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Coletados e codificados, os dados foram submetidos à análise estatística. Como a variação na expressão do passado imperfectivo tem duas variantes discretas (não- contínuas), o modelo estatístico adotado foi a regressão logística, mais especificamen- te, a regressão logística com o cálculo de desvio da média ponderada que é realizada pelo programa GoldVarb X (Sankoff, Tagliamonte e Smith, 2005).4 A regressão logís-

tica é um modelo utilizado para investigar, dentro de um conjunto de possíveis variá- veis independentes contínuas ou discretas, quais estão associadas à ocorrência da variável dependente discreta.

Os resultados são calculados em função de um valor de aplicação (ou sucesso, em Estatística). Nos níveis gramaticais mais altos, os conceitos sociolingüísticos de estigma e prestígio nem sempre são aplicáveis. Para definir um valor de aplicação (aplicação da regra) nesses níveis de análise, costuma-se evocar o critério do princí- pio da marcação (Givón, 1995, 2001), que considera a freqüência e a complexidade das estruturas, e diferenças quanto à marcação poderiam restringir ou favorecer o uso das formas lingüísticas em determinados contextos, lingüísticos e sociais.5 No

caso da expressão do passado imperfectivo, PPROG tende a ser a forma mais marca- da por conta da sua complexidade estrutural em relação ao IMP (forma perifrástica, em comparação à forma simples, o que demandaria maior complexidade de proces- samento), e também por conta da sua freqüência (IMP é mais recorrente, dada a di- versidade de funções que pode desempenhar). Considerando o princípio da marca- ção, IMP seria a forma mais indicada como valor de aplicação da regra. Para consoli- dar efetivamente a escolha, pode-se considerar o fato de que IMP é uma forma gra- maticalizada na língua, enquanto PPROG está em processo de gramaticalização (Mendes, 1999, Wachowicz, 2005).

Há ainda mais uma justificativa para a escolha de IMP como aplicação da regra: a caça às bruxas do gerundismo. Em um teste de atitude aplicado em 38 estudantes de graduação (já mencionado na última nota da seção 2.3.3), no qual era proposta a escolha entre uma forma simples e uma forma perifrástica de gerúndio, alguns alunos perguntaram se era alguma “pegadinha”, e houve um aluno que preencheu todas as lacunas com a forma simples, mesmo nos casos em que a frase ficava estranha.A a- versão à forma IRpresente + estar + Vndo parece estar se transformando em uma

4 Parece haver um mito difundido na literatura sociolingüística de que só o Varbrul (GoldVarb 2.0, GoldVarb 2001 e GoldVarb X são versões) é capaz de analisar adequadamente os dados de pesqui- sas variacionistas. Entretanto, o modelo utilizado pelo programa é adotado em outras áreas do co- nhecimento, e pode ser encontrado em vários pacotes estatísticos, como o SPSS e o R. Apesar da especificidade do método do Varbrul – desvio da média ponderada – não ser o método usual dos modelos de regressão logística (que adotam o método do fator de referência), não há alterações significativas nos resultados (Oliveira, 2006). Outros pacotes ainda dispõem de outros testes de significância entre os fatores. Apesar disso, ainda opto pelo Varbrul, que é um software gratuito. 5 Sobre a relação entre o princípio da marcação no plano lingüístico e sua interação com o papel social

aversão ao gerúndio. E, neste contexto, PPROG poderia ser considerada uma forma socialmente marcada.

A distribuição dos dados, em três modelos rodados pela análise binomial up and

down, com IMP como valor de aplicação, é explicitada a seguir (a ordem de apresen-

tação dos fatores corresponde à ordem de seleção estatística):

ƒ O primeiro modelo, na tabela 1, considerou todos os dados recobertos pelo ró- tulo de passado imperfectivo (ou seja, progressivo, continuativo, iterativo e os casos ambíguos) computando 882 ocorrências, das quais 546 de IMP e 336 de PPROG.

