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A função essencial das variáveis lingüísticas é marcar a relação de pertinência a um grupo. A idade é uma das três supercategorias sociais nas sociedades industriali- zadas modernas, junto com a classe e o sexo, e seu atributo social é a correlação pri- mária com a mudança lingüística. Correlações entre variantes lingüísticas e classe social e sexo do falante não são prototipicamente associadas à mudança lingüística, apesar da possibilidade de membros de uma classe ou de um sexo serem líderes do grupo na vanguarda da mudança. Desnecessário dizer que sexo, classe social e idade são elementos intrínsecos de identidade, mas certas variantes lingüísticas têm valor social como expressão de um ou outro atributo. (Chambers, 2005, p. 349-350). Na expressão do passado imperfectivo, a idade comporta-se como o índice social de ava- liação das formas, indicando um rumo de mudança.

Intuitivamente, percebemos a influência da idade nos processos de variação e mudança lingüística: uso de uma expressão “fora de moda”, gírias desatualizadas, enfim, percebemos que o tempo passou e ainda guardamos traços daquela época em nosso repertório lingüístico.

Como aponta Naro (2002, p. 43-50), a hipótese clássica para a relação entre i- dade e a mudança lingüística parte do pressuposto de que o processo de aquisição da língua se encerra pelo início da puberdade, e, a partir de então, a língua do indivíduo fica essencialmente estável. Isso significa que o atual estado da língua de um falante adulto reflete o estado da língua adquirida quando o falante tinha aproximadamente 15 anos de idade. Assim, um indivíduo com 60 anos hoje representa a língua de 45 anos atrás, uma gravação feita em 1990 com um informante de 70 anos representa o estado da língua adquirida em 1935. Esse tipo de mudança – como é visto a seguir – é a que Labov (1994)91 denomina de mudança geracional, em que o comportamento do

indivíduo é estável contrastando com a instabilidade da comunidade com o passar do tempo. Em termos empíricos, o padrão de distribuição das ocorrências em função das faixas etárias é linear, ou quase linear, tanto descendente, apontando para a imple- mentação da variante, quanto paralela, indicando variação estável.

91 A primeira menção à mudança geracional e as correlações entre tempo real e aparente é feita em Labov (1982).

Ainda conforme Naro (op. cit.), há outra hipótese que prevê que o sistema lin- güístico do indivíduo muda ao longo do tempo, por conta da atuação de forças exter- nas, principalmente os efeitos do mercado de trabalho. Em termos empíricos, a dis- tribuição dos dados apresenta padrão curvilinear, ou seja, os grupos extremos (jo- vens e velhos) apresentam um comportamento semelhante, contrastando com o gru- po de meia-idade. A explicação para este comportamento é que há um aumento do uso da variante padrão no momento do ciclo da vida em que diminuem as pressões sociais do círculo imediato de amizades do adolescente e aumentam as pressões do mercado profissional. Depois da aposentadoria, as pressões do mercado deixam de agir e o indivíduo pode relaxar lingüisticamente.

Para operacionalizar essas hipóteses acerca da relação entre língua e faixa etá- ria, Labov (1994) propõe uma metodologia que se resume à observação de dois esta- dos de língua e a garantia de que haja continuidade entre eles. Significa que, em um dado momento, coletem-se dados do fenômeno de uma amostra x. E, passado um período y, repete-se a coleta de dados, na mesma amostra x.92 A observação de um

estado de uma língua é feita através de estudo quantitativo de uma amostra randômi- ca e representativa de todos os segmentos de uma comunidade de fala. Estudos desse tipo, chamados estudos em tempo real se subdividem em estudo de tendência e estu-

do de painel. O estudo de tendência (trend study) é mais simples: requer uma amos-

tra randômica da mesma comunidade de fala em um período y, posterior ao da pri- meira coleta. Já o estudo de painel (panel study) é mais complexo, pois requer o re- contato com os mesmos indivíduos informantes da primeira coleta, com a aplicação do mesmo instrumento. É possível estabelecer algumas correlações entre estudos de tempo real e de tempo aparente no que se refere à estabilidade/instabilidade da mu- dança e a relação entre comunidade e indivíduo, como pode ser observado no quadro 23.

