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Modelo comunicativo elementar, DeMauro,

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diferentes conteúdos. No caso do emissor que fala, a mensagem é composta por palavras e transmitida pelo ar, até ao destinatário. A mensagem é trocada, quando o destinatário a recebe, quando capta a frequência sonora daquela vocalização, que se encontra entre os limites do espectro sonoro audível pelo seu ouvido, e quando a compreende, porque partilha com o emissor um código, isto é, um conjunto de noções comuns77 que lhe permite um entendimento mútuo. Se a vocalização for imperceptível ou, por outro lado incompreensível, a mensagem não é recebida ou apenas entendida como ruído78.

Mas, se a palavra em pleno voo de que falamos não está, no momento em que viaja pelo espaço, sob o domínio de nenhum espírito constituinte79, como podemos falar de uma palavra, de um sinal? Como podemos, na verdade, falar de alguma coisa? É que, no momento que está em pleno voo, após abandonar o locutor e antes de ser descodifi cada, a palavra já não é palavra e ainda não é palavra. Sobre esse momento, sobre o depois-e-antes-de-ser-palavra podemos apenas supor, uma vez que a sua existência está, simultaneamente, para além e aquém de uma constituição subjectiva, uma representação80, único modo possível dela ganhar um sentido. É por este motivo que o sinal, em-si,

é desconhecido para o sujeito, porque este não consegue captar os estímulos sem os revestir de um signifi cado, mesmo quando falamos de uma sensação81. É também por este motivo que não podemos falar de um referente82, como no triângulo de Charles Ogden e Ivor Richards83 (fi g. 17). No caso da situação conversacional que descrevemos, a existência de um hiato entre emissor e receptor, permite verifi car uma transcendência84, um outro85, por isso não podemos, em rigor, falar 17. Triângulo de Ogden e Richards,

Adaptação do autor, 2017.

de uma simples transferência de informação, do mesmo modo como poderíamos deduzir no caso do modelo hidráulico de Eco86: modelo de uma máquina que emite um sinal elétrico e de outra que o converte numa resposta pré-determinada. Numa conversa, é o destinatário que retoma87 a mensagem e a incorpora numa refl exão sua, presumindo uma mesmicidade88 na refl exão do emissor pelos comportamentos que ele exibe, semelhantes aos seus89. Assume ali um outro-como-ele90, um outro que partilha as mesmas noções, o mesmo código.

1.6 Intenção e forma vazia

O processo comunicativo caracteriza-se pela transmissão de um sinal entre duas entidades que partilham entre si um código. Envolve uma fonte capaz de accionar um transmissor, que emite um sinal e percorre um canal até um receptor, e que, por sua vez, é descodifi cado e transformado em mensagem, dependendo da compreensão do destinatário91.

Tanto na situação conversacional como na observação das estrelas, ocorre a emissão e a detecção de um sinal, desde uma fonte até um destinatário. No entanto, só no primeiro caso podemos falar de um processo de comunicação92. Porquê? Porque, segundo Eco, verifi camos um código ou sistema de signifi cações93 subjacente à conversa, que condiciona o locutor a emitir o sinal “de acordo com regras conhecidas pelo destinatário”94, enquanto o astrónomo associa autonomamente95 o brilho que vê. O astrónomo julgará improvável que o brilho se deva a uma motivação da estrela em comunicar consigo, e, por isso, considerá-lo-á proveniente de uma fonte natural96. Não lhe reconhece, portanto, uma intenção97 comunicativa que, mesmo no caso de uma comunicação entre seres humanos, determina a exclusão do sinal do processo comunicativo, como vemos pelos signos não intencionais descritos por Eco98. Em qualquer processo comunicacional, quem transforma defi nitivamente o sinal em mensagem é o destinatário99. É ele quem o interpreta, e por isso é também ele que, perante os sinais que capta, lhes atribui uma intenção.

Como vimos, há um momento da palavra em voo, quando esta se encontra além e aquém de uma constituição subjectiva, em que ela já abandonou o emissor mas ainda não foi captada pelo

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o desenho. Trata-se aqui, naturalmente, de uma catacrese, uma vez que falar em forma implica desde logo referirmo-nos à coisa recheada de signifi cado110. Será, pois, muito improvável, como refere Eco, caracterizar completamente o campo semântico global111 de uma mensagem, dado que a série de possibilidades da mesma é indeterminada112.

A forma vazia é o tropo que ilustra a condição em que se encontra a palavra em voo, o desenho, o texto, etc. antes de ser submetida à interpretação do destinatário. É a mesma condição em que se encontra qualquer objecto – inclusivamente o objecto arquitectónico – quando está adormecido: “até ao momento em que surge a possibilidade de uma sua representação”113. A forma vazia – estudada no âmbito do modelo comunicativo de Eco (fi g. 18) – será a mensagem em situação de ambiguidade114, localizada antes da interpretação do destinatário.

Para explicar a situação de ambiguidade da forma vazia, sirvamo-nos da teoria da informação. Esta defi ne que o modo mais simples de conhecimento parece ser aquele que se baseia na oposição binária115, simplifi cada pela máxima de Lord Henry Wotton: “defi nir é limitar”116. Ou ainda, como afi rma Netto: “toda a informação recebida por um sujeito é por este entendida (e só entendida deste modo) num primeiro instante, em oposição com aquilo que essa informação exclui, num processo frequentemente inconsciente”117. Podemos assim considerar que a informação que não foi recebida pelo sujeito não passou por esse processo de exclusão e, pela mesma razão, mantém em aberto todos os sentidos em que pode ser defi nida, numa relação de equiprobabilidade118.

18. Modelo Comunicativo,