindo o que eles denominam de tekoha guasu.

O próprio órgão indigenista oficial do Estado Brasileiro, SPI e depois FUNAI, teve papel fundamental no processo de esbulho impetrado con- ta terras indígenas na região. Esta afirmativa se justifica porque, ao invés de procurar os meios legais para assegurar que as comunidades indígenas permanecem nos espaços em que se encontravam, algo era sua obrigação moral e legal no papel de tutor dos índios, aquele órgão acabou pautando sua atuação pelo entendimento de que o direito indígena à posse da terra se restringia a recolher os índios em aldeamentos ou reservas oficiais. Dessa maneira, o órgão indigenista oficial se recusou a estender qualquer apoio legal e assistência às comunidades que insistiam em permanecer nos locais

onde sempre viveram, como é o caso da de Ñande Ru Marangatu. Pelo contrário, o SPI e a FUNAI procuraram deslocar essas comunidades para o interior das reservas, como atestam os registros desses intentos junto à comunidade em questão desde a década de 1970. Dito de forma conclusiva, a omissão do próprio Estado Brasileiro em defender os direitos das comuni- dades indígenas fez com que desencadeasse uma série de conflitos entre os Kaiowa de Marangatu e os não-índios que já estavam estabelecidos ou que estavam em vias de se estabeleceram na área. Se em fins da década de 1940 e meados da de 1950 o Estado Brasileiro tivesse reconhecido o direito dos índios à terra que ocupavam tradicionalmente, com certeza grande parte dos conflitos apontados teria sido evitada.

Registra-se ainda que durante os trabalhos periciais a FUNAI não enviou nenhum antropólogo de seus quadros para atuar como assistente técnico, contrariando o que havia oficializado nos Autos. Para os primei- ros dias da perícia o órgão enviou o servidor José Nairton Feitosa Batista, conhecido como “Ceará”, quem não é antropólogo, mas técnico agrícola, para acompanhar os trabalhos de campo, embora sem oficializar seu nome para o Juízo. Este fato foi interpretado por várias lideranças da comunidade indígena como mais uma omissão da FUNAI em não defender seus direitos.

Como explicado em respostas a outros quesitos da presente perícia, parte significativa da comunidade de Marangatu se recusou a deixar a terra de Marangatu e a se mudar para qualquer reserva. Por isso o problema per- sistiu até os dias de hoje, requerendo da Justiça o pronunciamento sobre uma demanda fundiária dessa natureza, cujo conflito já se estende por mais de meio século. Sorte diferente teve a população de uma série de outras comuni- dades Kaiowa, as quais acabaram cedendo às tentativas do SPI. Nos dias de hoje, por exemplo, tem-se como consequência dessa situação a existência de várias reservas superlotadas, como é o caso da de Dourados. As comunidades que atualmente não apresentam demandas fundiárias manifestam, pois, uma gama variada de problemas sociais que requerem do Estado grande empenho em projetos e recursos destinados às áreas de educação, saúde, saneamento etc. Os experts em questões indigenistas, por sua vez, dificilmente apontam soluções viáveis para a maioria dos problemas enfrentados nas atuais reser- vas. Grande parte dessas soluções é elaborada em gabinetes, sem se ouvir os maiores interessados, os indígenas, e por esta espécie de “pecado original” geralmente essas ações terminam no insucesso.

Os dados levantados durante a pesquisa de campo indicam que a de- terminação da comunidade de Marangatu em permanecer no local se deve a coesão dos laços societários das parentelas que compõem a comunidade, especialmente da família Vilhalba. Deve-se também ao fato de o local ser uma espécie de centro religioso tanto para a população dessa comunidade

como para uma série de comunidades que habitavam a região. Esse apego religioso ao local representou um elemento de forte motivação política e uma espécie de obrigação moral para com as divindades, como explicou um dos xamãs de Marangatu: “O morro Marangatu tem de ficar na nossa mão, senão como vamos manter o contato com as divindades que aí vivem?!”.

Ao atuar no deslocamento das populações indígenas para as reservas, o órgão indigenista oficial contribuiu para a formação da ideia de que “lugar de índio é na reserva”20. Esse consenso tácito estabeleceu o lugar dos índios

no cenário multiétnico regional, passando a predominar principalmente a partir da década de 1950, quando aumentou a pressão pela ocupação efetiva das terras por parte dos particulares que as requereram junto ao governo. Esse entendimento acabou prevalecendo entre diversos segmentos da so- ciedade regional, no sentido de construir a invisibilidade das comunidades Kaiowa que se encontravam fora das reservas. A dimensão coletiva da vida indígena era reconhecida na reserva. Fora dela era pensada como individu- alizada e transitória, como “índio de fazenda”, residindo provisoriamente em propriedade particular na condição de trabalhador, já que o direito ao uso da terra se restringia à reserva. Existem documentos do SPI relatando o deslocamento de comunidades inteiras das terras que tradicionalmente ocupavam sob uma única alegação, a de que a comunidade se encontrava fora da reserva e a terra já havia sido requerida e titulada por particular21.

Neste contexto, a atitude do Kaiowa Alziro Vilhalba, o falecido lí- der da comunidade, em se apresentar publicamente com uma velha farda do exército, e de ostentar a suposta patente de capitão, parece expressar um gesto dramático de reivindicação da visibilidade enquanto líder de uma comunidade que muitos insistiam em ignorar. A percepção das famílias Kaiowa de Marangatu como uma comunidade indígena era algo que não cabia dentro das categorias de entendimento da realidade social comparti- lhada pelos novos sujeitos sociais não-indígenas, com os quais os índios passaram a compartilhar o território.

Há a tentativa de construir certo consenso local em torno da inexistên- cia dos povos indígenas na região. Isto traz como consequência a negação da existência dessas comunidades enquanto sujeitos coletivos com vínculos históricos, sociais e cosmológicos com as terras que tradicionalmente ocu- pavam e, de certa forma, ainda seguem ocupando por meio de incursões clandestinas para caçar, coletar, pescar ou visitar parentes em Pysyry. A ade- 20 Os que vivem fora da reserva, em áreas que foram requeridas e compradas do Estado por particulares, estão em situação irregular e devem ser recolhidos aos espaços apropriados para sua existência, mesmo que aí já vivessem antes da chegada da frente de expansão agropecuária.

21 Este é o caso dos documentos levantados e analisados pela advogada e historiadora Rosely Aparecida Stefanes Pacheco, professora do Curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), em seu trabalho de mestrado (ver Stefanes Pacheco 2004).

são a esse consenso explica, no momento atual, a real surpresa que causa na população de Antônio João o repentino “aparecimento” da comunidade indígena de Ñande Ru Marangatu. Onde antes só se viam famílias dispersas, aparentemente diluídas entre os regionais pobres e dividindo com eles os postos de trabalho braçal, na condição de “índios de fazenda”, apareceram pessoas pintadas de urucum e carvão, portando instrumentos religiosos e afirmando de diversas formas sua contrastividade cultural. Para os regionais não-indígenas, a dificuldade de compreensão desses personagens exóticos aumentou quando os “novos” índios, além de se apresentarem como cultu- ralmente diferentes, reivindicaram o pertencimento a uma comunidade que tem como referência um espaço territorial que já é ocupado havia décadas por empresários do setor agropecuário. Pejorativamente denominados de “bugres”, o que no imaginário regional remete à condição de inferioridade

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