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CONTROLE DE LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

No documento Coleção Diplomata - Direito Interno (páginas 171-178)

6 ATIVIDADE ADMINISTRATIVA DO ESTADO

6.3. CONTROLE DE LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

No âmbito do Estado Democrático de Direito, a atividade administrativa está sujeita a amplo controle, que pode ser genericamente definido da seguinte forma:

“Pode-se conceituar controle administrativo como o conjunto de instrumentos que o ordenamento jurídico estabelece a fim de que a própria administração pública, os Poderes Judiciário e Legislativo, e ainda o povo, diretamente ou por meio de órgãos especializados, possam exercer o poder de fiscalização, orientação e revisão da atuação administrativa de todos os órgãos, entidades e agentes públicos, em todas as esferas de Poder”297.

Em se tratando de controle administrativo, não há um consenso ou sistematização idêntica entre os autores. Logo, destacam-se a seguir os aspectos mais consagrados da matéria que genericamente é denominada controle da Administração Pública; em que se enquadra o controle da legalidade do ato

administrativo.

A classificação do controle da Administração divide-se quanto: à origem – interno ou externo; ao momento do exercício do controle – prévio, concomitante ou subsequente (corretivo); ou quanto ao aspecto do ato administrativo controlado – legalidade ou de mérito.

A depender da origem, o controle da Administração divide-se em controle interno e controle externo. O controle interno ocorre dentro do mesmo Poder ou do mesmo órgão, no âmbito hierárquico, ou por intermédio de órgãos especializados ou ainda pelo controle da Administração Direta (Administrações da União, dos Estados, do DF ou dos Municípios e seus respectivos órgãos, como Ministérios ou Secretarias) sobre a Administração Indireta (autarquias, fundações ou entidades paraestatais, estas últimas representadas por empresas públicas ou sociedades de economia mista), neste último caso no âmbito do Poder Executivo.

A classificação em controle interno ou externo da Administração Pública do Executivo é bem explicitada na seguinte lição doutrinária:

“A Administração Pública, direta ou indireta, assujeita-se a controles internos e externos. Interno é o controle exercido por órgãos da própria Administração, isto é, integrantes do aparelho do Poder Executivo. Externo é o efetuado por órgãos alheios à Administração”298.

O art. 74 da Constituição Federal impõe que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário mantenham sistemas de controle interno299.

O art. 71 da Constituição Federal prevê o controle externo a cargo do Congresso Nacional com auxílio do Tribunal de Contas300.

No âmbito federal, destacam-se como exemplos de controle interno – por órgãos da própria Administração: o exercido pelos Ministros sobre os órgãos a ele subordinados e pela Controladoria Geral da União (CGU) sobre os órgãos da Administração Federal.

Como exemplos de controle externo – por órgãos alheios à Administração, ressaltam-se: o realizado pelo Tribunal de Contas da União, por intermédio de auditorias, sobre órgãos do Executivo e do Judiciário; o controle de legalidade de ato administrativo por decisão do Judiciário; a sustação pelo Congresso Nacional de ato administrativo do Executivo que exorbite o seu poder regulamentar (art. 49, V, da CF); e o julgamento anual pelo Congresso Nacional das contas prestadas pelo Presidente (art. 49, IX, da CF)301.

(corretivo).

O controle prévio ocorre antes da prática ou da conclusão do ato administrativo, enquanto requisito para a validade ou para a produção dos efeitos do ato controlado. Nesse sentido, por exemplo: aprovação prévia, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, da escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente; a aprovação prévia pelo Senado da escolha de determinados cargos cuja nomeação compete ao Presidente da República; bem como a autorização para que União, Estados, Distrito Federal ou Municípios contraiam empréstimos externos302.

O controle concomitante ocorre durante a realização do ato a fim de confirmar a sua regularidade, como na execução de contratos administrativos.

O controle posterior ocorre após a conclusão do ato, como, por exemplo: a homologação de concurso público; a sustação pelo Congresso Nacional de ato do Poder Executivo que exorbita o poder regulamentar; a decisão judicial ou o julgamento do Tribunal de Contas subsequentes à realização do ato. Na verificação que envolve o aspecto do ato administrativo a ser controlado, considerando a sua conformidade com o ordenamento jurídico, classifica-se o controle em de legalidade ou de mérito.

O controle de legalidade do ato administrativo envolve o confronto entre a conduta administrativa e uma norma jurídica vigente e eficaz, que poderá estar na Constituição, em lei, em outros atos normativos ou em ato impositivo de ação ou omissão303.

Destaca-se que nesse exame de legalidade, também chamado de controle de juridicidade, deve-se ir além da compatibilidade entre o ato administrativo e a norma positivada, pois devem ser conferidos aspectos de obrigatoriedade de observância ao ordenamento jurídico com um todo, especialmente, aos princípios supracitados, como o princípio da moralidade e da impessoalidade, como também ao que disposto em Súmulas Vinculantes do STF, como determinado no art. 103-A, § 3º, da Constituição304-

305.

