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4.2 M OTIVAÇÕES NO PLANO DO LÉXICO CONCEITUAL

4.2.2.1 O controle do tipo do verbo

A correlação entre o tipo semântico do verbo e a ocorrência de formas verbais tem mostrado resultados interessantes na análise de fenômenos de expressão variá- vel. Na oposição entre pretérito perfeito e IMP, Campos et al. (1993, p. 60-61) consta- tam que a recorrência de IMP está associada a um tipo semântico de verbo específico.

Os autores propõem uma classificação sintático-semântica, inspirada na semân- tica de casos, que relaciona o valor semântico dos verbos com seus argumentos:

(i) Ação. Verbo com o traço semântico de atividade relacionado a um argu-

mento com o papel de agente: Viajei a São Paulo; A moça falou palavras

de amor; O rapaz bebeu a cerveja.

(ii) Processo. Acontecimento/evento com um argumento afetado: O gato

morreu; A onça cheirava a alho.

(iii) Ação/processo. Além do traço de atividade, tem um argumento afetado:

Já tricotei o pulôver; A empregada feriu o gato.

(iv) Estado. Expressa condição ou estado, acompanhado por um argumento

inativo, que não é agente, nem paciente, nem causativo, ou por um experi- enciador. Fábio tem três filhos; A viúva permanece triste; Maria gosta de

Pedro.

O gráfico 2 apresenta a distribuição dos dados em função da classificação dos ti- pos semânticos dos verbos.

Gráfico 2: Distribuição de IMP quanto ao tipo sintático-semântico de verbo (Campos et al., 1993, p.62) 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

ação/processo processo ação estado

Tipo semântico-sintático de verbo

Com relação aos tipos de verbos, os resultados de Campos et al. (1993) apontam que a recorrência de IMP está associada a verbos estativos. Das 171 ocorrências de IMP, 66% são de verbos de estado, em contraponto aos 34% dos demais tipos de ver- bo (ação, ação/processo e processo). Na classificação proposta por Campos et al.para o tipo de verbo, o rótulo ‘estado’ recobre uma gama distinta de tipos, como verbos de

posse e verbos existenciais. Estudos, como o de Tavares (2003), mostram relação en- tre o tipo semântico(-pragmático)17 do verbo e gramaticalização de conectores retroa-

tivo-propulsores. Tavares controlou o tipo semântico do verbo com base na proposta de Schlesinger (1995). 18 Schlesinger propõe 11 classes para o tipo de verbo:

(i) Atividade específica (escrever, fatiar);

(ii) Atividade difusa (trabalhar, aprender);

(iii) Evento momentâneo (pular, bater);

(iv) Evento transitório intencional (chegar, parar);

(v) Evento transitório não-intencional (perder, morrer);

(vi) Processo (amadurecer, crescer);

(vii) Instância (sentar, deitar);

(viii) Estímulo mental (impressionar, agradecer, surpreender);

(ix) Experiência mental (pensar, ouvir);

(x) Relacional (depender, necessitar);

(xi) Sensação corporal (sentir, ferir).

A categorização de Schlesinger (1995) é constituída em função do grau de ativi- dade envolvida na situação, do maior ao menor. Tavares (2003) correlacionou a cate- gorização de Schlesinger (op. cit.) às nuanças de atividade genérica, concreta e abs-

trata/difusa: quanto mais atividade envolvida, mais nuança concreta; à medida que a

atividade decresce, mais nuança abstrata/complexa; a ausência de atividade (verbos estativos e existenciais) está relacionada à nuança genérica.19

A classificação do tipo de verbo costuma ser adaptada para o tipo de fenômeno sob análise. Para a expressão do passado imperfectivo, a classificação do tipo semân-

17 Coan (1997, 2003) e Tavares (2003) utilizam a denominação tipo semântico-pragmático de verbo. Scheibman (2000) denomina apenas tipo de verbo, sem caracterizar a classificação como semânti- ca, pragmática ou semântico-pragmática. Schlesinger (1995) também não se compromete quanto à terminologia.

