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DA HIERARQUIA DAS NORMAS JURÍDICAS BRASILEIRAS

No documento Coleção Diplomata - Direito Interno (páginas 31-37)

O sistema jurídico brasileiro desenvolvido pelo tempo com a evolução do Estado de Direito nacional compreende uma variada rede de normas que, por sua vez, estão distribuídas de forma escalonada, obedecendo a uma hierarquia determinada pela Constituição da República Federativa do Brasil.

O conjunto normativo que compõe o ordenamento jurídico brasileiro pode ser um objeto de interpretação dos costumes, valores, cultura e moral de nosso povo. Tem-se que o direito, visto como norma, oferece um retrato das características de uma população visto em tempo e espaço específicos.

Eis abaixo uma relação detalhada das normas internas colocadas à população brasileira, sob sua expressa autorização e mediante um poder democraticamente estabelecido, conforme art. 59 da Constituição Federal:

• Constituição Federal: norma máxima da estrutura normativa. Nenhuma outra está acima dela. Diz-se que acima da Constituição existe somente o poder democrático popular da nação, único capaz de alterá-la, ou até mesmo de revogá-la. Os comandos determinantes e os princípios estabelecidos na Constituição devem ser seguidos por todas as demais normas brasileiras, que por sua vez estão em um patamar hierarquicamente inferior.

• Emendas Constitucionais: são as alterações realizadas no corpo da Constituição. Seu poder de alteração é extremamente limitado, e deve seguir um protocolo legislativo solene e diferenciado. Diz-se por conta disto que a Constituição brasileira é rígida, tendo procedimentos bastante exigentes para que se proceda a sua alteração, inclusive proibindo totalmente que algumas de suas partes sejam modificadas (cláusulas pétreas)27.

• Leis Complementares: são leis criadas para tratar de assuntos específicos, determinados pela própria Constituição. Nesse tipo de lei não pode, por exemplo, ter o parlamentar uma ideia de matéria, e então criá-la. É necessário sim que a Constituição traga de forma expressa em seu texto a necessidade de elaboração de uma lei complementar sobre aquele determinado assunto28.

• Leis Ordinárias Federais: são as leis ditas “normais” ou tradicionais, aprovadas pelo Congresso Nacional. Possuem um caráter mais genérico e abstrato, tratando das mais diversas matérias propostas por qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, Presidente da República, Supremo Tribunal Federal, Tribunais Superiores, Procurador-Geral da República e pelos próprios cidadãos (art. 61 da CF/88). Não têm em sua natureza a exigência de que o assunto tenha sido para elas designado de forma específica pela Constituição, em que pese tenha que seguir seus princípios.

• Medidas Provisórias29: são atos normativos editados pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência. Têm força de lei, fato que as colocam no mesmo patamar hierárquico. Entram em vigor de forma imediata e perdem a validade e a eficácia caso não sejam votadas pelo Congresso Nacional no prazo de sessenta dias, prorrogáveis por igual período. As Medidas Provisórias diferenciam-se das leis ordinárias em face de seu caráter de urgência, enquanto aquelas entram em vigor e somente depois são analisadas pelo Poder Legislativo, estas, por sua vez, são aprovadas pelo Legislativo e depois entram em vigor.

• Leis Delegadas: também são editadas pelo Presidente da República, mas dependem de que o Chefe do Executivo Federal realize um pedido de autorização e limitação ao Congresso Nacional, antes de

sua expedição. Tipo normativo que caiu em desuso no Brasil, onde é mais comum a utilização de Medidas Provisórias, por serem menos burocráticas. A última Lei Delegada editada no Brasil data do ano de 1992.

• Decretos Legislativos: são atos normativos privativos do Poder Legislativo. Possuem a função de responder a atos do Congresso Nacional. Como exemplos o próprio Senado indica que podem “ratificar atos internacionais, sustar atos normativos do presidente da República, julgar anualmente as contas prestadas pelo chefe do governo, autorizar o presidente da República e o vice-presidente a se ausentarem do País por mais de 15 dias, apreciar a concessão de emissoras de rádio e televisão, autorizar em terras indígenas a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de recursos minerais”30.

• Resoluções: possuem como fim principal estabelecer regras de caráter procedimental interno nos entes estatais e nos órgãos e instituições públicas. Visam detalhar o funcionamento, as regras para compras, os Regimentos Internos, dentre outros. Em muitas situações esclarecem dúvidas, ou põem fim a interpretações dúbias contidas em outras normas.

Além dessas, a Constituição Federal, de maneira mais esparsa, indica outras unidades normativas específicas, e as inclui de forma definitiva no ordenamento jurídico, conforme se destaca abaixo:

• Tratados Internacionais: são os acordos internacionais firmados formalmente pelo Estado brasileiro com outras nações, na qualidade de pessoas jurídicas de Direito Internacional Público. O objetivo desses tratados é fazer com que as questões e os conceitos internacionalmente debatidos e acordados sejam encaminhados à validação e à aplicação no âmbito do direito interno de cada país. É um ato de competência privativa do Presidente da República e está sujeito a análise e referendo do Congresso Nacional (CF, art. 84, VIII, e art. 49, I).

• Constituições e Leis Estaduais: a Constituição Federal prevê, em seu art. 25, que os Estados Federados devem organizar-se e reger-se por suas próprias Constituições e leis. Destaque-se que, no ato de construção dessas normas, devem os Estados primar de forma rigorosa pelo cumprimento irrestrito das diretrizes da Constituição Federal, tomando-a sempre como referência, e zelando pelo princípio Federalista. • Lei Orgânica do Município e Leis Municipais: assim como ocorre com os Estados, a Constituição Federal prevê, nos arts. 29 e 30, algumas regras para a criação de normas municipais, com o fim de regrar assuntos de interesse local. Deve a norma, neste caso, obedecer à hierarquia do que já consta nas Leis Federais e Estaduais.