ƒ O segundo modelo, na tabela 2, considerou apenas os dados referentes ao as- pecto imperfectivo durativo, computando 616 ocorrências, das quais 384 de IMP e 232 de PPROG, detalhado na tabela 2.

ƒ E o terceiro modelo, na tabela 3, considerou apenas os dados referentes ao as- pecto durativo e que formavam pares mínimos, computando 495 ocorrências, das quais 322 de IMP e 173 de PPROG.

O contexto de pares mínimos é proposto por Menon (2006, p. 136) na análise da indeterminação do sujeito, mas pode ser expandido para todos os fenômenos de variação nos níveis gramaticais mais altos. Par mínimo é o contexto idêntico em que duas ou mais formas podem ocorrer, ou seja, contextos em que as formas têm o mesmo significado referencial. Contexto idêntico, para a autora, refere-se ao mesmo item lexical, como em (1) e (2).

(1)

a. em geral, a gente embala em isopor.

b. então você embala no isopor. (Menon, 2006, p.137) exemplo (11) (146)

a. 0 não pensávamos em rapazes.

b. Não se pensava em rapazes. (op. cit., loc. cit.) exemplo (14) (159)

Para a variação na expressão do passado imperfectivo, foram considerados pa- res mínimos os verbos que receberam as formas de IMP e de PPROG, e que codificam o mesmo valor aspectual, o de duratividade. Foram computados 66 itens lexicais que formam pares mínimos, ou seja, contextos em que os mesmos verbos recebem tanto a forma de IMP como de PPROG, como em (3) a (8).

(2)

Na época que eu mais precisei dele, que eu mais precisava de um apoio, foi quando a minha mãe morreu. (SC FLP FAP 03)

(3)

Aí também foi na época que a gente voltou, a gente estava precisando economizar pra começar nossa vida. (SC FLP FAP 01)

(4)

Eu cuidei muito disso, porque eu sabia que ele é muito do tipo machão, que ele ia se importar muito pelo meu futuro. (SC FLP FAC 20)

(5)

Aí voltamos para o hospital, quer dizer, uma não estava sabendo da outra, que a outra estava doente, né? (SC FLP FAP 03)

(6)

Eu trabalhava lá há oito meses. Fez um mês que eu saí. E agora está ruim de serviço, né? (SC FLP FJP 03)

(7)

Por exemplo, se é um dia que estão pegando peixe, a época da tainha, vão aquelas cri- anças tudo já pra praia. Então eles acham que a gente tem que dar freqüência pra cri- ança, porque a criança estava trabalhando. (SC FLP MAG 12)

Os resultados quantitativos são retomados nos capítulos 4 e 5, a seguir, com a seguinte sistemática: os resultados das três tabelas são discutidos simultaneamente para elucidar as motivações semântico-cognitivas (que se respaldam nos fatores lin- güísticos apresentados na seção 3.2.2) e as motivações sociais (fatores sociais, apre- sentados em 3.2.1). Para alguns grupos de fatores, como o aspecto inerente, por e- xemplo, foram realizadas análises complementares one-level e novas análises com amalgamação de fatores para melhorar elucidar relações associativas entre os grupos de fatores e a ocorrência do fenômeno.

Tabela 1: Modelo de regressão contendo todas as variáveis independentes selecionadas por up and down para a variante IMP com todos os dados de análise

Peso Relativo % Apl./total

Extensão da situação instantânea 0,38 48,0 167/348 curta 0,44 57,9 81/140 média 0,57 71,3 207/286 longa 0,71 82,4 89/108 Dinamismo + 0,40 52,8 297/563 - 0,66 78,1 249/319 Aspecto Progressivo 0,17 20,0 12/60 Durativo 0,49 62,3 384/616 Iterativo 0,76 84,3 59/70 Ambíguo 0,57 66,9 91/136 Polaridade Positiva 0,46 57,8 435/752 Negativa 0,72 85,4 111/130 Tipo de referência

