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Conversa de arquitecto, Oscar Niemeyer,

de um habitante imaginado - ele adapta a forma do objecto para que este se adeqúe às suas necessidades, e para que este promova um habitar5 que lhe seja benéfi co. Repare-se que o habitar do hóspede não acontece por via do conceito ou da ideia do arquitecto6. O hóspede habita porque esse é o seu modo de ser, enquanto homem na Terra7. Mas porque projecta o objecto arquitectónico, o arquitecto tem a oportunidade de intervir no meio em que acontece esse habitar8, e de desenhar esse meio para que ele seduza o hóspede a experimentar o espaço como ele o simulou9.

Segundo Janeiro, o arquitecto simula a experiência do habitante através do projecto10. Para materializar o seu conceito de habitar11, ele habita em imagem12 um espaço e um objecto hipotéticos. De seguida, traduz grafi camente o produto da sua fantasiapara uma imagem técnica13 que facilite a compreensão daqueles que estão incumbidos de concretizar o seu desenho no espaço tridimensional14. Assim, quando é edifi cado, o objecto arquitectónico funciona, por um lado, como aquilo que as imagens(no desenho e na mente do arquitecto) representam15 e, por outro, como a representação dessas imagens16, já que incorpora na sua geometria os traços pertinentes17 que as identifi cam. Enquanto veículo de um signifi cado, o objecto arquitectónico ganha um valor sígnico18. Ao projectá-lo, o arquitecto empenha-se numa relação comunicativa com o seu hóspede. Através do seu desenho, ele expressa um conteúdo, contando que um destinatário - o habitante - signifi que a mensagem de acordo com a sua intenção.

Quando dispõe os objectos no espaço, o arquitecto atribuí-lhes uma função19. A função dos objectos não consiste apenas nos usos que eles possibilitam20 mas também, como indica Eco, no signifi cado conotativo que se articula com o uso funcional21. A partir de uma análise denotativa, a escada é semelhante ao elevador, e a porta ao arco. Tanto num caso como no outro observamos, respectivamente, possibilidades de subida e possibilidades de entrada22. De um ponto de vista conotativo, porém, observamos diferenças determinantes: para além de incitar à subida, a escada pode também signifi car contemplação ou heroísmo23; além de possibilitar uma passagem, o

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fi nalmente, para o mundo28, onde fi ca sujeito à percepção e representação dos outros. Remetido a si mesmo, o objecto conserva a infi nitude de possibilidades signifi cativas, como uma forma vazia29 que aguarda a chegada daquele que se encarregará de decifrar a sua mensagem. Diante do objecto, o hóspede retoma e descodifi ca a sua forma de acordo com o sistema de signifi cações que tem interiorizado. Se reconhece o signifi cado da escada, da porta, e dos restantes objectos desenhados pelo arquitecto, será porque partilha com ele as mesmas noções, os mesmos códigos. Para transmitir a sua ideia ou conceito, o arquitecto serve-se do território que julga ter em comum com o hóspede. Em primeiro lugar, supõe no hóspede um habitante que, como ele, vive enredado numa determinada condição cultural30. De seguida, fi ccionando-se na sua posição, ajusta a sua mensagem a uma língua que ele compreenda. Com o uso da linguagem, o arquitecto passa a poder estruturar o infi nito potencial signifi cativo dos seus objectos segundo uma pragmática, para assim privilegiar determinadas signifi cações do seu campo semântico global, e aumentar a efi cácia comunicativa do seu objecto.

A organização de um sistema de signos segundo graus de probabilidade permite-nos determinar o seu nível de realismo. Como vimos, o realismo trata da relação de uma imagem com um modo tradicional de ver31. Quanto mais evidente for a sua ligação com um modo convencional

uma expectativa relativamente aos objectos criados pelo arquitecto, e que é explícita pelo nome (museu, casa, quarto, etc.) que lhes atribui e pela necessidade (abrigar-se, comer, dormir, etc.) que espera satisfazer. Mas, na qualidade de artista, o arquitecto não ganha a legitimidade de subverter a lógica convencional e romper a normatividade da efi cácia comunicacional?

Como referimos anteriormente, a partir da obra de Barilli33, o arte desempenha um papel fundamental na construção, desenvolvimento e transformação dos fenómenos culturais. Pela sua natureza totalizante, presentativa e inventiva, a arte conserva o carácter globalizante da acção do homem, mantém a ambiguidade expressiva face à separação reducionista entre a expressão e o conteúdo, e enseja a procura por novas linguagens e signifi cados, essencial à própria condição humana. Analisada de um ponto de vista culturológico, a arte constitui-se como meio de transformação da sociedade e da cultura34. Como produtor de objectos, o arquitecto contribui para a transformação do hipercódigo que é partilhado por uma sociedade. Como indica Kubler, a alteração dos objectos é um processo histórico inevitável que resulta de uma produção constante, seja por intermédio de objectos originais, seja pela subsequente profusão de réplicas e derivações incumbida de introduzir ligeiras perturbações no objecto primordial, que acabam eventualmente por transfi gurar a sua génese formal ou funcional35. Mas enquanto artista, o arquitecto encontra na procura pelo novo um imperativo moral36, a ser exercido através da imaginação e experimentação de novos objectos e signifi cados. Por esse motivo não cessa de procurar novas formas e conceitos para os seus objectos. No entanto, se a sua intenção passa por exprimir novos signifi cados aos outros, o arquitecto não deverá esquecer que os novos signifi cados que veicula e o próprio estatuto artístico das suas obras passam pela representação de uma audiência37. Se pretende que os seus objectos ganhem um valor público, deverá considerar aqueles que são os problemas comuns à sociedade, e que são acessíveis à compreensão de todos38.

135 estável dos esquemas operativos que alicerçam a sua consciência do espaço41. Por esse motivo, o arquitecto

encarregar-se-á de intervir no ambiente a partir do qual uma sociedade humana estrutura a sua imagem do mundo, na busca por um sentido de orientação, estabilidade e segurança emocional42. Como lembra o autor, o espaço não existe ao lado do ser humano, separado dele, mas sim como uma dimensão da sua existência43, gerada a partir da sua relação com as coisas e sustentada através de esquemas44, símbolos45 e tipos46 culturais. Assim, ao desenhar o espaço, não apenas o matemático/ abstracto mas principalmente aquele que orienta47, encena48 e enquadra49 as acções do homem, o arquitecto dispõe da autoridade para condicionar essas mesmas acções50, autoridade que confere à sua actividade uma índole moral, “que exige responsabilidade e consciência individuais, sentimento de verdade e de justiça, assim como o sentido da beleza e da dimensão51.

59. Uniformidade Arbitrária e Arbitrário Uniforme,