• Decretos e Regulamentos do Executivo: prevê o art. 84, IV, da Constituição Federal, que o Presidente da República pode expedir Decretos e Regulamentos que servirão de base para a fiel

execução das leis. Assim, pode o Chefe do Executivo estabelecer procedimentos complementares que sirvam de base para que as leis de fato se tornem eficazes, sendo que de forma alguma poderá extrapolar os limites da própria lei cujo cumprimento se pretende efetivar (em face da própria hierarquia entre elas).

As normas jurídicas brasileiras, em alguns momentos, permitem a existência ou determinam a criação de outras normas que também passam a fazer parte do arcabouço jurídico-normativo, do qual também podemos extrair conceitos e regras de condutas plenamente válidas e eficazes. Fazem isso quando reconhecem, por exemplo, os contratos particulares como meio de regrar uma relação entre duas pessoas (físicas ou jurídicas), quando atestam a validade da sentença proferida pelo Poder Judiciário como fonte de coercibilidade quanto ao comportamento dos indivíduos e da sociedade, ou quando reconhecem os atos administrativos (Portarias ou Resoluções) como regra de direito interno para os órgãos e as instituições públicas.

Diante dessas espécies normativas, podemos observar que, de acordo com sua hierarquia, as normas seguem o caminho de tratar dos assuntos mais amplos e principiológicos (Constituição), até chegar a regras mais específicas e procedimentais (Resoluções e Leis Municipais), sem que, no entanto, percam conexão entre elas.

A norma constitucional e suas emendas são colocadas em condição de supremacia em relação a todas as demais normas (infraconstitucionais) que, por sua vez, são oriundas da própria lei suprema. Nos casos em que alguma norma fere algum preceito constitucional, estamos diante de um vício de inconstitucionalidade (formal ou material), podendo a norma ser total ou parcialmente retirada do ordenamento, por meios legais previstos.

As Leis Complementares, Ordinárias, Delegadas e as Medidas Provisórias encontram-se em um mesmo patamar de hierarquia. Diferem entre si somente quanto ao assunto tratado, à forma de aprovação e ao nível de abrangência de suas proposições.

Quanto à hierarquia entre as Leis Federais, Estaduais e Municipais, temos duas possibilidades. Quando há uma repartição de matérias entre os entes da Federação (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), e cada um legisla sobre o assunto de sua própria competência, temos que essas leis se encontram na mesma escala hierárquica (horizontal). Já nos casos em que a um dos entes caiba legislar sobre as normas gerais, e a outro caiba somente suplementá-las, estamos diante de uma hierarquia vertical, ou seja, a norma que está abaixo deverá seguir os indicativos da norma que está em condição

superior hierarquicamente.

Importante ainda dar destaque ao debate doutrinário que durante muitos anos existiu a respeito da posição ocupada pelos Tratados Internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. Alguns doutrinadores defendiam que havia equiparação à norma constitucional, e outros aferiam um patamar infraconstitucional. No entendimento atual, o tratado, depois de formalmente incorporado à ordem legal interna, figura em pé de igualdade com as Leis Ordinárias. Exceção se aplica aos Tratados Internacionais sobre direitos humanos que, aprovados pelo Congresso Nacional com o quórum estabelecido no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, são equivalentes às Emendas Constitucionais31.

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CONSTITUIÇÃO:

CONCEITO, CLASSIFICAÇÕES, PRIMADO DA

CONSTITUIÇÃO, CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DOS

ATOS NORMATIVOS

Fabíola Souza Araújo

2.1. CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO

Em termos jurídicos, embora não haja unanimidade doutrinária, a Constituição pode ser definida como a norma fundamental de todo Estado, também chamada de Lei Maior, Lei Fundamental, Carta Magna ou Carta Constitucional32.

Nas lições de José Afonso da Silva, a Lei Maior consiste em “um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias”33.

Trata-se, portanto, de normas que regulam a organização jurídica fundamental, que compreende, segundo Kelsen, o conjunto de normas positivas que regem a produção do direito34. Silva adverte, entretanto, que essa concepção traz apenas parte do conceito de Constituição, pois se apresenta desvinculada da realidade35.

Apesar de pecarem pela sua unilateralidade, a doutrina traz quatro acepções para o termo Constituição, que podem ser apresentadas da seguinte forma:

1. Em sentido sociológico, na conhecida lição de Ferdinand Lassale, a Constituição deve reunir os fatores reais de poder numa dada sociedade, caso contrário, seria ilegítima e representaria uma simples “folha de papel”.

2. Em sentido político, segundo Carl Shmidt, a Constituição consiste na decisão política fundamental, que versa sobre o modo e a forma da existência da unidade política, sendo os demais dispositivos

contidos no documento as leis constitucionais. Faz-se, dessa forma, uma distinção entre Constituição e leis constitucionais.

3. Em sentido jurídico, conforme Hans Kelsen, a Constituição seria a norma pura, ou seja, a norma hipotética fundamental ou a norma positiva suprema, sendo a primeira a norma suposta presente no plano lógico-jurídico, fundamento de validade da segunda, que equivale à norma suprema do Estado.

4. Em sentido culturalista, na linha de Meirelles Teixeira, a Constituição mostra-se como produto de um fato cultural, apresentando um conceito unitário, que abrange aspectos econômicos, sociológicos, jurídicos e filosóficos36.

No documento Coleção Diplomata - Direito Interno (páginas 31-37)