18 A classificação de Schlesinger é adaptada da proposta de Quirk et al., (1972, apud Schlesinger, 1995, p. 181). A categorização dos tipos de verbo de Quirk et al. é definida a partir do grau de atividade re- lacionado ao verbo: atividade (escrever, trabalhar), momentâneo (pular, bater), evento transitó- rio (chegar, morrer), processo (crescer, amadurecer), percepção inerte e cognição (impressionar, agradecer, pensar), relacional (depender, necessitar) e sensação corporal (sentir, ferir). Schlesin- ger (1995, p. 182-83) subdivide algumas categorias de Quirk et al., (1972, apud Schlesinger, 1995), como atividade (atividades específicas e atividades difusas), eventos transitórios (eventos transi- tórios intencionais e eventos transitórios não-intencionais), percepção inerte e cognição (estímulo mental e experimentação mental), e cria uma nova categoria, a de instância.

19 Tavares (2003, p. 233-35) estabelece mais duas subdivisões à classificação de Schlesinger (1995): distingue, dos verbos de atividade específica, os verbos dicendi; distingue também, dos verbos de experimentação mental, os verbos de atenuação, como achar e pensar, que envolveriam grau de a- tividade ainda menor do que os verbos de experimentação mental; e adiciona duas novas categori- as, existência e estado, desprovidas de traços de atividade. Assim como Schlesinger (op. cit.), Tava- res (2003) não considerou em sua categorização os modais (dever, poder) e os auxiliares (estar, ser); em construções, o verbo principal foi controlado, por exemplo, a construção posso dizer foi considerada como dicendi, estava cantando, como atividade específica, etc.

tico-cognitivo do verbo proposta considera o contínuo concreto > abstrato/difuso >

genérico de Tavares (op. cit.), porém correlacionado ao dinamismo das situações: [+ dinâmico] > [- dinâmico]. A distribuição das categorias no contínuo do dinamismo é

escalar e crescente, do mais ao menos dinâmico, mas a distribuição não discreta; ou seja, verbos momentâneos necessariamente não têm mais dinamismo do que verbos específicos, mas necessariamente verbos específicos têm mais dinamismo do que ver- bos existenciais.

O tipo semântico-cognitivo do verbo se sobrepõe ao controle pelos traços aspec- tuais de Bertinetto (2001) ou pelas classes de Vendler (1967), o que causa interação no modelo estatístico. Porém, a distribuição das freqüências do tipo semântico- cognitivo do verbo é um fator explanatório adicional para evidenciar a importância do traço [dinamismo] na variação entre IMP e PPROG na expressão do passado im- perfectivo.

Quadro 18: Tipo semântico-cognitivo do verbo

Momentâneo Atividade repentina, instantânea

Saltar, chutar, bater, derrubar, quebrar (intencional)

Específico Evoca uma imagem específica

Escrever, beber, desenhar, correr

Difuso Não evoca uma atividade específica

Trabalhar, aprender, estudar

Instância Posição corporal estática

Deitar, sentar, reclinar

Estímulo mental Sujeito da oração é o estímulo da experiência mental de outrem

Impressionar, agradar, surpreender, assustar, espantar, lembrar (x lembrou y)

Transição/processo Mudança de estado determinada pelo sujeito da oração

Chegar, partir, parar

Verbal Dicendi (introduz o discurso)

Dizer, falar, perguntar, responder

Manipulativo Sujeito da ação manipula paciente

Mandar, fazer com que

Volicional Sujeito da oração expressa emoção ou desejo

Querer, desejar, sentir

Experimentação men-

tal Sujeito da oração é o “experienciador mental”

Lembrar-se (x lembrou(-se) de telefonar), entender, pensar

Relacional Expressa relações estabelecidas no processo humano de percepção da

realidade: identidade, analogia, comparação

Depender de, merecer, precisar, servir como, assemelhar-se, parecer, ser, ser como, tornar-se

Existência

O quadro 18 apresenta a classificação adotada para o tipo semântico-cognitivo do verbo na expressão do passado imperfectivo. Como em Tavares (2003, p. 232), foram consideradas as entradas lexicais dos verbos; caso um verbo seja polissêmico, tem suas entradas consideradas independentemente (como ter posse e ter existenci- al).

4.2.2.2

Tipo do verbo e dinamismo na expressão do passado imper-