IMP em oração coordenada 0,59 74,0 135/169

PP em oração coordenada 0,51 63,8 67/105

IMP em oração subordinada 0,49 64,2 43/67

PP em oração subordinada 0,22 33,8 27/80 Oração temporal 0,63 72,0 36/50 Adjunto adverbial 0,40 50,4 61/121 Referência discursiva 0,55 64,5 187/290 Faixa etária 15 a 21 anos 0,34 42,7 91/213 25 a 49 anos 0,57 70,1 356/508 Mais de 50 anos 0,48 61,5 99/161 Escolaridade 4 a 5 anos 0,50 63,1 234/371 8 a 9 anos 0,59 64,3 189/294 10 a 11 anos 0,37 56,7 123/217 Total 61,9 546/882

Tabela 2: Modelo de regressão contendo todas as variáveis independentes selecionadas por up and down para a variante IMP com dados de aspecto imperfectivo durativo

Peso Relativo % Apl./total

Extensão da situação instantânea 0,33 44,1 109/247 curta 0,42 62,2 56/90 média 0,60 74,0 142/192 longa 0,80 88,5 77/87 Dinamismo + 0,38 48,1 155/322 - 0,64 77,9 229/294 Polaridade Positiva 0,45 57,3 293/511 Negativa 0,74 86,7 91/105 Tipo de referência

IMP em oração coordenada 0,61 76,3 74/97

PP em oração coordenada 0,52 62,5 50/80

IMP em oração subordinada 0,57 70,8 34/48

PP em oração subordinada 0,25 40,3 25/63 Oração temporal 0,55 66,7 22/33 Adjunto adverbial 0,41 52,9 46/87 Referência discursiva 0,54 63,6 133/209 Escolaridade 4 a 5 anos 0,50 64,5 156/242 8 a 9 anos 0,61 63,1 130/206 10 a 11 anos 0,37 58,3 98/168 Faixa etária 15 a 21 anos 0,36 42,6 75/176 25 a 49 anos 0,57 72,1 248/344 Mais de 50 anos 0,50 63,5 61/96 total 63,2 384/616

Tabela 3: Modelo de regressão contendo todas as variáveis independentes selecionadas por up and down para a variante IMP com dados de aspecto imperfectivo durativo for- mando pares mínimos (495 tokens distribuídos entre 66 types)

Peso Relativo % Apl./total

Extensão da situação instantânea 0,32 46,3 88/190 curta 0,42 62,9 44/70 média 0,61 77,5 124/160 longa 0,78 88,0 66/75 Dinamismo + 0,41 52,1 136/261 - 0,60 79,5 186/234 Polaridade Positiva 0,44 60,5 244/405 Negativa 0,74 86,7 78/90 Tipo de referência

IMP em oração coordenada 0,63 79,7 63/79

PP em oração coordenada 0,54 65,1 41/63

IMP em oração subordinada 0,53 67,6 25/37

PP em oração subordinada 0,22 41,3 19/46 Oração temporal 0,61 78,3 18/23 Adjunto adverbial 0,39 56,2 41/73 Referência discursiva 0,53 66,1 115/174 Escolaridade 4 a 5 anos 0,48 65,5 131/200 8 a 9 anos 0,62 66,7 112/168 10 a 11 anos 0,37 62,2 79/127 Faixa etária 15 a 21 anos 0,38 46,8 65/139 25 a 49 anos 0,55 72,5 206/284 Mais de 50 anos 0,54 70,8 51/72 Homogeneidade + 0,52 68,6 295/430 - 0,35 41,5 27/65 total 65,1 322/495

4 M

OTIVAÇÕES SEMÂNTICO

-

COGNITIVAS

Os resultados estatísticos apresentados na seção 3.3 apontam que os fatores lin- güísticos que influenciam na variação entre IMP e PPROG são de natureza semânti- co-cognitiva: a natureza aspectual, o aspecto inerente do predicado, o tipo semântico- cognitivo do verbo, a extensão da situação, a polaridade e o tipo de referência. Neste capítulo, são discutidos os resultados obtidos para os fatores mencionados acima e o que eles podem indiciar no processo de variação/mudança na expressão do passado imperfectivo.