Quadro 23: Correlações entre tempo real e tempo aparente (Labov, 1994, p. 83)

Indivíduo Comunidade

(1) Estabilidade Estável Estável

(2) Gradação etária Instável Estável (3) Mudança geracional Estável Instável (4) Mudança comunitária Instável Instável

Se o comportamento lingüístico dos indivíduos é estável durante toda a sua vida e o comportamento lingüístico da comunidade também, não há variação a analisar, refletindo o padrão (1). Já se os indivíduos mudam seu comportamento lingüístico

92 A constituição da amostra e a extensão do período são conceitos relativos. Labov usa comunidade de fala para se referir à amostra. Quanto à extensão do período entre as observações, não existe um valor seguro. Estimam-se períodos de cinco anos, 10 anos, 20 anos, como o caso do /r/ em Nova York (Labov, 1994) ou até 40 anos, como é o caso do estudo na comunidade de Martha’s Vineyard, em 1962 por Labov, e em 2002 por Blake e Josey (2003).

durante o decorrer da sua vida e a comunidade não mostra a mesma mudança, o pa- drão é caracterizado como gradação etária, em (2). Os padrões (3) e (4) não são transparentes, requerem um controle mais refinado para serem identificados. O pa- drão (3) reflete mudança geracional, no qual alguns membros da comunidade – nor- malmente os mais jovens – desencadeiam a mudança. E o padrão (4) reflete mudança comunitária, no qual toda a comunidade desencadeia a mudança.

A outra estratégia para identificar, descrever e analisar um dado fenômeno de variação ou de mudança lingüística em um período de tempo reduzido proposta por Labov (op. cit.) é que a mudança pode ser observada em tempo aparente. Essa saída metodológica pressupõe que a idade cronológica dos indivíduos represente uma “pas- sagem no tempo”, e se apóia na hipótese clássica de que a língua de um indivíduo se constitui até cerca de seus quinze anos de idade.

A análise em tempo aparente considera a distribuição das ocorrências do fenô- meno em estudo em função das faixas etárias para caracterizar uma situação de esta- bilidade, mudança incipiente, mudança em progresso ou mudança completa. Eckert (1997) vê problemas nos estudos que consideram somente o tempo aparente. A estra- tificação etária pode refletir mudança em uma comunidade de fala em relação ao tempo (mudança histórica) e também a mudança na fala de um indivíduo em relação ao tempo de sua vida (gradação etária). Segundo a autora, o problema da análise da mudança em tempo aparente é que considerar o tempo refletido na idade cronológica dos indivíduos pode levar a equívocos entre mudança em tempo aparente de fato e gradação etária. Isso porque, de acordo com Eckert (op. cit.), o comportamento lin- güístico de todos os indivíduos muda no decorrer de sua vida. E as mudanças lingüís- ticas individuais não são exclusivamente decorrentes de mudanças lingüísticas histó- ricas. São mudanças decorrentes da história do indivíduo. Nascemos, crescemos, nos tornamos adultos, envelhecemos. A cada etapa do ciclo vital, mudanças de ordem biológica e social ocorrem e refletem também na língua do indivíduo, o que Eckert denomina de curso da vida lingüística. A aquisição da língua, a entrada na escola, a aplicação da rede de relações sociais, a entrada e a saída do mercado de trabalho são fatores que se refletem diretamente nas faixas etárias. Para Eckert, a faixa etária é apenas um rótulo que agrupa vários fatores de ordem social e biológica do indivíduo. É preciso então definir quantas e quais as faixas etárias que podem ser controladas e que fornecem pistas significativas para a compreensão real do fenômeno de variação e de mudança lingüística. Labov (1994) propõe duas faixas extremas: a dos mais ve- lhos e a dos mais jovens. Chambers (2003) propõe três: crianças, adolescentes e adul- tos. Eckert (1997), por sua vez, propõe que as faixas etárias representem o curso da vida lingüística: infância, adolescência, vida adulta e velhice.

A variável faixa etária foi apontada como estatisticamente significativa nas três análises realizadas, conforme as tabelas 1-3 da seção 3.3. Recapitulando, os resulta- dos da análise da variação entre IMP e PPROG na expressão de aspecto imperfectivo foram analisados em três conjuntos de dados: análise geral, que considerou todas as ocorrências das formas codificando passado imperfectivo; aspecto durativo, que con- siderou apenas as ocorrências com valor aspectual imperfectivo durativo; aspecto

tivo durativo em contextos de pares mínimos. Estes resultados são retomados na ta- bela 20.