Para melhor compreensão da distinção do controle de legalidade para o controle de mérito, a seguir tratado, deve-se compreender que, tradicionalmente, a doutrina administrativista brasileira atribui diferenciação de tipologia mediante uma classificação dos atos administrativos: ora vinculados, ora discricionários.

São atos vinculados os que possuem requisitos e condições de sua realização previstos em lei, enquanto são atos discricionários os que a Administração autorizada pela lei pode praticar com liberdade de escolha, mormente, quanto à sua conveniência e oportunidade, ou ainda quanto ao seu

conteúdo e modo de realização306.

Tradicionalmente, a doutrina considera como requisitos de validade ou elementos do ato administrativo os seguintes: agente competente (consoante atribuição legal para praticar o ato), objeto (assunto ou conteúdo do ato), forma (modo de realização do ato), motivo (pressuposto de fato e de direito para realização do ato) e finalidade (fim previsto na lei). Esse entendimento segue o que dispõe o art. 2º da Lei de Ação Popular n. 4.717/65, ao dispor que são nulos os atos lesivos ao patrimônio público nos casos de: incompetência, vício de forma, ilegalidade do objeto, inexistência de motivos e desvio de finalidade.

É dentro dessa tipologia de ato administrativo vinculado que se impõe o controle de legalidade ou de juridicidade, que avalia o ato administrativo e seus requisitos de validade perante o que dispõe a ordem jurídica com um todo, seja por intermédio de previsões legais e regulamentares, por normas- princípios ou por súmulas, todas de observância obrigatória.

O controle de legalidade do ato pode ser interno – pelos órgãos da mesma Administração, ou externo – por órgão de Poder diverso, daí, neste último caso, a afirmação de que esse controle pode ser exercido pelos três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Por exemplo, enquanto o Judiciário confere a legalidade de ato administrativo no âmbito de processos, como o Mandado de Segurança (art. 5º, LXIX, da CF)307, o Poder Legislativo, por meio do seu Tribunal de Contas, aprecia a legalidade dos atos de admissão de pessoal (art. 71, III, da CF, supracitado)308.

Como resultado do controle de legalidade do ato administrativo, elencam-se: a confirmação da validade, a anulação ou a convalidação do ato.

A confirmação da validade é em geral exercida por autoridade diversa do agente que pratica o ato, a exemplo dos casos de homologação, de visto ou de outro ato que indique certificação de que o ato ou procedimento sob controle está em conformidade com a ordem jurídica e sem qualquer defeito que macule a sua validade309.

Na anulação do ato administrativo constata-se um vício de legalidade insanável, que compromete a validade do ato, de modo que a anulação opera efeitos retroativos (ex tunc) à origem do ato, desfazendo as relações dele resultantes, contudo, respeitando-se os efeitos produzidos perante terceiros de boa- fé310.

Em geral, nos casos de vício de legalidade sanável, desde que não acarrete lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, opera-se a convalidação, pela qual a Administração mantém juridicamente o

ato administrativo. Dessa forma, o ato é corrigido com efeitos retroativos (ex tunc) e seus efeitos são regularizados desde a origem311. No âmbito da Administração Federal, possibilita-se essa conforme a previsão do art. 55, da Lei n. 9.784/99, que regula o processo administrativo federal. Contudo, em se tratando ato administrativo viciado que seja favorável ao administrado, qualquer que seja o vício – sanável ou não –, a Administração tem o prazo de 5 (cinco) anos para anulá-lo, após o que ocorrerá a convalidação obrigatória do ato por decurso de prazo, salvo se comprovada má-fé do beneficiário. Assim, apenas nesse caso especial, do art. 54 da Lei n. 9.784/99, o decurso do prazo sempre opera a convalidação em favor do beneficiário de boa-fé, e a Administração não mais poderá fazer o controle de legalidade do ato312.

Por outro lado, no controle de mérito do ato administrativo, verifica-se a conveniência e oportunidade administrativas, consoante atuação discricionária exercida sobre atos considerados igualmente discricionários.

No controle de mérito do ato administrativo, consideram-se aspectos da liberdade conferida pela ordem jurídica ao agente administrativo para a realização do ato administrativo discricionário. Nessa atuação discricionária, admite-se o poder de escolha do agente entre diversas soluções no caso concreto, desde que todas sejam válidas para a ordem jurídica.

É esse juízo de conveniência e oportunidade que define a noção de mérito administrativo, de modo que a Lei autoriza que o agente avalie a conduta adequada ao interesse público e, caso posteriormente não entenda conveniente e oportuno o ato discricionário, possa operar a sua revogação.

Interessante notar que, na prática, ato algum pode ser inteiramente considerado como ato discricionário, pois o administrador não possui total liberdade313. “Há é o exercício de juízo discricionário quanto à ocorrência ou não de certas situações que justificam ou não certos comportamentos e opções discricionárias quanto ao comportamento mais indicado”314, tudo isso para cumprir o interesse público em cada caso concreto, sem prescindir dos limites que a lei faculta à emissão dos referidos juízo e opção315.