Tabela 20: Contingência da expressão do passado imperfectivo quanto à faixa etária, com IMP como valor de aplicação

Faixa etária Peso relativo % Aplicação/total

Análise geral 15 a 21 anos 0,34 42,7 91/213 25 a 49 anos 0,57 70,1 356/508 Mais de 50 anos 0,48 61,5 99/161 Duratividade 15 a 21 anos 0,36 42,6 75/176 25 a 49 anos 0,57 72,1 248/344 Mais de 50 anos 0,50 63,5 61/96

Duratividade em pares mínimos

15 a 21 anos 0,38 46,8 65/139

25 a 49 anos 0,55 72,5 206/284

Mais de 50 anos 0,54 70,8 51/72

Como já foi dito na seção 3.1.1, a amostra de Florianópolis do Banco de Dados VARSUL é atualmente a única que conta estratificação em três faixas etárias: jovens (15 a 24 anos, preferencialmente 15 a 20 anos); faixa A (25 a 49 anos, preferencial- mente 25 a 45 anos); e faixa B (mais de 50 anos, preferencialmente 55 a 75 anos). Es- ta distribuição retrata parcialmente o curso da vida lingüística, faltando a infância.93

O estudo da variação entre IMP e PPROG na expressão de passado imperfectivo na fala de Florianópolis foi realizado com esta amostra, e os resultados já apresentados na seção 2.3 são retomados e discutidos a seguir.

A distribuição dos dados da função, ou seja, da expressão de passado imperfec- tivo, está, nos três modelos, concentrada na faixa etária 25 a 49 anos. É essa faixa etá- ria que mais faz uso desta função, independentemente da forma utilizada para a sua expressão, no corpus analisado. Quais as motivações para explicar esta distribuição centralizada? Há uma série de fatores que devem ser considerados. Primeiramente, o contexto especificado para a análise do fenômeno. As ocorrências de IMP e PPROG que foram coletadas deveriam estar dentro de uma narrativa, seja narrativa plena ou oração narrativa, conforme a caracterização realizada na seção 3.1.2. Indivíduos que,

93 Coan (2003) e Tavares (2003) utilizaram em suas análises uma amostra da faixa de 9 a 12 anos, cole- tada paralelamente. “As entrevistas com informantes de 09 a 12 anos foram realizadas no primeiro semestre do ano 2000 por doutorandas em Sociolingüística da Pós-Graduação em Lingüística da UFSC (Adriana de Oliveira Gibbon, Maria Alice Tavares, Mariléia dos Santos Reis e Márluce Coan) e posteriormente doadas ao Projeto VARSUL.” (Tavares 2003, p. 144). Porém, ainda não estão transcritas. Como a faixa etária desta amostra complementar está mais para a adolescência (pré- adolescência) do que para a infância, e também, dada a distância temporal entre a coleta da amos- tra principal e da amostra complementar, decidi não considerar estas entrevistas na análise da ex- pressão do passado imperfectivo, apesar de os dados encontrados em análise preliminar serem predominantemente de PPROG.

apesar das instruções do roteiro, produziram poucas narrativas em suas entrevistas influenciam nesse resultado. Ter o que contar também tem relação com o papel social do indivíduo. Uma dona de casa pode ter menos fatos reportáveis do que um indiví- duo que é ativo no mercado de trabalho. Já entre indivíduos ativos, aqueles que lidam diretamente com o público, como auxiliar de escritório (SC FLP 01), bancário (SC FLP 12) ou professora primária (SC FLP 17), possivelmente são mais desinibidos do que aqueles colocados em funções que não exigem interação direta com o público, como cozinheira (SC FLP 03 e 07), ou auxiliar de serviços (SC FLP 32). A inibi- ção/desinibição pode se refletir nas entrevistas: inibidos falariam menos do que os desinibidos, com a conseqüência de menor probabilidade de realizar o fenômeno ana- lisado.

Em segundo lugar, a “opcionalidade” do fenômeno. Considerando que existem duas possibilidades de expressar uma situação passada no português, perfectiva ou imperfectiva, o falante pode optar, primariamente, por uma ou por outra. Dentro da unidade narrativa, é uma escolha estilística: o falante pode optar por marcar uma si- tuação em primeiro ou segundo plano, escolhas associadas à expressão aspectual per- fectiva e imperfectiva. Só se optar pela imperfectividade é que o falante passa a dispor de duas formas, o que reduz as possibilidades de ocorrência e possibilita a concentra- ção em certos grupos formados em função de características estilísticas.

Há que se considerar ainda que a extensão da faixa etária 25 a 49 anos é muito ampla, especialmente se comparada à faixa de 15 a 21 anos. Talvez se fosse desmem- brada em duas faixas (25 a 35 anos e 36 a 49 anos) os resultados ficassem distribuí- dos de maneira mais equilibrada.

Feitas essas considerações acerca da concentração de ocorrências na faixa etária medial, passe-se à análise da linha formada pela distribuição escalar das ocorrências em função das faixas etárias, apresentada no gráfico 5.

Gráfico 5: Distribuição das freqüências de IMP na expressão de passado imperfectivo em função das faixas etárias

0 % 1 0 % 2 0 % 3 0 % 4 0 % 5 0 % 6 0 % 7 0 % 8 0 % 9 0 % 1 0 0 % 1 5 a 2 1 a n os 2 5 a 4 9 a n os m a is de 5 0 a n os a n á lise g er a l du r a tiv ida de du r a tiv ida de e pa r es m ín im os

Considerando o contexto mais específico de uso das formas – duratividade com pares mínimos –, o padrão de distribuição das freqüências da expressão do passado imperfectivo na fala de Florianópolis é quase-linear. Há uma forte correlação entre o uso de PPROG e a faixa etária mais jovem, em oposição às faixas mais velhas, que apresentam um comportamento estatisticamente mais próximo.

Assim como agrupa a maior parte das ocorrências da expressão de passado im- perfectivo, a faixa etária 25 a 49 anos também agrupa o maior percentual de aplicação da regra (IMP). O comportamento dos três modelos no que se refere à faixa etária é muito semelhante. Apenas o modelo que considera o aspecto durativo em pares mí- nimos parece ter leve diferença em relação aos outros dois. Neste modelo, o compor- tamento da faixa intermediária e da faixa mais velha é muito próximo, com pesos de 0,55 e 0,54, respectivamente, muito próximos do ponto neutro, que se opõem à faixa etária mais jovem, com peso de 0,38, restringindo a aplicação da regra. A restrição à aplicação da regra também se manifesta na análise geral e no aspecto durativo, com pesos de 0,34 e 0,36, respectivamente.

Os resultados apontam para uma leve e incipiente tendência à polarização entre faixa etária mais jovem, implementando a variante inovadora, PPROG. Apesar de contabilizarem freqüências de aplicação da regra sensivelmente mais altas do que a faixa mais jovem, na casa dos 60% a 70%, os pesos relativos apontam que as faixas etárias mais velhas praticamente não afetam a ocorrência do fenômeno, em torno de 0,50 (tabela 20).

A distribuição dos valores aspectuais do passado imperfectivo também delineia a implementação de PPROG, conforme aponta o gráfico 6. O valor progressivo, o va- lor aspectual mais específico do imperfectivo, sinaliza a implementação de PPROG: quanto mais jovens, maior o percentual de uso da variante inovadora. O valor iterati- vo também delineia esta tendência.

Gráfico 6: Distribuição das freqüências de IMP na expressão do passado imperfectivo nas faixas etárias em função do valor aspectual

0 % 1 0 % 2 0 % 3 0 % 4 0 % 5 0 % 6 0 % 7 0 % 8 0 % 9 0 % 1 0 0 % 1 5 a 2 1 a n os 2 5 a 4 9 a n os m a is de 5 0 a n os Pr og r essiv o Du r a tiv o A m bíg u o Iter a tiv o

A correlação entre valor aspectual e faixas etárias também é verificada por Mendes (2005) na análise da variação entre estar + gerúndio e ter + particípio na expressão dos aspectos iterativo e continuativo. Os resultados estatísticos de Mendes (op. cit., p. 123-24) apontam que, prototipicamente, a forma ter + particípio está as- sociada à expressão do aspecto iterativo, enquanto estar + gerúndio está associada à expressão de aspecto continuativo. Porém, ao cruzar os dados da categoria aspectual com a faixa etária dos informantes analisados, o autor constata que a polarização pro- totípica se verifica nas faixas etárias mais elevadas, enquanto o uso das faixas etárias mais jovens é predominantemente ambíguo.

Na expressão do passado imperfectivo, no entanto, não parece haver uma pola- rização entre valor aspectual de forma tão marcada quanto a encontrada por Mendes (op. cit.), como atesta o cruzamento das variáveis faixa etária e tipo de aspecto imper- fectivo, na tabela 21.

Tabela 21: Contingência para a variável dependente IMP com cruzamento das variáveis faixa etária e tipo de aspecto imperfectivo

Faixa etária

15 a 21 anos 25 a 49 anos Mais de 50 anos Total

Tipo de aspecto N % N % N % N % Progressivo 1/10 10 7/34 21 4/16 25 12/60 20 Durativo 75/176 43 248/344 72 61/96 64 384/616 62 Ambíguo 13/23 57 59/81 73 19/32 59 91/136 67 Iterativo 2/4 50 42/49 86 15/17 88 59/70 84 Total 213 43 508 70 161 61 882

Apesar das restrições consideradas, os jovens assumem papel de vetores na im- plementação de PPROG como forma de expressão de passado imperfectivo, configu- rando um quadro de mudança em tempo aparente. Evidentemente, estudos compa- rando outras sincronias são necessários para averiguar se de fato trata-se de mudança histórica ou apenas efeitos da gradação etária, conforme Eckert (1997), ou se a mu- dança se dá na comunidade ou no indivíduo, por meio de gradação etária ou por mu- dança geracional, respectivamente, conforme o modelo de Labov (1994).