Na abordagem atual do Direito Administrativo, a discricionariedade deve ser entendida como um espaço de autonomia para melhor decidir, que se afasta do poder arbitrário e se define por elementos relacionados ao modo de disciplinar a atividade administrativa, a fim de atender ao sistema jurídico vigente, modo esse que concede certa liberdade para que o administrador possa apreciar e avaliar o caso concreto na busca de sua melhor solução, juridicamente válida316.

A depender do modo de disciplina normativa, qualquer ideia envolvendo avaliação de atividades discricionárias – controle de mérito, ou de atividades vinculadas – controle de legalidade, para ser bem compreendida, deve considerar na análise do caso qual a autonomia indicada nas normas aplicáveis à atividade para determinar a amplitude dessa margem de liberdade que o administrador poderá exercitar na sua função administrativa, uma vez que não existem tipos puros (com absoluta vinculação ou discricionariedade), trata-se, na verdade, de questão de grau, que varia em cada norma e em cada caso317.

Também cabe mencionar que no Brasil, diante da supracitada abordagem do ato administrativo, sob fracionamento de elementos ou requisitos – competência, forma, objeto, motivo e finalidade, a doutrina elaborou uma relação destes com a discricionariedade administrativa, no seguinte sentido: o motivo (causa) do ato – pressupostos fáticos ou jurídicos que determinam a sua realização –, quando expresso, na lei é ato vinculado, ou se está a critério do administrador quanto à sua existência ou valoração, é ato discricionário; o objeto (conteúdo) do ato – é o que este dispõe, enuncia ou estatui (efeitos jurídico imediatos) –, quando previsto na lei como único e voltado para um fim, consiste em ato vinculado, ou quando a lei permitir vários objetos para um mesmo fim, tem-se caso de ato discricionário318. Quanto à finalidade, adotou-se a teoria do desvio de poder, de influência francesa, segundo a qual atos estranhos ao interesse público ou para fins diversos dos estabelecidos na lei devem ser anulados319.

Como resultado do controle de mérito efetuado pela Administração, tem-se a revogação do ato discricionário por ela editado. E, como nesse caso se retira do mundo jurídico um ato válido, legítimo e sem vícios, mas que se considera ter sido ou se tornado inconveniente ou inoportuno, a revogação do ato discricionário somente produz efeitos prospectivos (ex nunc)320.

Em regra, somente a Administração pode revogar atos administrativos sob justificativa de que são inconvenientes ou inoportunos, o que não afasta a possibilidade de outros poderes (Judiciário e Legislativo), quando do exercício de atividades administrativas, realizarem o controle de mérito, revogando os seus próprios atos.

O que está vedado é o Poder Judiciário exercer o controle de mérito de ato administrativo praticado por outro Poder, isto é, não cabe ao Judiciário considerar inconveniente ou inoportuno os aspectos discricionários de ato administrativo do Executivo ou do Legislativo.

Contudo, essa vedação não se confunde com a possibilidade de o Judiciário exercer o controle de legalidade sobre os limites da válida atuação discricionária no exercício da atividade administrativa.

Assim, admite-se que, com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o Poder Judiciário pode decidir que um ato que a Administração indicava como legítimo e editado no uso do poder discricionário foi praticado com abuso de poder e além dos limites de atuação discricionária dados pela lei no caso concreto.

Em outras palavras, prevalece o entendimento de que o Poder Judiciário não pode revogar o ato administrativo discricionário por entendê-lo inconveniente ou inoportuno, nem controlar o mérito da decisão do administrador (juízo de conveniência e oportunidade), sob pena de o Judiciário substituir o juízo de mérito do administrador e ferir o Princípio da Separação dos Poderes. Contudo, admite-se que “o Judiciário pode decidir que a atuação discricionária que a administração alega ter sido legítima foi, na verdade, uma atuação fora da esfera legal de discricionariedade, foi uma atuação simplesmente ilegal ou ilegítima”321. Nesse sentido, é possível sintetizar a matéria da seguinte forma:

A regra é que somente a Administração pode realizar controle de mérito dos atos administrativos, revogando aqueles que considerar convenientes e oportunos. Por isso será possível que o Judiciário, o Legislativo e o Executivo, quando estiverem no exercício da função administrativa, realizem controle de mérito, revogando seus próprios atos. [...]

Prevalece o entendimento de que não é possível o controle judicial externo do mérito da atividade discricionária exercida pelo administrador. Ou seja: não é possível a sindicabilidade judicial do mérito dos atos administrativos, nem mesmo que o Judiciário revogue atos expedidos pelo Executivo, por considerá-los inconvenientes ou inoportunos. A justificativa é a de que, se fosse permitido ao Judiciário analisar o juízo de conveniência e oportunidade exercido pelo administrador, haveria a substituição deste último por aquele, o que acarretaria violação ao princípio da separação dos Poderes. Diversos julgados dos tribunais superiores refletem esse posicionamento [...]322.

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No documento Coleção Diplomata - Direito Interno (páginas 171-178)